Panamá constrói modelo de
segurança alimentar.
Cidade do Panamá, Panamá, 16/9/2014 – O Panamá é
o primeiro país da América Latina a converter o combate contra a chamada fome
oculta em uma estratégia nacional, com um plano destinado a eliminar o déficit
de micronutrientes na população mais vulnerável, mediante a biofortificação dos
alimentos.
O projeto começou a andar em 2006 e se consolidou
em agosto de 2013, quando o governo lançou o programa Agro Nutre Panamá, que
coordena a melhoria da qualidade alimentar dos setores mais pobres do país,
concentrados na área rural e na população indígena, incorporando ferro,
vitamina A e zinco às sementes.
“Acreditamos que a biofortificação é uma forma
barata de enfrentar esse problema, com alimentos que as famílias consomem
diariamente”, explicou à IPS o coordenador do Agro Nutre, Ismael Camargo. O
Panamá apresenta bolsões de pobreza onde existem altos níveis de deficiência de
micronutrientes, acrescentou.
Em 2006, começou a pesquisa da biofortificação do
milho, dois anos depois foi a vez do feijão, e, em 2009, a do arroz e da batata
doce, em um plano que tem apoio do Ministério de Ciência, Tecnologia e
Inovação. Do Agro Nutre participam o Instituto de Pesquisa Agropecuária do
Panamá e instituições acadêmicas, além de contar com o respaldo da Organização para
a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e a
pública Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Na fase atual, apenas quatro mil os 48 mil
produtores de agricultura familiar ou de subsistência do Panamá plantam
sementes biofortificadas. O reforço dos micronutrientes nos alimentos da dieta
básica panamenha se converteu em política de Estado em 2009. Atualmente, estão
liberadas (produzidas experimentalmente e aprovadas) cinco variedades de
sementes de milho, quatro de arroz e duas de feijão, todas melhoradas
convencionalmente e com alta qualidade protéica.
O projeto “começou nas áreas rurais porque é onde
existe pobreza extrema e os agricultores produzem para sua subsistência”,
pontuou à IPS a engenheira de alimentos Omaris Vergara, da Universidade do
Panamá. Ela acrescentou que nesta fase “não se pretende a comercialização
desses alimentos, mas sim melhorar a qualidade nutricional para as famílias
agricultoras”.
Segundo a engenheira, a maior dificuldade para o
avanço do Agro Nutre é a carência de infraestrutura de pesquisa. “O enfoque do
projeto está voltado para populações vulneráveis. A academia já pensa estudos
de impacto, mas ainda não começaram a ser feitos por serem muito caros”,
afirmou, destacando a carência de estrutura de pesquisa é o ponto fraco do
projeto.
Dados do Agro Nutre indicam que, dos 3,5 milhões
de habitantes desse país centro-americano, um milhão vive na área rural, a
metade em condição de pobreza e 22% em pobreza crítica. Mas a maior miséria no
Panamá se concentra nos 300 mil indígenas que sobrevivem em cinco comarcas.
Destes, 90% estão em situação de pobreza.
Isidra González, de 54 anos, não tinha ouvido
falar da melhoria com micronutrientes dos alimentos, até que há cinco anos
começou a plantar, junto com seu filho mais velho, sementes biofortificadas, em
seu pequeno terreno na comunidade de Hijos de Dios, no distrito de Olá, na
província central de Coclé. Agora, as 70 famílias dessa aldeia de casas
espaçosas em sua única rua produzem feijão com sementes fortificadas em
pequenas parcelas nas ladeiras de exuberância tropical e arroz em terras
inundáveis.
“Creio que essas sementes são melhores e produzem
mais. Pode-se usar metade da água que crescem”, contou à IPS Isidra, que está
no projeto desde sua fase experimental. “As pessoas gostam, porque tem mais
sabor e rende bastante. Meus filhos comem nosso arroz e feijão com gosto, disso
estou certa”, acrescentou, entre risos.
O produtor Vicente Castrellón, de 69 anos, além
de cultivar as sementes melhoradas foi treinado como capacitador comunitário
para os produtores do distrito. “Estamos produzindo três colheitas ao ano, e eu
apoio tecnicamente em tudo que os demais produtores precisam. Agora é para o
autoconsumo, mas alguns conseguem mais do que precisam para alimentar a família
e já obtêm dinheiro com a venda do que sobra”, contou à IPS.
“A vida aqui é muito cara para produtores como
nós”, acrescentou Castrellón, em Hijos de Dios, distante 250 quilômetros da
Cidade do Panamá, de onde se leva mais de três horas de automóvel para chegar.
Não foi fácil as famílias de Olá mudarem para as sementes biofortificadas,
“demorou quase um ano para que entrassem no Agro Nutre”, recordou. Mas agora há
entusiasmo, “porque, para cada dez libras (454 gramas) plantadas, colhe-se de
cem a 200 libras de grãos”, ressaltou, mostrando orgulhoso sua plantação.
A inclusão do quarto cultivo, a batata doce, é
estratégica, explicou o pesquisador Arnulfo Gutiérrez. Esse tubérculo quase
desaparecido da dieta panamenha é o quinto cultivo do mundo, à frente do milho
ou da mandioca, e a FAO promove seu maior consumo global. Por isso sua
incorporação tem por objetivo promover seu consumo e, em 2015, seriam liberadas
duas ou três variedades de suas sementes melhoradas.
Luis Alberto Pinto, consultor da FAO, integra o
comitê gestor do Agro Nutre e é coordenador técnico nacional nas duas primeiras
comarcas indígenas onde se planta a semente melhorada, Gnäbe Bugle e Guna Yala.
“Trabalhamos em quatro comunidades-piloto.
Em Gnäbe Bugle estamos no Cerro Mosquito e
Chichica com 129 agricultores e em Guna Yala com 50 agricultores, em ilhas na
faixa do Caribe”, detalhou à IPS. “Trabalhamos segundo seus costumes e suas
culturas, na incorporação desses produtos” de maneira sustentável no tempo. “Nossa
esperança é expandir o projeto a todas as comarcas indígenas”, apontou Pinto.
Além de ciência e produção, o projeto exige o
lobby constante com membros do parlamento e de ministérios para que se mantenha
o compromisso com a biofortificação como plano do Estado.
Eyra Mojica, representante do PMA no Panamá
contou à IPS que já é habitual seu caminhar pelos corredores do parlamento e
escritórios de funcionários de alto nível nos ministérios. “Trabalhamos com
deputados, diretores, ministros e novas autoridades. O tema da segurança
alimentar é muito complexo. O PMA se converteu no principal apoio para dar
informações às autoridades em termos nutricionais. Há muito desconhecimento”,
afirmou.
Para o ano que vem, o PMA espera introduzir a
mandioca e a abobrinha como novos cultivos biofortificados. “Queremos ter uma
cesta de sete alimentos biofortificados. A ideia é avançar com a incorporação
de pequenos grupos, como o das mulheres camponesas. Também estudamos trabalhar
nas escolas com o programa de merenda escolar, a partir de 2015”, destacou
Mojica.
A biofortificação dos alimentos básicos, com
nutrientes para reduzir a fome oculta, foi desenvolvida pelo HarvestPlus, um
programa coordenado pelo Centro Internacional de Agricultura Tropical e o
Instituto Internacional de Pesquisas sobre Políticas Alimentares.
Fonte: ENVOLVERDE
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