Contas amargas esperam pela
vencedora das eleições no Brasil.
por Mario
Osava, da IPS
Marina Silva e a presidente Dilma Rousseff, durante
encontro dos empresários industriais do Brasil com os candidatos a
Presidência. Foto: Antônio Cruz/ABR.
Rio de Janeiro, Brasil, 22/9/2014 – “Entregar aos
banqueiros um grande poder de decisão sobre sua vida e a de sua família”,
incluindo emprego, preços e salários, é o que faria Marina Silva, afirma a
propaganda da presidente Dilma Rousseff em sua campanha pela reeleição. Um spot
televisivo mostra uma reunião de homens engravatados e contentes, enquanto em
outra cena uma família se assusta e se deprime diante do desaparecimento da
comida de seus pratos.
Seriam executivos do Banco Central, ao qual Marina
Silva ofereceu autonomia por lei em seu programa. Os banqueiros assumiriam um
poder que cabe ao presidente do país e ao Congresso eleitos pelo povo, segundo
a propaganda de 30 segundos divulgada pela rede de televisão dos horários da
propaganda eleitoral destinados a Dilma.
A maioria da população não conta com informação
para avaliar a polêmica, e o objetivo claro é semear o temor pelo desconhecido.
Pode “criar na opinião pública estados mentais, emocionais ou passionais”,
reconheceu a Promotoria Geral, que pediu na justiça a suspensão dessa
propaganda.
Às tergiversações e as críticas agressivas entre os
candidatos se somam promessas, em uma disputa eleitoral que tende a agravar as
frustrações dos brasileiros com o prognóstico da economia para 2015. Todos os
candidatos prometem baixar a inflação e o déficit fiscal, aumentando, ao mesmo
tempo, o investimento em saúde e infraestrutura.
Mas o primeiro ano do novo governo será de “um
ajuste doloroso”, afirmou Sérgio Vale, economista-chefe da consultoria MB
Associados. Há quase um consenso entre seus colegas do setor privado em
considerar “inevitáveis” medidas impopulares para que o governo recupere a
confiança dos agentes econômicos e promova investimentos.
Um aperto fiscal sem os truques da “contabilidade
criativa” que tirou credibilidade das contas públicas nos últimos anos, altas
de preços controlados e desvalorização do real serão algumas correções
necessárias para superar a “desordem” atual da economia, segundo Vale, analista
opositor ao governo.
Em sua opinião, o candidato social-democrata Aécio
Neves será o melhor presidente para reordenar a economia, mas não tem opções.
Ocupa o terceiro lugar nas pesquisas, lideradas por Dilma e Marina Silva, as
prováveis rivais no segundo turno, no dia 26 de outubro. O primeiro será no dia
5 de outubro. Se for reeleita, Dilma “nada mudará” e a economia brasileira
continuará paralisada e em “rápida deterioração”, previu Vale.
O risco é que o novo governo perca de imediato o
apoio popular, ao trair suas promessas eleitorais. O ajuste poderá reduzir o
consumo, em um primeiro momento, e elevar a inflação, já alta e um fator de
deterioração da presidente. A desvalorização cambiária provavelmente ocorrerá
pela prevista elevação das taxas de juros em 2015 por parte do Federal Reserve
(o banco central norte-americano), que valorizará o dólar.
Isso terá efeitos inflacionários que exigirão novas
altas da taxa de juros, freando o dinamismo em uma economia já praticamente
paralisada desde 2011. O mesmo ocorrerá com o aumento dos preços dos
combustíveis e da energia elétrica, que está contido mas que algum dia vai
estourar. São “temas que não estão na agenda da campanha eleitoral”, porque
afugentam os votos, mas se imporão ao novo governo, pontuou Luis Eduardo Assis,
ex-diretor do Banco Central e com experiência em universidades e bancos
internacionais.
Adotar as medidas necessárias no primeiro ano, para
recuperar a economia nos anos seguintes, será a melhor alternativa, porque
persistir no rumo atual, com ações paliativas, agravará a situação no futuro imediato,
levando ao “risco de crise institucional”, apontou Assis à IPS. No Brasil, “é
inviável não crescer”, uma longa paralisia econômica gera “pressões sociais”,
com consequências políticas, ressaltou.
Tampouco se pode esperar um crescimento acelerado
do produto interno bruto (PIB), destacou Assis, porque depende de reformas
estruturais que alterariam o pacto social adotado pela sociedade brasileira, de
generosos benefícios distribuídos pelo Estado, em contração de investimentos
públicos.
Sem a possibilidade de baixar a carga tributária,
que no Brasil alcança níveis de países ricos de elevado bem-estar social, não
se pode “simplificar o sistema”, cuja complexidade representa custos que tiram
competitividade das empresas brasileiras, acrescentou Assis. Para ele, seria um
“erro fatal” permitir mais supervalorização cambiária, um dos fatores que
afundaram a indústria brasileira em uma “profunda recessão” há vários anos. Uma
moeda valorizada “é uma grande tentação”, ao “represar preços” e aumentar a
renda e o PIB, alertou.
Isso porque, em contrapartida, sobem também os
custos, especialmente para a indústria. Mas uma desvalorização não soluciona o
problema por si só. É apenas “uma anestesia”, necessária para uma cirurgia de
melhoria na competitividade, com inovações tecnológicas, transporte e
burocracia menos custosas e regras estáveis, destacou Assis.
Outro economista, Luiz Carlos Bresser Pereira, uma
voz persistente contra a desindustrialização brasileira como consequência da
“doença holandesa”, agora propõe uma teoria, o “novo desenvolvimentismo”, para
explicar o processo que condena o país à “quase paralisia”, desde 1991, com o
PIB por habitante crescendo apenas 1,6% como média anual.
Chama-se “doença holandesa” a síndrome provocada
por um boom de divisas por exportações de recursos naturais, o que
valoriza a moeda e anula a competitividade dos demais produtos locais,
especialmente as manufaturas, prejudicando a economia interna.
Até 1990, o Brasil impunha um imposto de 31% sobre
exportações de produtos básicos, dessa forma neutralizando a supervalorização
cambiária. Isso favoreceu a competitividade das indústrias, que alcançaram 65%
das exportações brasileiras em 1985, contra apenas 6% em 1965. Essa
participação se limitou a 38% em 2013, quando o setor industrial registrou
déficit comercial de US$ 105,015 bilhões, com as importações chegando a US$
198,105 bilhões, segundo dados oficiais.
Sem o imposto de exportação, que Bresser Pereira
propõe restaurar, ocorre uma “supervalorização crônica e cíclica” das moedas de
países em desenvolvimento que exportam matérias-primas, explorando recursos
naturais abundantes e baratos, como petróleo ou ferro.
A supervalorização cambiária é cíclica porque “gera
crescente déficit nas contas externas e aumento do endividamento externo em
divisa estrangeira”, até que chega a crise financeira, uma grande
desvalorização da moeda nacional e mais inflação. O Brasil sofreu uma dessas
crises em 1998, mas se deveu mais a outra causa da síndrome holandesa. Trata-se
do que Bresser Pereira chama de “populismo cambiário”: o uso da
supervalorização para conter a inflação, estimulando importações, e a política
de crescer com investimentos estrangeiros.
São “políticas equivocadas” que se repetiram nos
governos de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2007) e de sua sucessora. “Hoje
temos uma taxa de câmbio muito valorizada, mas sem ameaça de crise financeira
no curto prazo”, pontuou Bresser Pereira. “Não acontecerá no prazo de um ano,
mesmo sem nenhum ajuste”, acrescentou este professor da Fundação Getulio Vargas,
que anunciou que vai votar em Dilma Rousseff. Sua segurança se deve às elevadas
reservas internacionais do Brasil, que no dia 17 deste mês somavam US$ 377,319
bilhões, segundo o Banco Central.
A campanha deu um giro em agosto, quando Marina
Silva, ex-ministra de Lula e candidata presidencial em 2010, assumiu a
candidatura pelo Partido Socialista Brasileiro, após a morte em acidente aéreo
de seu candidato, Eduardo Campos, que ocupava um relegado terceiro lugar nas
pesquisas. Agora, estas colocam a presidente sete pontos à frente de Marina
Silva.
Fonte: ENVOLVERDE
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