PARCAGEM: tecnologia milenar que
o Brasil precisa resgatar, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves e Moisés de
Souza Modesto Júnior.
PARCAGEM: tecnologia milenar que o Brasil precisa
resgatar
Raimundo Nonato Brabo Alves1, M.Sc.; Moisés de
Souza Modesto Júnior2
1 Eng. Agrôn. M.Sc. em Agronomia. Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Tv. Dr. Enéas Pinheiro, s/n,, Caixa Postal, 48, CEP 66095-100, Belém, Pará. e-mails: brabo@cpatu.embrapa.br;
2 Eng. Agrôn. Especialista em Marketing e Agronegócio. Analista da Embrapa Amazônia Oriental. E-mail: moises@cpatu.embrapa.br.
A parcagem é um método tradicional milenar de
agricultura que ainda vem sendo praticado pelos agricultores dos lagos de
Tracuateua no estado do Pará há gerações, provavelmente desde o Brasil colonial.
Mais de 350 famílias praticam o método, para produção de mandioca, feijão e
fumo. Cerca de 15 famílias dispõem de equipamentos de tração animal, cujo
preparo de área complementa o processo da parcagem. O método da parcagem
resultante da integração lavoura/pecuária em nível de pequenas propriedades
familiares pode prover os nutrientes necessários à manutenção da fertilidade do
solo como alternativa a indisponibilidade de fertilizantes químicos na Amazônia
e sem os desequilíbrios ambientais que estes causam à vida do solo.
Fotos: Raimundo Brabo
A maioria dos agricultores da Amazônia desconhece
que a aplicação de esterco de curral no solo, adiciona alguns macros e
micronutrientes e melhora a estrutura física, funcionando como condicionador
para o aumento da Capacidade de Troca de Cátions (CTC), retenção de umidade e
estimulador da atividade microbiana no solo.
Enquanto isso, milhões de agricultores nas
regiões mais populosas do mundo, ainda utilizam o esterco de animais como um
indispensável insumo agrícola. No Vietnã e no Sul da China, muitos fazendeiros
aplicam de 5 a 10 toneladas de esterco de porco por hectare. Na Indonésia os
agricultores aplicam 9 toneladas de esterco de gado por hectare. Em Cauca, uma
província da Colômbia os produtores aplicam de 4 a 5 toneladas de esterco de
aves por hectare (HOWELER, 2002).
Ressalta-se a importância da parcagem no
continente africano, largamente utilizado por pequenos agricultores para
obtenção de alimentos, especialmente na Nigéria e exaustivamente estudado por
pesquisadores, cujos artigos são publicados no idioma francês tendo como
referência o termo “parcage”.
Estercos de animais tendem a ter baixo conteúdo
de nutrientes (menos de 10% em compostos fertilizantes), mas contem Ca, Mg, S e
alguns micronutrientes não encontrados nos fertilizantes químicos (HOWELER,
1982). A passagem da biomassa pelo trato gastrointestinal dos ruminantes
promove a fragmentação e decomposição parcial da matéria orgânica, que
aplicados ao solo permite a liberação gradativa de nutrientes para as culturas
(POWELL et al. 1994).
O processo de parcagem que consiste na deposição
na superfície do solo de fezes e urina ricos em nitrogênio e potássio contribui
para neutralizar a acidez do solo (STILWELL & WOODMANSEE, 1981; SOMDA et
al. 1997), mais uma parte importante do nitrogênio da urina é perdido por
lixiviação ou volatilização (STILWELL & WOODMANSEE, 1981; RUSSELLE, 1992).
SILVA (1969) relata boas respostas a aplicação de
6 a 15 toneladas de esterco de gado para produção de mandioca no Rio Grande do
Norte, porém níveis mais elevados reduzem os rendimentos.
Na Bahia, GOMES et al. (1983) obtiveram altos rendimentos com a cultura da mandioca (38,6 t de raízes/ha) utilizando o sistema de parcagem,. Ele calculou que 30 animais confinados em uma área de 1 hectare por 60 noites, produzem cerca de 8 toneladas de esterco seco, contendo 40 kg por hectare de nitrogênio.
Segundo COSTA (1986), a produção de esterco
fresco de gado por cabeça pode ser calculada na quantidade de 32 kg/dia. O
mesmo autor indica os teores médios de 0,23% de P2O5 encontrados na composição
do esterco fresco.
No Estado do Pará, muitos agricultores já
utilizaram no passado o método da parcagem na fertilização de solos,
principalmente na zona Bragantina, para a produção de fumo, desde a época
colonial (PENTEADO, 1967). Nesta região o método se iniciava em janeiro, quando
o gado era trazido todas as tardes para os currais móveis onde eram efetuados
os plantios. O gado permanecia preso até o mês de maio e em junho era realizada
a “viração da terra”. O tempo gasto para revolver uma tarefa (55m x 55m)
estrumada, variava de acordo com o tipo de solo e principalmente, com o uso ou
não do arado. Interessante relatar que mesmo na região de ocorrência do método,
os agricultores praticantes desconheciam por completo o termo “parcagem”.
No município de Tracuateua, Estado do Pará, o
sistema de parcagem, que envolveu as operações de preparo dos piquetes e manejo
dos bovinos e o preparo de área com tração animal, representou 43,27% dos
custos de produção de mandioca (MODESTO JÚNIOR e ALVES, 2013, no prelo). Esses
gastos estão bem abaixo dos custos de produção do feijão-caupi aferidos por
Modesto Júnior e Alves (2012) na ordem de 51,62%, com o mesmo sistema de
cultivo. Esses custos de produção podem reduzir no consórcio de mandioca com
feijão-caupi, pois o gasto com preparo de área passa a ser único para ambas as
culturas. Tanto para produção de mandioca como produção de feijão-caupi houve
viabilidade econômica indicando que para cada real investido no sistema de
produção de mandioca retornou R$3,31, enquanto que no feijão-caupi retornou R$
1,22.
No Amapá, os pequenos produtores da Região dos
Lagos no nordeste do Estado, também utilizavam o método da parcagem para
plantio de feijão, de fumo (ALVES et al. 2005) e formação de pequenas
capineiras para desmame de bezerros.
Com o novo contexto da sustentabilidade, são
demandados aos órgãos de pesquisa e extensão o aperfeiçoamento e a difusão de
sistemas agrícolas de processos que só dependem basicamente dos recursos
disponíveis na propriedade e que promovem a autonomia do agricultor familiar. A
fertilização de solos com adubos químicos tem dificuldade de se socializar na
Amazônia por limitações como indisponibilidade dos insumos e preços elevados. O
método da parcagem resultante da integração lavoura/pecuária em nível de
pequenas propriedades pode prover os nutrientes necessários à manutenção da
fertilidade do solo como alternativa a indisponibilidade de fertilizantes
químicos e sem os desequilíbrios ambientais que estes causam a vida do solo.
A parcagem como alternativa agroecológica poderá
ser difundida aos agricultores da Amazônia, especialmente para os Projetos de
Assentamentos Rurais, principalmente aqueles que possuem como principal
atividade agrícola a pecuária leiteira familiar, visando ao cultivo de mandioca
e diversificação de culturas.
Referências Bibliográficas
ALVES, R. N. B.; HOMMA, A. K. O.; LOPES, O. M. N.
O método de parcagem como alternativa agroecológica para a integração
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Amazônia Oriental, 2005. (Embrapa Amazônia Oriental. Documento, 220).
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Fonte: EcoDebate
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