Cientistas apontam soluções
sustentáveis para desafios agrícolas.
por Diego
Freire, da Agência Fapesp
Ganhadores do Prêmio Fundação Bunge apresentam
alternativas para o setor em seminário na FAPESP. Foto: Eduardo Cesar.
Agência FAPESP – Ante o aumento da demanda da
população por alimentos, o conhecimento sobre o vasto e ainda pouco explorado
universo dos microrganismos que habitam o solo e as plantas pode ajudar a
incrementar a produção agrícola de forma sustentável. É o que afirma Fernando
Dini Andreote, pesquisador da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz
(Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e ganhador da edição deste ano do
Prêmio Fundação Bunge na categoria Juventude.
Andreote esteve na FAPESP na terça-feira (23/09)
para participar do Seminário Produtividade Agrícola Sustentável, realizado em
parceria com a Fundação Bunge com o objetivo de envolver pesquisadores do setor
em discussões sobre o tema. Para ele, o microbioma do solo e das plantas pode
guardar importantes respostas para os desafios do setor agrícola.
“No solo e nas plantas há a maior fonte de
biodiversidade genética e metabólica do planeta: cerca de 1 bilhão de células
vivas para cada grama de solo; são 30 mil espécies diferentes. A capacidade
metabólica desses organismos precisa ser investigada para entendermos cada vez
mais sobre como utilizá-la em benefício da produção sustentável”, disse ele à
Agência FAPESP.
Andreote esteve à frente da pesquisa Diversidade microbiana em solos com
cultivo de cana-de-açúcar no estado de São Paulo: um enfoque biogeográfico,
apoiada pela FAPESP, que identificou grupos de microrganismos e os
correlacionou a fatores como o tipo de manejo da cultura, a natureza do solo e
aspectos climáticos, como umidade e temperatura.
O trabalho constatou que há importantes
diferenciações entre grupos de microrganismos em áreas distintas, ainda que com
cultivos semelhantes. “São diferenciações importantes, mais expressivas em
fungos do que em bactérias, e nosso trabalho é entender se esses grupos, ainda
que diferentes, têm as mesmas funcionalidades”, disse.
A indução do crescimento de determinados microrganismos
possibilitada pelo conhecimento sobre a microbiologia do solo pode facilitar a
nutrição e o crescimento das plantas com recursos naturais da área, uma solução
sustentável.
Andreote destacou no seminário que é preciso
considerar também a ação integrada desses organismos. “[É necessário] buscar
conhecer funções do conjunto deles, não só de forma isolada, enxergar o grupo
microbiano como um tecido que interage com o hospedeiro e encontrar funções
que, quando se olha para cada componente, não são identificadas.”
Nesse sentido, Andreote estuda também consórcios
microbianos envolvidos na degradação do material presente nos resíduos
biológicos agrícolas, especificamente restos da cultura de cana-de-açúcar e de
milho.
Na pesquisa Microbial consortia for biowaste
management: life cycle analysis of novel strategies of bioconversion (Microwaste),
realizada por Andreote em parceria com pesquisadores da Netherlands
Organisation for Scientific Research (NWO), a proposta é identificar os efeitos
da incorporação dos resíduos agrícolas nos processos biogeoquímicos do solo.
“Buscamos entender como funciona a incorporação de
resíduos de cana e milho no solo não pela ação de um organismo em específico,
mas pela atividade conjunta da microbiota. A ideia é identificar grupos que têm
atividades em conjunto e, por essa atuação complementar, aceleram o processo de
incorporação”, explicou.
Biodiversidade
De acordo com Andreote, a diversidade de
microrganismos envolvidos nos processos metabólicos das plantas está
relacionada à biodiversidade do ambiente em que a vegetação está inserida, o
que evidencia ainda mais a importância que se deve ter com a sua preservação.
“A planta seleciona os microrganismos que vão se
associar a ela. Se a biodiversidade do ambiente é alta, a seleção é mais
eficiente. Se essa diversidade é reduzida, aumentam as chances de colonização
por organismos oportunistas, os patógenos, o que explica a maior ocorrência de
doenças em raízes em áreas de monocultura, pois a biodiversidade é restrita”,
disse.
Por isso, acredita o pesquisador, é preciso
encontrar alternativas à tendência corrente de homogeneização dos sistemas. “Se
você troca uma área de vegetação nativa pelo cultivo de cana-de-açúcar, está
homogeneizando o ambiente, ainda que não seja essa a sua intenção, e o levando
a uma restrição, por meio de seleção natural, da biodiversidade que coloniza
aquele ambiente”, explicou, citando a rotação da cultura e o plantio direto
como alternativas para manter a biodiversidade microbiana ativa no solo.
Para Hiroshi Noda, pesquisador do Instituto
Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) contemplado pelo Prêmio Fundação Bunge
na categoria Vida e Obra, algumas lições podem vir dos procedimentos
agroecológicos adotados pelos agricultores tradicionais no manejo das plantas.
“O desafio é aumentar os níveis de sustentabilidade
agrícola face ao processo gradual de deterioração ambiental e desacelerar e
estancar o processo de perda da agrobiodiversidade”, disse no seminário.
Em parceria com a Universidade Federal do Amazonas
(Ufam), o Inpa utiliza estratégias de melhoramento genético e conservação in
situ – que preserva a variabilidade genética das plantas cultivadas nas
propriedades agrícolas em que são manejadas – de espécies hortícolas como
abóbora, cubiu, ariá, feijão-macuco e feijão-de-asa na região amazônica.
Todas as ações de pesquisas levam em conta as
práticas tradicionais locais, como o rodízio de áreas em produção e em pousio –
a interrupção da cultura para um período de descanso. Na capoeira, área
destinada a esse descanso, são introduzidas espécies selvagens em associação
com o arranjo espacial das plantas.
“Essas estratégias tradicionais têm garantido a
autossuficiência alimentar, a sustentabilidade no processo produtivo e a
manutenção dos valores culturais dessas populações humanas”, disse Noda.
O cientista destacou ainda características das formas
de produção tradicionais que favorecem a conservação in situ. “Nas áreas
comunitárias onde ocorre o processo de conservação ou onde as espécies
conservadas são compartilhadas pelas comunidades, com manejo e colheita
comunitárias, há elevado nível de variabilidade genética mantida nos cultivos.”
Os propágulos – sementes e mudas – compartilhados
são incorporados e mantidos pelos agricultores. “Esse compartilhamento dos
recursos da agrobiodiversidade, por meio de uma rede sociocultural, reforça os
mecanismos de manutenção da variabilidade genética e garante a segurança
alimentar nas comunidades”, explicou.
Diálogos
Para Noda, a interação entre pesquisadores e
agricultores vem estabelecendo novos diálogos entre a ciência e o saber
tradicional. “O conhecimento derivado dessa relação tem produzido importantes
subsídios para o entendimento da dinâmica evolutiva na domesticação das
espécies cultivadas.”
O presidente da Fundação Bunge, Jacques Marcovitch,
que coordenou as apresentações do seminário, destacou a importância da
ampliação do diálogo a toda a comunidade científica do setor.
“Essas discussões apresentam, de um lado, a
necessidade de aumento da eficiência e da produção e, de outro, a urgência da
conservação e da proteção do meio ambiente, uma problemática de interesse
global e que demanda o engajamento de todos”, disse.
Para Marcovitch, a premiação de Andreote e Noda
está conectada à realidade da produção agrícola nacional e dos seus desafios.
“Não conseguiremos alcançar nossos objetivos de produção sustentável para uma
população crescente sem uma política agrícola consistente, sem conhecimento e
sensibilidade para os eventos climáticos extremos e sem medidas que assegurem
uma produtividade capaz de ampliar o plantio e a colheita, sempre associada a
iniciativas de mitigação e adaptação recomendadas pela ciência e pelos nossos
laureados”, disse.
O presidente da FAPESP, Celso Lafer, que acompanhou
as palestras, disse que o seminário evidencia a preocupação das entidades em
fazer com que o Prêmio Fundação Bunge não se restrinja às homenagens.
“Nosso objetivo é também oferecer oportunidades de
discussão substanciais sobre os temas, e os pesquisadores premiados contribuem
de forma significativa para o envolvimento da comunidade científica na busca de
soluções sustentáveis para nossa agricultura”, disse.
Mais informações sobre os laureados pela 59ª edição
do Prêmio Fundação Bunge em
www.fundacaobunge.org.br/projetos/premio-fundacao-bunge.
Fonte: Agência Fapesp
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