Cúpula do Clima da ONU: só teatro
ou fatos concretos?
por
Thalif Deen, da IPS
A degradação do solo, a mudança climática, as
fortes chuvas de monção tropical e as pragas são alguns dos problemas que
afetam os agricultores de todo o mundo. Foto: Catherine Wilson/IPS
Nações Unidas, 17/9/2014 – A tão comentada Cúpula
do Clima, que acontecerá no final deste mês, é apresentada como um dos grandes
acontecimentos político-ambientais da Organização das Nações Unidas (ONU) para
2014. Seu secretário-geral, Ban Ki-moon, pediu aos mais de 120 governantes e
empresários que participarão da cúpula de um único dia, 23 de setembro, que
anunciem iniciativas significativas e substanciais, com promessas de fundos
incluídas, “para ajudar o mundo a avançar por um caminho que limite o
aquecimento global”.
Segundo a ONU, a cúpula será a primeira ocasião em
cinco anos em que os líderes do mundo se reunirão para discutir o que se
classifica de desastre ecológico: a mudança climática. Entre as repercussões
negativas do aquecimento global estão a elevação do nível do mar, padrões
climáticos extremos, acidificação dos oceanos, derretimento de geleiras,
extinção de espécies da biodiversidade e ameaças à segurança alimentar mundial,
alerta a organização.
Mas o que se pode esperar realmente da conferência
deste mês, que provavelmente não durará mais do que 12 horas?
“Um acontecimento de um dia não poderá nunca
resolver tudo o que se relaciona com a mudança climática, mas pode ser um ponto
de inflexão para demonstrar renovada vontade política de agir”, opinou Timothy
Gore, diretor de políticas e pesquisa da campanha Crecede Oxfam International.
Alguns líderes políticos aproveitarão a ocasião para fazer isso, mas muitos
“parecem decididos a se manterem afastados dos compromissos transformadores
necessários”, acrescentou.
Segundo Gore, a cúpula foi pensada como uma
plataforma para os novos compromissos de ação em matéria climática, mas existe
o risco real de estes não serem grande coisa. “O enfoque colocado nas
iniciativas voluntárias em lugar dos resultados negociados significa que não há
garantias de que os anúncios que forem feitos na cúpula serão suficientemente
sólidos”, acrescentou.
Espera-se que o Fundo Verde para o Clima mobilize
cerca de US$ 100 bilhões anuais no Sul em desenvolvimento até 2020, segundo a
ONU, mas este ainda não recebeu os fundos que serão entregues aos países em
desenvolvimento para que possam implantar suas ações climáticas.
“No dia 23 de setembro veremos como os líderes
mundiais não estão à altura do que necessitamos para lidar com a perigosa
mudança climática”, apontou à IPS Dipti Bhatnagar, da Amigos da Terra
Internacional e da Justiça Ambiental, de Moçambique. As “promessas” que os
governos e as empresas farão na Cúpula do Clima serão extremamente
insuficientes para abordar a catástrofe climática, ressaltou a ativista.
“A ideia de os governantes assumirem compromissos
voluntários e não vinculantes é um insulto para centenas de milhares de pessoas
que morrem a cada ano pelos impactos da mudança climática”, afirmou Bhatnagar.
“Necessitamos que os países industrializados assumam objetivos de redução de
emissões equitativos, ambiciosos e vinculantes, não um desfile de governantes
que querem causar boa impressão. Mas este desfile falso é só o que vamos ver
nesta cúpula de um dia”, opinou.
No dia 21, dois dias antes da cúpula, centenas de
milhares de pessoas farão uma manifestação contra a mudança climática em
cidades de todo o mundo. “Nesse dia, estaremos nas ruas de Nova York como parte
da maior marcha climática na história, que enviará uma mensagem forte e clara
para que os líderes mundiais ajam agora”, explicou Martin Kaiser, líder do
projeto Política Climática Mundial, do Greenpeace.
Kaiser sugeriu que as empresas devem anunciar datas
concretas a partir das quais operarão com 100% de energia renovável. Além
disso, “os governos devem se comprometer a eliminar gradualmente os
combustíveis fósseis até 2050 e tomar medidas concretas, como acabar com o
financiamento das centrais elétricas movidas a carvão”, destacou. “Também esperamos
que os governos anunciem dinheiro novo e adicional para o Fundo Verde para o
Clima, a fim de ajudar os países vulneráveis a se adaptarem aos desastres
climáticos”, afirmou.
“Precisamos que o Norte industrial entregue fundos
públicos seguros, previsíveis e obrigatórios ao Sul em desenvolvimento por
intermédio do sistema da ONU”, disse Bhatnagar, da Amigos da Terra
Internacional. Os líderes dos países industrializados estão descuidando de sua
responsabilidade para evitar as catástrofes climáticas, impulsionados pelos
estreitos interesses econômicos e financeiros das elites ricas, da indústria
dos combustíveis fósseis e das corporações transnacionais, acrescentou.
“O que se necessita para deter a mudança climática
são objetivos de redução de emissões equitativos, ambiciosos e vinculantes dos
países desenvolvidos, junto com a transferência de fundos e tecnologia aos
países em desenvolvimento. Também precisamos de uma completa transformação de
nossos sistemas de energia e alimentos”, enfatizou Bhatnagar.
Nesse sentido, é preciso maior transparência para
decidir se os anúncios feitos são coerentes com as últimas conclusões
científicas sobre o clima e se protegem os interesses dos mais vulneráveis
diante dos impactos climáticos, detalhou Gore. Com relação ao papel do setor
privado, “precisamos que os empresários combatem a mudança climática, e estão
surgindo bons exemplos de empresas que estão à altura da ocasião”, acrescentou
.
No setor de alimentos e bebidas, por exemplo, a
Oxfam trabalhou com companhias como Kellogg e General Mills para que estas
assumam compromissos de redução das emissões de suas cadeias de fornecimento
agrícola, extremamente contaminantes. “Mas, em geral, essa cúpula mostra que há
muitas partes do setor privado que ainda não estão à altura, já que as
iniciativas que serão apresentadas não cumprem com a transformação que
precisamos”, destacou Gore.
“Isso serve para recordarmos a importância
fundamental que tem a forte liderança governamental na mudança climática. As
iniciativas voluntárias de baixo para cima não são um substituto da ação real
do governo”, afirmou Gore.
Fonte: Envolverde
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