Maioria dos artigos de consumo
vem do desmatamento ilegal.
Washington, Estados Unidos, 15/9/2014 – Pelo
menos metade do desmatamento mundial é ilegal e está vinculado à agricultura
comercial, sobretudo para abastecer os mercados estrangeiros, afirma um novo
estudo. Na última década, a maior parte do desmatamento ilegal de florestas do
mundo se deveu pela demanda estrangeira por artigos básicos como papel, carne
bovina, soja e óleo de palma.
Entretanto, os governos dos principais mercados,
como Estados Unidos, e União Europeia (UE), não tomaram quase nenhuma medida
para desestimular o consumo desses produtos. De fato, seria muito difícil
adotar medidas, já que o uso desses produtos potencialmente “sujos” é
generalizado e cotidiano em muitos países, segundo a análise, divulgada no dia
11 pela Forest Trends, uma organização independente dos Estados Unidos.
“Nos supermercados médios da atualidade, existe o
risco de a maioria dos produtos conter matérias-primas procedentes de terras
desmatadas ilegalmente”, opinou Sam Lawson, autor do informe e diretor da
Earthsighty, uma organização britânica que investiga crimes ambientais.
“É assim para qualquer produto envolto em papel
ou papelão, toda carne bovina, de frango e suína, já que esses animais são
criados à base de soja. E, naturalmente, o óleo de palma está agora em quase
tudo, do batom aos sorvetes”, detalhou Lawson. “Sempre existe esse risco”
porque não há leis que evitem a importação e a venda desses produtos,
acrescentou.
Em geral, 40% do óleo de palma e 14% da carne
bovina comercializados no mundo procedem de terras desmatadas ilegalmente,
afirma o estudo. O mesmo ocorre com 20% da soja e um terço da madeira tropical
utilizada para fabricar produtos de papel. Enquanto isso, exporta-se cerca de
75% da soja brasileira e do óleo de palma indonésio. Essa tendência está
aumentando em Papua Nova Guiné e na República Democrática do Congo.
Estudos anteriores sobre este problema se
limitavam a países, setores ou empresas específicas, mas o novo informe é o
primeiro que extrapola os dados em nível mundial.
“A demanda dos consumidores dos mercados
estrangeiros se traduziu na eliminação ilegal de mais de 200 mil quilômetros
quadrados de florestas tropicais nos primeiros 12 anos do novo milênio”, diz o
informe, segundo o qual isso equivale a, “em média, cinco campos de futebol por
minuto”. Embora grande parte desse desmonte ilegal seja facilitada pela
corrupção e por falta de capacidade do Sul em desenvolvimento, para Lawson a
culpa é dos outros.
“São as empresas que realizam esses atos e as que
têm a responsabilidade, em última instância. Os grandes países consumidores
também devem deixar de permitir o livre acesso aos seus mercados desses
produtos que prejudicam os esforços dos países em desenvolvimento”, apontou
Lawson.
As repercussões da degradação das terras
florestais são locais e mundiais para os meios de vida, os ecossistemas e a
saúde humana. As florestas maduras não contêm apenas grandes quantidades de
carbono, mas também absorvem continuamente dióxido de carbono da atmosfera.
Entre 2000 e 2012, as emissões associadas ao desmatamento ilegal com fins
agrícolas comerciais equivaliam, em cada ano, a um quarto das emissões anuais
de combustíveis fósseis da União Europeia.
O informe foi divulgado enquanto são preparadas
duas grandes cúpulas mundiais sobre o clima. No final deste mês, o
secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, receberá
governantes de todo o mundo em Nova York para discutir o tema, e em dezembro
acontecerá a próxima rodada de negociações sobre o clima mundial no Peru. Este
último encontro é conhecido como a rodada da “floresta”.
Alguns observadores sugerem que a silvicultura
oferece o maior potencial para a redução das emissões mundiais. O crescente
consenso mundial em torno da importância da conservação da cobertura florestal
diante da mudança climática criou importantes gestões internacionais para deter
o corte ilegal.
Porém, Lawson assegura que algumas das empresas
que antes se dedicavam ao corte ilegal de madeiras duras tropicais agora
desmontam as florestas ilegalmente para dar lugar à agricultura de grande
escala. “A maior ameaça para as florestas está mudando gradualmente, e essa ameaça
hoje é a agricultura comercial. O que precisamos agora é repetir alguns dos
esforços realizados em relação ao corte ilegal e aplicá-los aos produtos
básicos agrícolas”, recomendou.
A UE, por exemplo, está para implantar um sistema
bilateral de concessão de licenças que permitiria rastrear a origem da madeira
cortada ilegalmente. Lawson propõe que sejam adotados acordos bilaterais
semelhantes para as principais matérias-primas. Desta maneira, governos e
companhias transnacionais deveriam garantir que os produtos comercializados não
procedem de terras florestais desmatadas ilegalmente. Em essência, o requisito
básico para a entrada nos principais mercados seria a legalidade comprovada das
matérias-primas.
Atualmente, a compra ou não de um produto elaborado
com elementos que possivelmente procedam de terras desmatadas ilegalmente
depende da decisão dos consumidores. Mas esse tipo de acordo modificaria por
completo essa situação. “Toda responsabilidade que recai no consumidor me
desagrada. Não deveria ser tão difícil tomar essas decisões”, pontuou Danielle
Nierenberg, presidente da Food Tank, uma organização com sede em Washington que
trabalha em torno da sustentabilidade e da segurança alimentar.
“O fato é que os consumidores continuam imunes a
essas questões. Apesar do crescimento do movimento por alimentos locais nos
países ocidentais, continua existindo importante demanda por uma diversidade de
produtos de baixo custo. É por isso que a verdadeira ação tem de partir da
parte empresarial e os governos devem adotar um compromisso maior”,
acrescentou.
Os Estados Unidos proíbem o uso de produtos de
madeira de origem ilegal. Seu regime jurídico teve grande eficiência ao excluir
o enorme mercado desse país para a entrada desses produtos. Porém, Washington
não tem interesse político em fazer algo semelhante com relação aos produtos
agrícolas, ressaltou Nierenberg.
“A verdadeira oportunidade para a iniciativa
estatal procede dos países em desenvolvimento”, afirmou Nierenberg. “É preciso
investir mais nos pequenos e médios produtores agrícolas, proteger suas áreas
da apropriação de terras e investir em tecnologias agrícolas simples que
realmente funcionem. É aí onde pode ocorrer a verdadeira mudança”, enfatizou.
Fonte: Envolverde
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