O racionamento de água em São
Paulo é inegável.
por Miguel Martins, da
Carta Capital
O Sistema Cantareira atinge seu pior nível
histórico e a periferia de São Paulo é a mais afetada.
Há cerca de um mês, a dona de casa Gilcélia Matos
toma seu banho diário antes das 6 da tarde. Seu marido não tem a mesma sorte:
chega do serviço à meia-noite e é obrigado a esquentar a água deixada por sua esposa
em um balde de plástico. Assim que o sol começa a se pôr no bairro de Parque
Santa Rita, zona leste de São Paulo, a pressão da água das torneiras diminui
consideravelmente. Ao contrário da maioria de seus vizinhos, Gilcélia não
possui caixa d’água em casa, o que a impede de armazenar o recurso para os
horários críticos.
A família Matos tem sido afetada por uma
estratégia da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo de reduzir a vazão
noturna de água para o atendimento a alguns bairros da capital paulista. A
medida corresponde a cerca de 20% da economia realizada pela Sabesp, que
reduziu a produção de água do Sistema Cantareira, responsável pelo
abastecimento de cerca de 9 milhões de paulistanos, de 31,9 mil litros por
segundo para 19,7 mil litros. Antonio Carlos Zuffo, chefe do Departamento de
Recursos Hídricos da Universidade de Campinas e responsável por um estudo
realizado desde o ano passado em parceria com o Consórcio PCJ, grupo composto
de prefeituras e empresas que fiscalizam os mananciais pertencentes ao
Cantareira, afirma que a medida equivale a um racionamento, embora o governo e
a empresa façam um esforço retórico para rejeitar o termo.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
recebeu até o momento mais de 500 reclamações de paulistanos a respeito de
problemas com abastecimento. No restante do estado, o rodízio de água, com
interrupções que duram de quatro horas a dois dias seguidos, foi adotado por 18
municípios. À parte as agruras atuais, principalmente para os moradores da
periferia, há o temor de um agravamento da situação no próximo ano, devido ao
baixo índice pluviométrico estimado e à utilização do chamado volume morto dos
reservatórios. A reserva de água de 464 bilhões de litros localizada abaixo das
comportas das represas do Cantareira tem sido usada para cobrir o déficit.
Os cinco reservatórios do Cantareira encontram-se
em seu nível histórico mais baixo. O volume total da rede é de 10,7%.
Considera-se nessa conta os 182,5 bilhões de litros d’água que estavam
localizados abaixo da superfície e passaram a ser bombeados a partir de maio.
Como a medida não foi suficiente, a Sabesp foi autorizada em agosto a captar
uma segunda cota do volume morto, de 100 bilhões de litros. O nível do Sistema
Alto Tietê, complementar ao Cantareira no abastecimento da capital, é de 15,2%.
A situação levou a Agência Nacional de Águas a
exigir que a empresa paulista reduza, a partir de 30 de setembro, a quantidade
de água retirada do Cantareira de 19,7 mil litros por segundo para 18,1 mil
litros. Alckmin garante que vai levar a cabo a redução. Mas os números de
captação das águas dos rios que abastecem o Cantareira, divulgados pela
empresa, não se mostram confiáveis.
Em uma apresentação à Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo, em julho deste ano, pesquisadores da Unicamp criticaram a
metodologia de balanço hídrico para o cálculo da vazão de entrada nos
reservatórios. Em abril de 2014, a transferência de águas do Reservatório
Jacareí para o Cachoeira, ambos pertencentes ao Cantareira, apresentavam em
determinado horário do dia uma vazão natural, sem interferência humana, de 930
litros por segundo negativos. Interligadas por gravidade, as represas do
Cantareira não poderiam desafiar as leis da física. Uma vazão natural negativa
corresponderia a afirmar que as águas de um rio inverteram seu curso sem a ação
de um agente externo. A Sabesp preferiu não se posicionar sobre a distorção dos
dados aferidos pela Unicamp.
No ano passado, Zuffo participou de um debate na
Assembleia Legislativa de São Paulo, no qual apontou a falta de um
gerenciamento de risco. Com o desenrolar da crise, o estudo da Unicamp
tornou-se uma das principais fontes para o Ministério Público Federal, que
recomendou ao governo de São Paulo implantar o racionamento imediato em julho
deste ano. O levantamento completo da Unicamp deve ser divulgado ao público na
segunda metade de setembro.
Em 2004, quando foi renovada a outorga do Sistema
Cantareira à Sabesp, a baixa oferta de água na cidade foi tema de debate. Uma
portaria do Departamento de Águas e Energia Elétrica sugeria buscar outras
opções de abastecimento em regiões como o Vale da Ribeira, no sul do estado.
Desde os anos 1960, há um projeto para a construção de sete reservatórios na
região. Francisco Lahoz (foto), secretário-executivo do
Consórcio PCJ, lamenta que a proposta não tenha avançado. “Mesmo se fossem
construídos apenas três reservatórios, seria possível aumentar a captação em
até 35 mil litros por segundo. Seria um novo Cantareira”, diz. “Fala-se em
falta de planejamento, mas o problema é a falta de execução daquilo que foi
planejado.”
Lahoz entende que o governo estadual foi muito
mal assessorado em relação ao tema. “Quando Alckmin afirmou na imprensa que o
racionamento estava fora de cogitação, a Sabesp passou a ter um comportamento
de negligenciar a técnica e passar a fazer promessa política.” Em ano
eleitoral, os moradores de Parque Santa Rita aguardam uma passagem de Alckmin
pela região para cobrá-lo.
“Daqui a pouco o Geraldo vem aí para a fazer
campanha. Quando eu encontrar com ele, vou reclamar”, diz a lojista Maria do
Socorro, presidente do Clube de Mães do Parque Santa Rita e amiga de Gilcélia.
Fonte: Carta
Capital
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