PA: índios Munduruku do alto e
médio Tapajós vão definir formato e prazos de consulta sobre usina.
Em reunião na aldeia Praia do Mangue, índios
iniciaram o diálogo com o Governo Federal para o processo de consulta e querem
fazer capacitação sobre a Convenção 169.
Os índios munduruku do alto e médio Tapajós se
reuniram com representantes do governo federal nos dias 2 e 3 de setembro para
tratar, entre outros temas, da consulta prévia, livre e informada sobre a usina
de São Luiz do Tapajós. A consulta é uma obrigação prevista na Convenção 169 e
não foi realizada para nenhuma obra de usina na Amazônia.
No caso de São Luiz do Tapajós, decisões em todas
as instâncias do judiciário confirmaram que a consulta tem que ser realizada.
Na reunião da semana passada, o governo apresentou uma proposta de consulta e
as sociedades tradicionais impactadas – não só índios como população ribeirinha
– devem apresentar suas contrapropostas para que a consulta seja adequada aos
costumes dos povos consultados, como ordena a Convenção.
O procurador da República Camões Boaventura, do
Ministério Público Federal (MPF) em Santarém, que acompanha a ação judicial que
trata dessa consulta prévia, participou da reunião, que teve a presença de
integrantes da Advocacia-Geral da União, Ministério do Planejamento, Secretaria
Geral da Presidência da República, Fundação Nacional do Índio, Ministério da
Justiça e Ministério de Minas e Energia. Tomando como base a definição de
consulta pela Convenção 169 – um processo, não um ato – a reunião marcou o
primeiro momento de um diálogo que deve se estender por vários meses. Ficou
acordado que a consulta só poderá ter início de fato depois de uma capacitação
dos índios sobre o tema.
O processo de capacitação será feito junto com o
MPF ainda em setembro. Após a formação, os índios pediram tempo para percorrer
as 118 aldeias do povo munduruku ao longo do Tapajós para discutir a forma como
será realizada a consulta. Eles argumentaram com o governo que trata-se de um
tema extremamente complexo e novo para eles, além de ser um momento de decisões
determinantes para o futuro do povo indígena.
Na reunião, os representantes do governo federal
chegaram a apresentar um planejamento de consulta e um cronograma, tentando
pressionar os índios para apressar o processo e adequá-lo ao cronograma feito
em Brasília para a usina. Os munduruku responderam com firmeza, dizendo
considerar a consulta como uma conquista deles e afirmando que já não está
sendo cumprida a Convenção 169, por não ser prévia. Para os índios, qualquer
consulta sobre usina hidrelétrica deveria ser feita antes da resolução do
Conselho Nacional de Política Energética que determina o local do barramento.
“Essa consulta já não está sendo prévia, vocês querem pressionar para que ela
não seja livre?”, questionaram.
Eles questionaram o planejamento apresentado pelo
governo, que não previa sequer reuniões internas entre os índios para debater
as propostas e impactos da usina. O procurador da República Camões Boaventura
assinalou que o momento da consulta não deve ser utilizado para tratar de
medidas compensatórias da usina. “A consulta é um dos momento de aferir a
viabilidade social, econômica e ambiental do empreendimento. Em outras
palavras, a realização da consulta deve ajudar no processo de tomada de decisão
acerca da concretização ou não do empreendimento”, disse.
“Se a decisão de realizar a obra já estiver
tomada perde sentido a realização da consulta, e isso fere o espírito da
Constituição de 1988, da Convenção 169 da OIT e da legislação ambiental, que
prevê um procedimento licenciatório que deverá ser compreendido a partir de
critérios técnicos. A agenda de demarcação, saúde e educação que o governo traz
no bojo das discussões sobre a usina independe totalmente dela, é direito das
populações com ou sem barragem. Substituir direitos constitucionalmente
assegurados por favores vicia todo o processo de diálogo, que deve ser de
boa-fé”, afirmou
Outro problema evidenciado na pressão do governo
por cumprir prazos para a consulta é a dinâmica da vida no Tapajós. Os
representantes do governo insistiram em agendar o início do processo para
meados de outubro. Os índios explicaram que outubro é o mês da roça e se eles
ficarem presos em reuniões não poderão produzir alimentos. Boaventura
questionou os prazos trazidos pelos representantes do governo: “essas metas
foram definidas desconsiderando totalmente a vontade e a dinâmica da vida dos
indígenas a serem consultados, o que viola objetivamente a Convenção 169”.
“Não
é correto supor que uma investida dessa magnitude do poder público que tem real
potencial de impactar severa e definitivamente os destinos de inúmeras
comunidades tradicionais da Amazônia seja compreendida e avaliada em uma agenda
tão apertada de um suposto diálogo. Aliás, é preciso indagar: as metas de
produção de energia foram pensadas por quem e em prol de quem?”, perguntou.
Comunidades tradicionais e ribeirinhas que também
são fortemente impactadas pelo projeto de São Luiz do Tapajós, de acordo com o
governo, não serão consultadas. O MPF avisou que isso descumpre as decisões
judiciais do processo sobre a usina, que reconheceu o direito de todas as
comunidades, tanto ribeirinhas quanto indígenas. “Ribeirinhos e agroextrativistas
são tão sujeitos de direitos da Convenção 169 quanto os indígenas e devem ter
direito a uma consulta apropriada também. Afirmar o contrário é mais uma vez
incidir num discurso hegemônico, em que os diferentes modos de viver e se
relacionar com a floresta são desconsiderados”, disse o procurador Camões.
De acordo com o calendário estabelecido na
reunião, pelo menos até o dia 5 de novembro ocorrerão debates internos entre os
índios sobre o processo de consulta. Só depois disso, o governo deverá ser
chamado para planejar a consulta.
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