O maior município do Brasil é
também o que mais desmata na Amazônia.
Análise espacial mostra degradação ambiental em
Altamira, recordista de desmatamento na Amazônia. Entenda quem está condenando
Altamira a liderar o ranking dos que mais desmatam em toda a história do bioma.
Em novembro de 2013, informações do Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) colocaram Altamira (PA) na cabeça da
lista dos maiores desmatadores do país: quase 300 km² de floresta desmatados no
ano. A esperança de melhoria em 2014 acabou de virar fumaça com os dados
publicados recentemente dos sistemas de alerta do Imazon (SAD) e do Inpe
(Deter). Para desespero dos gestores locais, o cenário é de aumento da
devastação no município este ano.
O corajoso viajante que decida ir da cidade de
Altamira até a sede do distrito de Castelo dos Sonhos, no mesmo município, terá
que enfrentar quase 1000 quilómetros de estradas em péssimo estado,
atravessando boa parte do Pará pela Transamazônica e pela Cuiabá-Santarém
(BR-163). Depois de dois dias de viagem e muita poeira (ou lama, dependendo da
época), o nosso viajante terá avistado centenas de caminhões carregados de
madeira, gado e soja e chegará ao seu destino final, uma pequena cidade fundada
por imigrantes do sul há mais de 30 anos e atualmente sob a esfera econômica de
sua poderosa vizinha, Novo Progresso, mas ligada administrativamente a
Altamira. A ocupação intensiva, de fato, se deu, nos últimos dez anos.
A história da região de Novo Progresso e Castelo
dos Sonhos é uma soma de histórias individuais de ocupação e avanço sobre as
florestas, diante da total ausência do Estado. Castelo dos Sonhos mais
especialmente teve como origem um garimpo de mesmo nome, que ficou célebre por
conta de seu dono. Reza a lenda que Rambo, como era chamado, teria desafiado as
forças policiais durante anos e teria sido morto em embate com a Polícia
Militar do Pará.
O asfaltamento anunciado
O anúncio do asfaltamento da BR-163 (que liga
Cuiabá no Mato Grosso a Santarém no Pará), em 2002, entusiasmou os moradores
locais, pois tiraria a região do atraso e do isolamento, mesmo que a motivação
principal da obra fosse a viabilização do corredor logístico Mato Grosso-Pará e
a consequente redução dos custos na exportação de commodities agrícolas
(basicamente soja). Frente às vozes que alertaram sobre o risco de aumento do
desmatamento nas florestas da região, ainda bem preservada, o governo
idealizou, em 2006, o plano BR-163 Sustentável, que continha uma série de
medidas para possibilitar que ‘o império da lei chegasse ao coração do Pará’.
Pois bem, o asfaltamento só decolou no ano passado
e o plano BR-163 Sustentável não teve avanços significativos especialmente no
que se refere à regularização fundiária. Mesmo assim vale ressaltar que durante
a gestão de Marina Silva à frente do Ministério do Meio Ambiente (2002-2009)
várias Unidades de Conservação (UCs) foram criadas. Parte das UCs da Terra do
Meio entraram nessa conta. Apesar disso, a ausência do Estado continuou e
favoreceu assim a grilagem e as ocupações ilegais.
Hoje, com o asfaltamento em fase de conclusão, milhares de caminhões carregados com soja transitam diariamente pela parte paraense da BR-163, atravessando territórios sem ordenamento fundiário, glebas federais sem destinação nem gerenciamento e assentamentos da reforma agrária deixados ao abandono.
Piora começou em 2011
O caos fundiário e o súbito enriquecimento de
grupos locais devido à chegada do asfalto foram os ingredientes principais
desse quadro desolador que será analisado a seguir e cujos efeitos se traduzem
no maior surto de desmatamento da história da Amazônia.
No gráfico a seguir é possível constatar o momento
em que o desmatamento no entorno da BR-163 dispara: é a partir de 2011 que a
quantidade de floresta removida no distrito de Castelo dos Sonhos, de tamanho
comparativamente pequeno, aumenta, para em 2012 superar a área desmatada no
resto do município.
Para estudar o que aconteceu do ano passado para
cá, é preciso analisar os focos de calor e os alertas de desmatamento naquela
área. No gráfico abaixo pode-se observar a progressão de focos de incêndio,
indicativos das atividades de desmatamento, de 2013 a 2014, na região estudada.
Fica evidente a explosão em 2014, de focos de calor na região da BR-163 (Novo
Progresso e distritos de Altamira).
Os mapas a seguir mostram a localização dos focos
de calor no mês de agosto que registra maior incidência de queimadas em 2013 e
em 2014.
Além dos focos de calor, o ISA analisou a
incidência de alertas de desmatamento na região e inferiu o total de desmatamento
previsto para 2014.
Os mapas e gráficos mostram a destruição provocada
pelo desmatamento sistemático e ano a ano de regiões inteiras de florestas, em
um processo de varredura aparentemente incomparável.
A partir desta análise, fica evidente que é da
região da BR-163 que partem as maiores ameaças ao território altamirense, e,
por extensão, às florestas preservadas do oeste do Pará. A abundância de terras
não destinadas e não ocupadas em territórios afastados dos eixos principais de
transporte atua como um ímã para as máfias do desmatamento.
A operação Castanheira
Depois de meses de trabalho de inteligência a
Polícia Federal, a mando do MPF e junto com o Ibama e a Receita Federal,
deflagrou em 27 de agosto, a chamada ‘Operação Castanheira’, para desarticular
os grupos que têm promovido grande parte do desmatamento na região por meio de
um esquema de grilagem e venda de terras. O surto de desmatamento na região de
Castelo dos Sonhos teria sido consequência direta da atuação desses grupos, que
grilavam, desmatavam e vendiam grandes fragmentos de floresta, auferindo
enormes lucros nesse esquema criminoso. As ações de fiscalização ordinárias
(multa e embargo) não teriam sido efetivas, conforme revelado pelos próprios
infratores, que declaram que as multas ou embargos não afetam o preço da terra
desmatada.
Diante desse quadro desolador, a sociedade
brasileira deve cobrar a efetividade das medidas a serem tomadas, daqui em
diante para evitar que as terras assim devastadas possam de alguma maneira
beneficiar os autores da destruição. Um sistema de embargo, por exemplo,
poderia ser atrelado à localização espacial da destruição e não ao CPF do
ocupante da terra, normalmente um ”laranja” ou vítima de engano. Se medidas
como essas forem tomadas é possível que em 2015 haja uma diminuição
significativa do desmatamento na região da BR-163, e, por extensão, no
município de Altamira.
Saiba mais
Fonte: Instituto Socioambiental
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