Arqueólogos se posicionam contra
licenciamento de barragens nos rios Tapajós e Teles Pires.
Posicionamento da Sociedade Brasileira de
Arqueologia cobra a consulta livre, prévia e informada aos povos indígenas, de
acordo com a Convenção 169 da OIT.
A participação de cientistas em processos de
construção de barragens na Amazônia é uma grande polêmica aberta. Os processos
de licenciamento feitos pelo governo têm sido atropelados, e algumas empresas
de “pesquisas” costumam distribuir laudos para temas que não são de sua
especialidade. No rio Tapajós, cientistas que invadiram territórios indígenas
para realizar levantamentos, contra a vontade das populações locais e sem
consulta prévia, tiveram que ser escoltados pelo Exército e a Força Nacional.
Ou seja: a força bruta do Estado está sendo utilizada por cientistas, como um
antigo modelo colonial, para impor às populações locais formas de extração de
recursos que impactem diretamente seus territórios e suas vidas. Como diz o
cacique Juarez, nesse vídeo: “eles não são pesquisadores, são exploradores de
terra”.
Barrar um rio que serve de transporte e produção
de alimentos, destruir uma cachoeira sagrada, não serão pequenas mudanças na
vida dos Munduruku, por exemplo. No mínimo, essa ação violenta do governo já
produz pesadelos, como me relatou uma vez o cacique Kubatiapã (leia aqui):
“Estávamos andando, um bocado de pessoas.
Pintados. Com arco e flecha nas costas, na direção do poente. Num momento vem
um avião, passando pertinho. E de uma estrada, para um carro, e eles começam a
atirar. O avião metralha. Eu estava com a arma, o arco na mão, que virou uma
espingarda 22. O jato começou a atirar contra o povo, na direção dos mais
fracos. Gritei para todo mundo entrar no mato. Era como pingo d’água caindo do
céu. Eram projéteis, balas. Nos escondemos e fomos para essa cachoeira sagrada.
Lá é um lugar protegido. Ali está a história”, diz. “Se acontecer a
hidrelétrica, o rio Tapajós tem história indígena. Vão acabar com o rio. Vão
acabar.”
Frente ao recente anúncio por Maurício Tolmasquin
de que o leilão da UHE São Luiz do Tapajós deverá ser realizado ainda este ano,
e considerando que a consulta livre, prévia e informada (conforme estipula a
Convenção 169 da OIT da qual o Brasil é signatário) ainda não foi iniciada, a
Regional Norte da Sociedade de Arqueologia Brasileira se manifestou durante sua
última Assembleia, na cidade de Macapá, em 27 de agosto de 2014. A moção,
reproduzida abaixo, faz um apelo aos colegas de profissão para não participarem
do licenciamento ambiental enquanto a situação, questionada pelo MPF, perdurar.
A moção ainda manifesta preocupação com as mudanças esperadas no processo de
licenciamento ambiental que deverão flexibilizá-lo, já que o patrimônio
arqueológico e imaterial da bacia do Tapajós ainda é pouco conhecido e corre o
risco de perder sua proteção.
Abaixo a nota da Sociedade Brasileira de
Arqueologia:
Solidariedade com os povos da bacia do
Tapajós
Nota de posicionamento Aprovada na
Assembleia da Sociedade de Arqueologia Brasileira – Núcleo Regional Norte
Macapá, 27 de agosto de 2014.
O processo de estudo de impacto ambiental e de
construção de uma série de barragens relacionadas ao Complexo Teles Pires e
Tapajós vem ocorrendo em flagrante desrespeito aos direitos dos povos da
floresta quem vivem na região. A argumentação de que o impacto das barragens
será pequeno devido a um pretenso vazio demográfico não se sustenta, ainda mais
quando considerarmos a longa ocupação humana da bacia evidenciada pelo registro
arqueológico da região.
Dessa forma, vemos com grave preocupação o
envolvimento de nós arqueólogos em um processo que já contou com a presença da
Força Nacional de Segurança para assegurar o prosseguimento de pesquisas,
invadindo territórios indígenas e tradicionais, constrangendo comunidades.
Portanto, conclamamos aos colegas de profissão a
não participarem de atividades relacionadas ao licenciamento ambiental das
barragens da bacia do Tapajós enquanto este processo seguir em um contexto de
violações dos direitos das comunidades afetadas, que ainda não foram
consultados segundo estipula a Convenção 169 da OIT. Fazemos um apelo para que
tais atividades somente sejam retomadas uma vez que ocorrer a consulta livre,
prévia e informada, reconhecida como tal pelo Ministério Público Federal.
Ademais, expressamos nossa profunda preocupação
com a possível flexibilização anunciada do licenciamento ambiental. A região
onde se planeja construir os barramentos na bacia do Tapajós ainda é pouco
estudada; arriscamos lançar mão de um patrimônio arqueológico que sequer
conhecemos se essas mudanças enfraquecerem a sua proteção.
SAB – Sociedade de Arqueologia Brasileira
* Felipe Milanez
é pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Felipe
Milanez escreve sobre meio ambiente, conflitos sociais e questões indígenas. É
também pesquisador visitante na Universidade de Manchester e integra o European
Network of Political Ecology (Entitle). Twitter: @felipedjeguaka
Fonte: Carta
Capital
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