Água, assunto decisivo na nova
agenda de desenvolvimento.
por
Amantha Perera, da IPS
Um menino cingalês se banha em um rio contaminado.
A Ásia meridional, onde vivem 1,7 bilhão de pessoas, 75% delas em zonas rurais,
é uma das mais vulneráveis às crises hídricas. Foto: Amantha Perera/IPS.
Estocolmo, Suécia, 26/9/2014 – Um presente da
natureza ou um bem estimado? Um direito humano ou luxo para uns poucos? Quem
será o principal consumidor, o setor agrícola ou o industrial? Qualquer que
seja a resposta a estas e muitas outras perguntas, é claro que a água será um
assunto decisivo na próxima década. Algumas estimativas indicam que cerca de
768 milhões de pessoas não têm acesso a esse recurso, e outras que 3,5 bilhões
carecem de uma fonte adequada de água.
Quando várias agências da Organização das Nações
Unidas (ONU), junto com seus 193 Estados membros, discutem novas metas que
substituam os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que vencem no
final de 2015, a necessidade de incluir a água na agenda se faz cada vez mais
urgente. Segundo o último Informe Mundial sobre o Desenvolvimento dos Recursos
Hídricos (WWAP), “a demanda mundial de água chegará a 55% em 2050,
principalmente pela maior demanda da indústria (400%), da geração termossolar
de eletricidade (140%), e do uso doméstico (130%).
Além disso, um aumento sustentado da urbanização
provavelmente derive em um “planeta de cidades”, em que 40% da população
mundial resida em áreas com grave estresse hídrico até 2050. As reservas de
água subterrânea diminuem. Cerca de 20% dos aquíferos do mundo estão
superexplorados, e a degradação dos mangues afeta a capacidade dos ecossistemas
de purificá-los.
O informe WWAP também indica que a crescente
demanda de energia, que aumentará em um terço até 2030, exercerá maior pressão
sobre os limitados recursos hídricos. Só a demanda por eletricidade poderia
aumentar até 70% até 2035. Somente China e Índia concentrarão 50% do
crescimento. Nesse contexto, vários especialistas disseram à IPS que a gestão
desse recurso ocupará um lugar destacado nos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS), atualmente em discussão, com a esperança de evitar crises
causadas por uma severa escassez.
“Estamos discutindo os objetivos e a maioria dos
Estados membros concorda que a água exige melhor coordenação e gestão”, revelou
à IPS Amina Mohammed, assessora especial do secretário-geral da ONU, Ban
Ki-moon, para o planejamento da agenda pós-2015, durante a Semana Mundial da
Água, que terminou no dia 5 deste mês.
Outros especialistas ressaltaram que no passado a
gestão da água ficou fora das decisões de alto nível, apesar de ser uma parte
integral de qualquer processo de desenvolvimento. “Nos próximos anos, o consumo
de água aumentará 30% e a escassez aumentará. Teremos grandes desafios pela frente”,
afirmou Torgny Holmgren, diretor-executivo do Instituto Internacional da Água
de Estocolmo (Siwi).
A forma como o mundo usa a água muda drasticamente,
disse Holmgren à IPS. Tradicionalmente, a agricultura é a maior devoradora de
água doce, mas no futuro próximo a indústria tomará seu lugar. “Aproximadamente
25% da água será consumida pelo setor energético”, acrescentou.
Para muitas nações, especialmente no mundo em
desenvolvimento, o debate água versus energia entrará em um círculo
vicioso, pois mais pessoas sairão da pobreza e se incorporarão à classe média
com capacidade de gasto, sua demanda por energia crescerá, aumentando a pressão
sobre os limitados recursos hídricos.
Kandeh Yumkella, representante especial do
secretário-geral e encarregada da iniciativa Energia Sustentável para Todos
(SE4ALL), disse à IPS que, até 2050, três bilhões de pessoas sairão da pobreza
e 60% da população mundial residirá nas cidades. “Todo mundo pede mais de tudo,
mais casas, mais automóveis e mais água. E falamos de um mundo em que se prevê
que as temperaturas aumentarão entre dois e três graus centígrados, talvez
mais”, ressaltou.
A Ásia meridional, onde vivem 1,7 bilhão de
pessoas, das quais 75% vivem em zonas rurais, é uma das regiões mais
vulneráveis à escassez de água e requer medidas urgentes dos governantes e de
outros atores. O Sri Lanka, por exemplo, devido à variabilidade climática,
perdeu grandes possibilidades de crescimento devido à má gestão da água.
Na última década as inundações prejudicaram nove
milhões de pessoas, pouco menos da metade dos cerca de 20 milhões que vivem
nesse país insular. Os danos causados pelo excesso de chuvas chegaram a US$ 1
bilhão, segundo os últimos dados do Escritório de Coordenação de Assuntos
Humanitários (Ocha).
Ironicamente, a ilha sofre constante falta de água.
Atualmente, uma seca que já dura dez meses afeta 15 dos 25 distritos do Sri
Lanka, onde vivem 1,5 milhão de pessoas. Também se prevê redução na colheita de
arroz em 17%, levando sua produção ao nível mais baixo em seis anos. Tudo isso
enquanto o país tenta manter o crescimento econômico em 7%, segundo vários
analistas.
Diversas autoridades declararam que trabalham na
gestão hídrica, mas para os que defendem iniciativas rápidas, como Mohammed e
Yumkella, as promessas devem se traduzir em ações. A situação é igualmente
difícil para China e Índia. Da população indiana, 53% sofre escassez de água,
segundo o informe Choque de Necessidades Encontradas, realizado pela CNA
Analysis and Solutions, com sede em Washington.
As necessidades de energia na Índia dispararam e,
segundo uma pesquisa de 2012, a brecha entre demanda e fornecimento foi de
10,2%, e a previsão é de aumento. A última vez que o país enfrentou uma severa
crise energética, em julho desse ano, 600 milhões de pessoas ficaram sem
eletricidade.
Segundo a organização sem fins lucrativos China
Water Risk, as necessidades energéticas do país crescerão 100% até 2050, mas
cerca de 60% dos recursos hídricos subterrâneos já estão contaminados. A China
tem uma forte dependência do carvão para gerar energia, mas a demanda crescente
reforçará o estresse considerável nos recursos hídricos em um país onde pelo
menos 50% da população pode estar sofrendo escassez de água, segundo Debra Tan,
diretora dessa entidade.
Fonte: ENVOLVERDE
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