MPF/MT e PF investigam
interferência de ruralistas na tramitação da PEC 215.
Diálogo interceptado com autorização
judicial revelou a interferência indevida de ruralistas na tramitação do
Proposta de Emenda à Constituição 215, que inclui dentre as competências
exclusivas do Congresso Nacional a aprovação de demarcação das terras
tradicionalmente ocupadas pelos índios.
Conversa telefônica legalmente interceptada
revela que o líder ruralista Sebastião Ferreira Prado planejava o pagamento de
R$ 30 mil a advogado ligado à Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que
seria o responsável pelo relatório da PEC 215, na Comissão Especial que aprecia
a matéria na Câmara dos Deputados. No diálogo interceptado, Sebastião afirma
que “o cara que é relator, o deputado federal que é o relator da PEC 215,
quem tá fazendo pra ele a relatoria é o Rudy, advogado da CNA, que é amigo e
companheiro nosso”.
O diálogo que revelou a interferência indevida de
ruralistas na tramitação do Projeto de Emenda Constitucional 215 (PEC 215) foi
interceptado, com autorização judicial, durante as investigações da organização
criminosa envolvida com as reiteradas invasões à Terra Indígena Marãiwatsédé,
da etnia Xavante, no nordeste de Mato Grosso.
Preso – Sebastião Prado, líder da Associação de
Produtores Rurais de Suiá-Missu (Aprossum), está preso desde o dia 7 de agosto
quando o Ministério Público Federal e a Polícia Federal deflagraram a operação
para desarticular a atuação do grupo que coordenava e aliciava pessoas para
resistirem à desocupação do território indígena. O grupo recebia recursos de
apoiadores de outros Estados para financiar suas atividades, inviabilizando a
efetiva ocupação do território pelos índios.
A influência do movimento de resistência
extrapolava os limites de Mato Grosso e influenciava, também, conflitos na
Bahia, Paraná, Maranhão e Mato Grosso do Sul.
Inicialmente, Sebastião Prado foi preso
temporariamente, mas em requerimento apresentado à Justiça Federal no dia 11 de
agosto, o MPF sustentou que a manutenção da prisão de Sebastião Prado tutela o
“direito fundamental a um ordenamento jurídico constitucional estabelecido de
modo legítimo, livre de interferências indevidas, segundo os princípios
democráticos e republicanos que devem fundamentar a conformação ética, política
e jurídica da sociedade brasileira”. O MPF acrescentou que o fato de a conduta
da liderança ruralista direcionar-se a corromper a edição de ato normativo
destinado a transformar a própria ordem constitucional é circunstância
sobremaneira gravosa, a exigir do Poder Judiciário medida capaz de obstar tal
situação, ameaçadora do próprio estado de direito e da ordem republicana e
democrática.
Ao apreciar o requerimento do MPF, a Justiça
Federal entendeu que o lobby no âmbito do Congresso Nacional é um aspecto
inerente ao próprio processo político, sendo que, a princípio, nada há de mais
em se tentar influenciar o relator da PEC 215. Todavia, o juiz afirma que “o
problema reside exatamente no meio utilizado para se efetuar o lobby, no caso
mediante pagamento ao advogado (ou assessor) responsável pela elaboração do
parecer, envolvendo inclusive a Confederação Nacional da Agricultura – CNA”.
Acrescentou o magistrado federal que “o fato de o
relatório da PEC 215/2000 ter sido, supostamente, ‘terceirizado’ para a
Confederação Nacional da Agricultura (CNA), representa, a princípio, um
desvirtuamento da conduta do parlamentar responsável pela elaboração da PEC,
eis que a CNA é parte política diretamente interessada no resultado da
mencionada PEC”.
Ao final da decisão que decretou a prisão
preventiva de Sebastião Prado, a Justiça Federal ressaltou que “o objeto da PEC
é exatamente poder rever a demarcação de terras indígenas já consumadas como é
o caso de Marãiwatsédé, o que justifica a atitude do investigado e demais
pessoas, ao tentarem a todo custo – segundo informações do MPF –, permanecer na
área da reserva indígena, em total afronta a decisão judicial, transitada em
julgado, na mais alta Corte deste País, no caso o Supremo Tribunal Federal”.
Diversas diligências investigatórias ainda estão
em curso, sendo que os documentos relacionados à possível participação de
parlamentares federais no caso foram remetidos à Procuradoria Geral da
República para que sejam adotadas as medidas cabíveis.
PEC 215 – A proposta de emenda à Constituição nº
215 inclui dentre as competências exclusivas do Congresso Nacional a aprovação
de demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e a ratificação
das demarcações já homologadas. Além disso, estabelece critérios e
procedimentos de demarcação a serem regulamentados por lei.
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