Campanha do ‘Plebiscito Popular
pela Constituinte Exclusiva’ ganha as ruas.
Constituinte exclusiva para reforma
política ganha as ruas.
ABr
As ruas pediram, Dilma tentou, mas são os
movimentos sociais que encampam a bandeira da uma mudança estrutural na
política brasileira
Por Bruno Pavan, do Brasil de Fato
A série de protestos que foram chamados de
“Jornadas de junho” em 2013 ainda é motivo para dezenas de análises. O que
começou com um questionamento do transporte público nas capitais, passou por
uma solidariedade às vítimas de violência policial e desaguou numa crise de
representatividade dos que estavam nas ruas contra os partidos políticos.
As placas de “não me representam” tomaram conta
das ruas por todo o Brasil chegando, inclusive, a fazer a presidenta Dilma
Rousseff chamar uma rede nacional para se posicionar e procurar dar resposta
às ruas. Em um dos cinco pontos levantados, a presidenta anunciou a convocação
da criação de um plebiscito popular para uma Constituinte exclusiva do sistema
político.
Resumindo, o governo faria uma consulta em que
questionaria a população de seu desejo de eleger um Congresso exclusivamente
para traçar um novo sistema político no Brasil. Horas depois, deputados,
ministros e até o vice-presidente da República jogavam água fria na ideia da
presidenta.
Acontece que a sociedade aproveitou o espaço aberto
na discussão para botar seu bloco na rua. Cerca de 400 entidades entre
movimentos, organizações, partidos e sindicatos lançaram a campanha do
“Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva”, que está mobilizando todo o
país.
O Plebiscito pela Constituinte Exclusiva vai às
ruas fazer a coleta de votos em todo o Brasil na chamada “Semana da pátria”, a
partir de 1º de setembro e termina dia 7, dia da Independência. As urnas
coletarão os votos com a resposta à pergunta: “Você é a favor de uma
constituinte exclusiva e soberana para o sistema política?”. Sem a pretensão
de se tornar alguma lei de fato, os 10 milhões de “sim” que a campanha
pretende captar quer pressionar o Congresso Nacional e os políticos para a
vontade da população de mudanças estruturais.
“Um Plebiscito Popular não tem valor legal, mas
tem força política. A atual Constituição diz que somente o Congresso Nacional,
com deputados e senadores, podem aprovar um Plebiscito Legal. Claro que jamais
farão isso sem pressão popular”, afirma o advogado Ricardo Gebrim, da Consulta
Popular. Segundo ele, a maioria dos parlamentares não quer acabar com as
regras privilegiadas que os elegeram.
Para Gebrim, os plebiscitos populares geram
conquistas também. “Em 2002, quando queriam que o Brasil assinasse um acordo
horrível com os Estados Unidos e o então presidente Fernando Henrique queria
ceder o Território de Alcântara no Maranhão para virar uma base militar
norte-americana, 10 milhões de brasileiros foram às urnas do Plebiscito Popular
e tiveram força social para mudar essas propostas”, explicou.
O cientista político e professor da USP Andre
Singer vê com bons olhos a iniciativa dos movimentos pautar a agenda da
reforma política no Brasil e considera importante a pressão da sociedade para
que aconteçam mudanças estruturais na democracia.
“Esse movimento é uma das novidades mais
interessantes desse último período no país, pois ele aponta na direção de uma
transformação necessária e positiva. A democracia está sempre em movimento,
não é uma obra acabada, ela pode sofrer pressões para ser colonizada pelo
capital, mas também pode ser reapropriada pela própria população. Acredito
que o movimento vai nessa segunda direção”, elogiou.
A falta de representatividade
O desinteresse na política é o que mais preocupa
tanto ativistas quanto cientistas políticos. O poeta e membro do coletivo
Perifatividade Ruivo Lopes alerta que a representatividade de sociedade civil
na política ainda é muito nebulosa e acaba afastando boas parcelas dos
cidadãos, como a juventude.
“A política nacional hoje não é atraente para a
juventude que não se vê representada por esse processo viciado. Ela está
pedindo protagonismo, mas sem a necessidade de assumir vínculos com a política
tradicional. Ela quer criar seus próprios processos políticos nas ruas,
coletivos e movimentos e a entrada em cena dessa juventude é urgente”, frisou.
O fenômeno do desinteresse na política, de acordo
com Andre Singer, não ocorre somente no Brasil. Ele considera também vital um
processo de democratização da democracia para que essa tendência se reverta.
“A sociedade tem que tentar se mexer para encontrar
um modelo que faça esse movimento de democratizar a democracia. No contrário,
vai acontecer aquilo que muitos estudiosos já observam em diversos países do
mundo, em que há um esvaziamento da democracia, uma percepção por parte dos
eleitores que a política não tem nada a ver com ele, é uma instância que
funciona descolada das aspirações da própria sociedade e com isso você acaba
por esvaziar o próprio sentido da democracia”, explicou
O financiamento público de campanha
As campanhas no Brasil ficam mais caras a cada
eleição. Em 2014, de acordo com as informações cedidas pelas campanhas dos
candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os gastos podem chegar perto
de R$ 1 bilhão somente no primeiro turno e ultrapassar essa marca no segundo.
Também segundo a primeira rodada de contas
prestadas ao TSE, somente três empresas: AMBEV, JBS e OAS doaram 65% de todo o
dinheiro para as campanhas presidenciais. A campanha de reeleição de Dilma
Rousseff declarou que toda a receita da primeira rodada foi oriunda de doações
de empresas.
Andre Singer critica o modelo atual de
financiamento, pois, na sua visão, ele desequilibra a democracia para o lado
do dinheiro e das grandes empresas. “Nessa realidade de eleições cada vez mais
caras e sendo sustentadas pelas empresas, você entra numa condição em que o
capital tem muita influência no processo democrático e o cidadão acaba tendo
cada vez menos”, analisou.
A proibição da doação de pessoas jurídicas para
campanhas eleitorais foi alvo de uma ADIN (Ação Direta Institucional) da Ordem
dos Advogados do Brasil, que está parada no Supremo Tribunal Federal. Dos 11
ministros da casa, seis já haviam se posicionado a favor da proibição quando
Gilmar Mendes pediu vistas do processo e ainda não o devolveu ao plenário.
O professor é a favor do financiamento
exclusivamente de pessoas físicas e de um limite de gastos baixo para as campanhas,
excluindo toda a “parafernália cinematográfica” e focando mais em programas
simples centrados nas propostas.
Dificuldades
Alguns analistas criticam a alternativa de
proibição do financiamento privado de campanha com o argumento de que ao invés
de ajudar nos controles das doações, possam piorar ainda mais o sistema.
Um exemplo seria que uma empresa ou organização
pudesse fazer pagamentos aos funcionários e integrantes para que sejam
repassados às campanhas.
Singer acredita que esse não é um argumento
trivial, mas analisa que a sociedade mobilizada poderá fazer o papel de
fiscalizadora de qualquer ilegalidade.
“Eu reconheço que mudar regras não é simples e que
a gente precisa ter uma postura cautelosa. Mas é preciso convir que a
sociedade tem que se mexer e tentar essas mudanças na direção daquilo que lhe
interessa. A maior garantia de que as novas regras poderão funcionar é se a
sociedade estiver mobilizada para fazer o papel de fiscalizadora”, explicou
Desigualdade e representação política
O Brasil é o país com mais negros fora da África.
As mulheres já representam mais da metade da população brasileira e,
consequentemente, mais da metade dos votos. Porém, a representação dessas duas
parcelas da sociedade brasileira no Congresso Nacional está longe de ser a
ideal.
A participação das mulheres na Câmara dos
Deputados se restringe a 45 dos 513 eleitos, ou 9% do total. No Senado, dos 81
senadores, somente oito são mulheres (10%).
Em relação aos negros, a correlação é ainda pior.
Somente 43 deputados e dois senadores se autodeclaram negros. Enquanto isso,
273 dos parlamentares eleitos em 2010 se declararam empresários, 160 estão na
bancada ruralista e 66, na banca evangélica. A correção dessas injustiças é um
ponto central da Constituinte exclusiva.
“Cabe ao Estado brasileiro reconhecer a
desigualdade de condições sociais e de representação política entre brancos e
não brancos e a necessidade de mudanças no sistema político, criando a possibilidade
de alcançarmos a paridade entre negros e brancos e entre mulheres e homens,
para a efetivação de uma sociedade verdadeiramente democrática e cidadã”,
afirmou Flávio Jorge dirigente da SOWETO Organização Negra.
Maria Julia Monteiro, militante da Marcha Mundial
das Mulheres, destaca que somente com uma ampliação do processo democrático no
Brasil, com a criação de novos mecanismos populares de participação popular, é
possível fazer avançar o número de mulheres e negros em cargos políticos.
“Com a Constituinte conseguiremos discutir um novo
sistema político, que é essencial para aprofundarmos a democracia brasileira.
Faltam mecanismos de participação popular, possibilidade de fazer avançar
candidaturas populares aprofundar a participação das mulheres na política”,
afirma Maria Julia.
Segundo ela, historicamente “fomos relegadas ao
espaço privado, então há grandes empecilhos para a participação política das
mulheres, para nossa inserção no espaço público. Com a Constituinte,
conseguiremos pensar novas regras para o jogo da política, que possibilitarão
uma radicalização da democracia brasileira”, analisou.
Conservadorismo
Outro ponto que atinge em cheio os interesses das
mulheres e dos negros no processo político hoje em dia é o aumento do
conservadorismo na sociedade e, como reflexo, no Congresso Nacional. Temas
sensíveis como o da lei anti-homofobia, o direito ao aborto e as várias
tentativas de se diminuir a maioridade penal no Brasil.
Maria Julia vê com preocupação os avanços de que
ela chama de “direita antipopular” que vem avançando contra direitos das
mulheres, mas também se posiciona contra qualquer iniciativa que aumente a
participação popular na sociedade.
“Temos visto com preocupação um aumento desse
conservadorismo escancaradamente conservador, que é contra o direito da
população LGBT, da população negra, e das mulheres”, afirma.
Segundo ela, essa direita, extremamente
antipopular, tem aparecido mais e conseguido mais espaço na sociedade. Ele é
contra qualquer tipo de participação popular, qualquer tipo de direitos a mais
que possam ser conquistados pela população.
Para ambos, a mídia alimenta muito essa ascensão
conservadora por meio de programas religiosos e noticiários sensacionalistas
que “são incorporados pelo senso comum”, de acordo com Flavio Jorge. Maria
Julia explica a importância dos movimentos sociais serem o contraponto desse
processo, ganhando um tamanho maior no debate.
“Uma das principais tarefas dos movimentos
organizados hoje é estimular a organização do povo, estimular o debate
político, o debate crítico, para conseguir driblar a grande mídia, que joga lenha
na fogueira desse conservadorismo”, argumenta.
Para ela, é preciso realizar trabalho de base,
organizar o povo, porque se os movimentos populares não fizerem isso, quem o
fará serão os setores conservadores, pautando questões como a maior
criminalização do aborto e diminuição da maioridade penal.
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Colaborou Joana Tavares
Fonte: Brasil de Fato
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