sábado, 6 de setembro de 2014

Campanha do ‘Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva’ ganha as ruas.

Constituinte exclusiva para reforma política ganha as ruas.
ABr
As ruas pediram, Dilma tentou, mas são os movimentos sociais que encampam a bandeira da uma mudança estrutural na política brasileira
Por Bruno Pavan, do Brasil de Fato

A série de protestos que foram chama­dos de “Jornadas de junho” em 2013 ain­da é motivo para dezenas de análises. O que começou com um questionamento do transporte público nas capitais, pas­sou por uma solidariedade às vítimas de violência policial e desaguou numa crise de representatividade dos que estavam nas ruas contra os partidos políticos.

As placas de “não me representam” to­maram conta das ruas por todo o Brasil chegando, inclusive, a fazer a presidenta Dilma Rousseff chamar uma rede nacio­nal para se posicionar e procurar dar res­posta às ruas. Em um dos cinco pontos levantados, a presidenta anunciou a con­vocação da criação de um plebiscito po­pular para uma Constituinte exclusiva do sistema político.

Resumindo, o governo faria uma con­sulta em que questionaria a população de seu desejo de eleger um Congresso exclu­sivamente para traçar um novo sistema político no Brasil. Horas depois, deputa­dos, ministros e até o vice-presidente da República jogavam água fria na ideia da presidenta.

Acontece que a sociedade aproveitou o espaço aberto na discussão para bo­tar seu bloco na rua. Cerca de 400 enti­dades entre movimentos, organizações, partidos e sindicatos lançaram a campa­nha do “Plebiscito Popular pela Consti­tuinte Exclusiva”, que está mobilizando todo o país.

O Plebiscito pela Constituinte Exclu­siva vai às ruas fazer a coleta de votos em todo o Brasil na chamada “Sema­na da pátria”, a partir de 1º de setem­bro e termina dia 7, dia da Independên­cia. As urnas coletarão os votos com a resposta à pergunta: “Você é a favor de uma constituinte exclusiva e soberana para o sistema política?”. Sem a pre­tensão de se tornar alguma lei de fa­to, os 10 milhões de “sim” que a cam­panha pretende captar quer pressionar o Congresso Nacional e os políticos pa­ra a vontade da população de mudan­ças estruturais.

“Um Plebiscito Popular não tem va­lor legal, mas tem força política. A atual Constituição diz que somente o Con­gresso Nacional, com deputados e se­nadores, podem aprovar um Plebiscito Legal. Claro que jamais farão isso sem pressão popular”, afirma o advogado Ricardo Gebrim, da Consulta Popular. Se­gundo ele, a maioria dos parlamentares não quer acabar com as regras privile­giadas que os elegeram.

Para Gebrim, os plebiscitos populares geram conquistas também. “Em 2002, quando queriam que o Brasil assinasse um acordo horrível com os Estados Uni­dos e o então presidente Fernando Hen­rique queria ceder o Território de Alcân­tara no Maranhão para virar uma base militar norte-americana, 10 milhões de brasileiros foram às urnas do Plebiscito Popular e tiveram força social para mu­dar essas propostas”, explicou.

O cientista político e professor da USP Andre Singer vê com bons olhos a ini­ciativa dos movimentos pautar a agenda da reforma política no Brasil e conside­ra importante a pressão da sociedade pa­ra que aconteçam mudanças estruturais na democracia.

“Esse movimento é uma das novida­des mais interessantes desse último pe­ríodo no país, pois ele aponta na direção de uma transformação necessária e posi­tiva. A democracia está sempre em movi­mento, não é uma obra acabada, ela po­de sofrer pressões para ser colonizada pelo capital, mas também pode ser rea­propriada pela própria população. Acre­dito que o movimento vai nessa segunda direção”, elogiou.

A falta de representatividade

O desinteresse na política é o que mais preocupa tanto ativistas quanto cientis­tas políticos. O poeta e membro do coleti­vo Perifatividade Ruivo Lopes alerta que a representatividade de sociedade civil na política ainda é muito nebulosa e aca­ba afastando boas parcelas dos cidadãos, como a juventude.

“A política nacional hoje não é atraen­te para a juventude que não se vê repre­sentada por esse processo viciado. Ela está pedindo protagonismo, mas sem a necessidade de assumir vínculos com a política tradicional. Ela quer criar seus próprios processos políticos nas ruas, coletivos e movimentos e a entrada em cena dessa juventude é urgente”, frisou.

O fenômeno do desinteresse na polí­tica, de acordo com Andre Singer, não ocorre somente no Brasil. Ele considera também vital um processo de democra­tização da democracia para que essa ten­dência se reverta.

“A sociedade tem que tentar se mexer para encontrar um modelo que faça esse movimento de democratizar a democra­cia. No contrário, vai acontecer aquilo que muitos estudiosos já observam em diversos países do mundo, em que há um esvaziamento da democracia, uma percepção por parte dos eleitores que a política não tem nada a ver com ele, é uma instância que funciona descolada das aspirações da própria sociedade e com isso você acaba por esvaziar o pró­prio sentido da democracia”, explicou

O financiamento público de campanha

As campanhas no Brasil ficam mais ca­ras a cada eleição. Em 2014, de acordo com as informações cedidas pelas cam­panhas dos candidatos ao Tribunal Su­perior Eleitoral (TSE), os gastos podem chegar perto de R$ 1 bilhão somente no primeiro turno e ultrapassar essa marca no segundo.

Também segundo a primeira roda­da de contas prestadas ao TSE, somen­te três empresas: AMBEV, JBS e OAS doaram 65% de todo o dinheiro para as campanhas presidenciais. A campanha de reeleição de Dilma Rousseff declarou que toda a receita da primeira rodada foi oriunda de doações de empresas.

Andre Singer critica o modelo atual de financiamento, pois, na sua visão, ele de­sequilibra a democracia para o lado do dinheiro e das grandes empresas. “Nessa realidade de eleições cada vez mais caras e sendo sustentadas pelas empresas, vo­cê entra numa condição em que o capital tem muita influência no processo demo­crático e o cidadão acaba tendo cada vez menos”, analisou.

A proibição da doação de pessoas jurí­dicas para campanhas eleitorais foi alvo de uma ADIN (Ação Direta Institucional) da Ordem dos Advogados do Brasil, que está parada no Supremo Tribunal Fede­ral. Dos 11 ministros da casa, seis já ha­viam se posicionado a favor da proibição quando Gilmar Mendes pediu vistas do processo e ainda não o devolveu ao ple­nário.

O professor é a favor do financiamen­to exclusivamente de pessoas físicas e de um limite de gastos baixo para as campa­nhas, excluindo toda a “parafernália ci­nematográfica” e focando mais em pro­gramas simples centrados nas propostas.

Dificuldades

Alguns analistas criticam a alternati­va de proibição do financiamento pri­vado de campanha com o argumento de que ao invés de ajudar nos controles das doações, possam piorar ainda mais o sistema.
Um exemplo seria que uma empresa ou organização pudesse fazer pagamen­tos aos funcionários e integrantes para que sejam repassados às campanhas.
Singer acredita que esse não é um ar­gumento trivial, mas analisa que a socie­dade mobilizada poderá fazer o papel de fiscalizadora de qualquer ilegalidade.

“Eu reconheço que mudar regras não é simples e que a gente precisa ter uma postura cautelosa. Mas é preciso con­vir que a sociedade tem que se mexer e tentar essas mudanças na direção da­quilo que lhe interessa. A maior garan­tia de que as novas regras poderão fun­cionar é se a sociedade estiver mobili­zada para fazer o papel de fiscalizado­ra”, explicou

Desigualdade e representação política

O Brasil é o país com mais negros fo­ra da África. As mulheres já representam mais da metade da população brasilei­ra e, consequentemente, mais da metade dos votos. Porém, a representação des­sas duas parcelas da sociedade brasilei­ra no Congresso Nacional está longe de ser a ideal.

A participação das mulheres na Câma­ra dos Deputados se restringe a 45 dos 513 eleitos, ou 9% do total. No Senado, dos 81 senadores, somente oito são mu­lheres (10%).

Em relação aos negros, a correlação é ainda pior. Somente 43 deputados e dois senadores se autodeclaram negros. En­quanto isso, 273 dos parlamentares elei­tos em 2010 se declararam empresários, 160 estão na bancada ruralista e 66, na banca evangélica. A correção dessas in­justiças é um ponto central da Consti­tuinte exclusiva.

“Cabe ao Estado brasileiro reconhecer a desigualdade de condições sociais e de representação política entre brancos e não brancos e a necessidade de mudan­ças no sistema político, criando a possi­bilidade de alcançarmos a paridade en­tre negros e brancos e entre mulheres e homens, para a efetivação de uma socie­dade verdadeiramente democrática e ci­dadã”, afirmou Flávio Jorge dirigente da SOWETO Organização Negra.

Maria Julia Monteiro, militante da Marcha Mundial das Mulheres, desta­ca que somente com uma ampliação do processo democrático no Brasil, com a criação de novos mecanismos populares de participação popular, é possível fazer avançar o número de mulheres e negros em cargos políticos.

“Com a Constituinte conseguiremos discutir um novo sistema político, que é essencial para aprofundarmos a demo­cracia brasileira. Faltam mecanismos de participação popular, possibilidade de fazer avançar candidaturas populares aprofundar a participação das mulheres na política”, afirma Maria Julia.

Segundo ela, historicamente “fomos relegadas ao espaço privado, então há grandes empecilhos para a participação política das mulheres, para nossa inser­ção no espaço público. Com a Constituin­te, conseguiremos pensar novas regras para o jogo da política, que possibilitarão uma radicalização da democracia brasi­leira”, analisou.

Conservadorismo

Outro ponto que atinge em cheio os interesses das mulheres e dos negros no processo político hoje em dia é o au­mento do conservadorismo na socieda­de e, como reflexo, no Congresso Nacio­nal. Temas sensíveis como o da lei anti­-homofobia, o direito ao aborto e as vá­rias tentativas de se diminuir a maiorida­de penal no Brasil.

Maria Julia vê com preocupação os avanços de que ela chama de “direita antipopular” que vem avançando contra direitos das mulheres, mas também se posiciona contra qualquer iniciativa que aumente a participação popular na so­ciedade.

“Temos visto com preocupação um au­mento desse conservadorismo escanca­radamente conservador, que é contra o direito da população LGBT, da popula­ção negra, e das mulheres”, afirma.

Segundo ela, essa direita, extrema­mente antipopular, tem aparecido mais e conseguido mais espaço na sociedade. Ele é contra qualquer tipo de participa­ção popular, qualquer tipo de direitos a mais que possam ser conquistados pela população.

Para ambos, a mídia alimenta muito essa ascensão conservadora por meio de programas religiosos e noticiários sen­sacionalistas que “são incorporados pe­lo senso comum”, de acordo com Flavio Jorge. Maria Julia explica a importância dos movimentos sociais serem o contra­ponto desse processo, ganhando um ta­manho maior no debate.

“Uma das principais tarefas dos movi­mentos organizados hoje é estimular a organização do povo, estimular o deba­te político, o debate crítico, para conse­guir driblar a grande mídia, que joga le­nha na fogueira desse conservadorismo”, argumenta.

Para ela, é preciso realizar trabalho de base, organizar o povo, porque se os movimentos populares não fizerem isso, quem o fará serão os setores conserva­dores, pautando questões como a maior criminalização do aborto e diminuição da maioridade penal.

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Colaborou Joana Tavares


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