AM: Justiça mantém suspensão de
implantação de polo naval por falta de consulta prévia.
MPF realizou
seminário sobre consulta prévia, livre e informada com a participação de
comunitários, movimentos sociais, representantes do Estado do Amazonas e do
Exército.
A Justiça Federal no Amazonas manteve a suspensão
de todas as atividades relativas ao projeto de implantação do Complexo Naval,
Mineral e Logístico (Polo Naval), enquanto não realizada a consulta prévia,
livre e informada das comunidades ribeirinhas que vivem na região, nos termos
da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A decisão
foi proferida no curso de ação civil pública movida pelo Ministério Público
Federal no Amazonas (MPF/AM), depois que o Estado do Amazonas apresentou pedido
de revisão de decisão
liminar expedida em maio deste ano, que suspendeu as medidas para instalação do
polo.
A decisão liminar proferida em maio e a
manutenção do entendimento, na decisão expedida no dia 26 de agosto, são
fundamentadas na ausência de consulta prévia, livre e informada a, pelo menos,
19 comunidades tradicionais localizadas na margem esquerda do rio Amazonas, na
região do Puraquequara.
No último sábado, dia 30 de agosto, o MPF/AM
promoveu, na sede da instituição, um seminário para apresentar os objetivos da
consulta prévia e os aspectos que precisam ser considerados para que ela seja
válida. O evento reuniu cerca de 90 pessoas, entre comunitários, representantes
de movimentos sociais, do projeto Nova Cartografia Social da Amazônia, da
Secretaria de Estado de Planejamento e Desenvolvimento Econômico (Seplan), da
Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e do Exército.
Os procuradores da República Fernando Merloto
Soave e Julio José Araujo Junior apresentaram os fundamentos previstos na
Convenção nº 169/OIT, legislação internacional que trata dos direitos dos povos
indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais, inlcuindo o direito à terra,
aos recursos naturais e à consulta prévia. O Decreto Legislativo nº 143/2002
obriga o Brasil a obedecer o que diz a convenção.
Formato da consulta – A consulta
é um procedimento de participação exclusivo dos povos indígenas e comunidades
tradicionais, cuja realização é de responsabilidade dos governos, cobrindo
todas as despesas do processo. Todas as medidas que afetem comunidades
tradicionais devem ser submetidas à consulta prévia, que precisa ser realizada
desde as primeiras etapas de planejamento, antes da tomada das decisões. “É
comum que, mesmo antes do estudo de impacto ambiental, se faça estudos de solo,
de água, para definir o projeto, mas se esquece do fator humano, fazendo a
consulta numa lógica apenas homologatória, quando as decisões já estão
tomadas”, destacou Soave.
Outro aspecto importante é a liberdade para
participação ou não dos comunitários na consulta e a possibilidade de concordar
ou não com as propostas apresentadas, sem que sejam pressionados de alguma
forma. Todas as informações sobre a proposta devem ser apresentadas claramente,
de forma que os comunitários compreendam os possíveis impactos positivos e
negativos da medida que pode ser tomada, e a consulta deve ser realizada de
boa-fé, com o objetivo de construir um acordo, um consenso em torno da
proposta.
O processo de consulta deve incluir reuniões
preparatórias, quando será aprovado o Plano de Consulta, que deverá detalhar as
regras do processo, o local, a forma de decisão, as datas; reuniões
informativas, quando o governo repassará todas as informações às comunidades;
discussão interna do assunto pelas comunidades, sem a presença do governo;
negociação, quando as comunidades dirão se concordam ou não com a proposta,
podendo apresentar sugestões; e decisão final, com indicação da posição dos
comunitários, formalizada em ata.
Com relação à implantação do polo naval, o Estado
do Amazonas não observou estas etapas. “Simplesmente informar que vai haver a
consulta não atende ao que prevê a convenção. Esse processo de consulta deve
ser construído com as comunidades, conhecendo a sua realidade”, explicou Soave.
Um dos participantes foi Rubens Martins, morador
da comunidade Santa Luzia do Tiririca, uma das comunidades potencialmente
afetadas pela implantação do polo naval. Ele relatou que sua família vive no
local, à margem esquerda do rio Amazonas, há mais de cem anos e que a
comunidade desenvolve projeto de psicultura que beneficia diretamente cerca de
50 famílias. “As medidas que já foram tomadas ainda valem, já que não foi
realizada a consulta prévia com as comunidades?”, questionou.
Revogação do decreto – O
procurador da República Julio José Araujo Junior explicou que a maneira como o
Estado do Amazonas declarou de utilidade pública a área a ser utilizada para a
implantação do polo naval, por meio do Decreto nº 32.875/12 – que afeta
diretamente as comunidades da margem esquerda do rio Amazonas – não é válida,
porque não foram observados os requisitos da Convenção nº 169/OIT.
O secretário executivo de Planejamento e
Desenvolvimento Econômico do Amazonas, Ronney Peixoto, informou que o Estado do
Amazonas vai se manifestar em breve ao MPF sobre a revogação do decreto, já que
a consulta não foi realizada antes de definir a área afetada.
O MPF indicou ainda que, em razão da decisão
liminar da Justiça Federal que suspende todas as medidas relativas à
implantação do polo naval, a Seplan deve informar à Justiça qualquer ato que
envolva as comunidades, sob pena de descumprir a decisão judicial.
“Nós não estamos aqui para parar o
desenvolvimento do Estado. Nós queremos que o Estado cresça, mas nós queremos
também ser respeitados”, afirmou Francisco Silva, presidente da Associação de
Moradores da Comunidade São Francisco do Mainã, que também participou do
seminário.
Devem ser realizadas ainda, com o apoio do
MPF/AM, reuniões de capacitação dos moradores, nas próprias comunidades, a
respeito da Convenção nº 169/OIT, para que eles possam participar ativamente da
construção do plano de consulta. As datas das próximas reuniões serão definidas
posteriormente.
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