Hidrelétrica amazônica deixa rastro de saúde para a
população.
Fachada do novo Hospital Geral de Altamira, ainda
sem inaugurar, que será o mais moderno desta cidade amazônica brasileira e
receberá os doentes mais graves dos 11 municípios afetados pela construção da
hidrelétrica de Belo Monte. Foto: Mario Osava/IPS.
Por Mario Osava, da IPS –
Altamira, Brasil, 17/6/2015 – Uma ampla
infraestrutura de saúde pública e a erradicação da malária serão,
provavelmente, o melhor legado da central hidrelétrica de Belo Monte, na
Amazônia brasileira, para a população local afetada pelos impactos do
megaprojeto. A ocorrência de malária nos seis municípios do entorno onde é
executado o Plano de Ação de Controle da doença caiu 95,7% entre 2011 e 2015.
Os 3.298 casos de janeiro a março de 2011, véspera do início da obra, caíram
para 141 no mesmo período deste ano.
Dois municípios não registraram nenhum doente até
maio, destacou José Ladislau, gerente de Saúde da Norte Energia, o consórcio de
empresas estatais e privadas que ganhou a concessão de Belo Monte por 35 anos.
Nos demais municípios houve apenas dez casos. “Há dois anos ninguém pega
malária em Brasil Novo, e essa é a melhor notícia”, confirmou Noedson Carvalho,
secretário de Saúde do município, que fica a 45 quilômetros do rio Xingu, onde
é construída a gigantesca central hidrelétrica com potência de 11.233 megawatts
(MW).
A malária, endêmica na Amazônia, é um grande fator
da pobreza rural, explicou Ladislau à IPS. E uma de suas mais elevadas
incidências ocorria na bacia do Rio Xingu. O contágio diminuiu em altos níveis
em quase todo o Estado do Pará, onde estão os trechos baixo e médio do rio,
graças à distribuição maciça de mosquiteiros com inseticida e ao diagnóstico e
tratamento precoce dos doentes.
Mas o resultado nos arredores de Belo Monte, com população
rural abundante e vulnerável, exigiu uma ação intensa da Norte Energia, com
custo de US$ 11 milhões, destinados a multiplicar laboratórios, veículos e
mosquiteiros impregnados de inseticida.
“Brasil Novo obteve de Belo Monte o que não
conseguiria em séculos por si só”, reconheceu Carvalho à IPS, o que inclui um
hospital de 42 leitos e cinco unidades básicas de saúde (UBS), que agora
integram o sistema de saúde pública municipal. O hospital já existia, mas era
particular e, por dificuldades financeiras, havia fechado em abril de 2014,
deixando sem assistência os estimados 22 mil habitantes de Brasil Novo,
justamente quando a demanda estava no auge pela afluência de novos moradores
atraídos pela construção de Belo Monte.
Esgoto corre por uma das ruas centrais de Altamira,
apesar de haver um sistema de esgoto subterrâneo. O péssimo saneamento deixa a
população infantil vulnerável a diarreias, que são causa de muitas internações
nos hospitais dessa cidade amazônica brasileira, perto da central hidrelétrica
de Belo Monte. Foto: Mario Osava/IPS.
“São 30 partos por mês, em média, uma situação
terrível sem hospital na cidade”, afirmou o secretário de Saúde. Foi necessário
improvisar centros de atenção básica para internar pacientes e enviar os mais
graves para Altamira, a cidade mais povoada da região, com cerca de 140 mil
habitantes, segundo estimativas não oficiais. Assim, a prefeitura de Brasil
Novo negociou a compra e reforma do hospital, com recursos da Norte Energia,
mediante o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (PDRS). Agora será um
hospital público de atendimento gratuito.
O PDRS se concentra em impulsionar políticas
públicas e projetos locais com fundos da empresa. Ele se soma ao Projeto Básico
Ambiental (PBA), um conjunto de 117 obras e ações que a concessionária deve
executar como compensação para os 11 municípios e suas populações afetados pela
hidrelétrica.
No total, esses investimentos equivalem a US$ 1,2
bilhão, a quantia mais elevada que um megaprojeto brasileiro aporta ao
desenvolvimento local, como condição para obter as licenças ambientais
necessárias. Representa cerca de 14% do orçamento total da construção.
Três novos hospitais e três em reforma encabeçam a
infraestrutura física de saúde que ganharão os 11 municípios afetados pela
megaobra. O maior, o Hospital Geral de Altamira, com 104 leitos, dez deles de
terapia intensiva, está pronto e herda equipamentos e pessoal de outro antigo
hospital municipal, de 98 leitos, que será transformado em um centro
materno-infantil.
Com equipamentos de tecnologia avançada, o novo
hospital conta com sistemas de comunicação, iluminação, temperatura,
distribuição de gás e relógios, tudo sob controle automático e central, e com
higiene extrema em roupas, pessoal, lixo e deságue, afirmou Ladislau.
Uma nova unidade básica de saúde no bairro de São
Joaquim, que acaba de ser ocupado por famílias retiradas de áreas que serão
inundadas pela represa de Belo Monte, no rio Xingu, na Amazônia brasileira. A
concessionária da central construiu 30 desses centros de atendimento primário
nos cinco municípios mais afetados pelo megaprojeto. Foto: Mario Osava/IPS.
Há críticas de que os investimentos ampliam de
forma limitada a capacidade hospitalar e o número de leitos, ao reformar ou
ampliar unidades já existentes. Mas esse veterano médico responde que “não se
deve superdimensionar o sistema”, com custos de manutenção e operação
desnecessários para municípios pobres. “Trata-se de estruturar uma boa rede de
saúde na região de 11 municípios com o foco na atenção primária”, e para isso a
Norte Energia construiu 30 UBS, distribuídas por cinco municípios, sete apenas
em Altamira, acrescentou.
“Com essa atenção, mais o saneamento e outras
medidas preventivas, se reduzirá a pressão por leitos hospitalares”, apontou
Ladislau. No Hospital Municipal de Altamira são registradas cerca de 1.500
internações anuais de menores de cinco anos, a maioria por diarreia, um
problema evitável com saneamento, acrescentou. O reassentamento de moradores de
palafitas e áreas que serão inundadas pelas represas de Belo Monte, em novos
bairros construídos em terras altas e secas, já reduzirá muito os casos de
diarreia, ressaltou.
Toda essa infraestrutura oferecida pela Norte
Energia dependerá da gestão municipal e do pessoal que prestará serviços,
incluindo o de manutenção.
Brasil Novo é um município pobre ao qual quase não
chegaram os benefícios de Belo Monte e enfrentará dificuldades para manter seu
hospital, admitiu Carvalho. Não faltam médicos graças ao programa Mais Médicos
do governo central, que contratou milhares de profissionais cubanos dispostos a
trabalhar no interior do Brasil, e que também está conseguindo a participação
de médicos brasileiros, acrescentou.
Mas um hospital precisa de cirurgiões e outros
especialistas mais difíceis de atrair para os municípios amazônicos. Corre-se o
risco de os hospitais com capacidade entre 32 e 42 leitos em Brasil Novo e
outros dois municípios ficarem ociosos porque suas populações oscilam entre 15
mil e 25 mil habitantes e os doentes mais graves buscarão atendimento nos
centros maiores e melhor equipados de Altamira.
A dificuldade em atrair pessoal qualificado tem um
exemplo no curso de medicina da Universidade Federal do Pará, com sede em
Altamira, que não pôde ser aberto por falta de professores com doutorado. Além
disso, os residentes criticam a empresa pelo atraso nesses projetos de saúde,
que deveriam ter se adiantado ao aumento da demanda pela presença de
funcionários vindos de fora, para assim cumprir um de seus compromissos nesse
setor.
Ao atraso somou-se o fechamento temporário de
serviços para construir novas instalações. Foi o caso do Hospital Geral, para o
qual se aproveitou um modesto prédio de saúde primária em um bairro pobre de
Altamira para ser transformado em um grande hospital. “O que já era precário,
piorou”, afirmou Marcelo Salazar, coordenador do não governamental Instituto
Socioambiental em Altamira.
Fonte: ENVOLVERDE
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