Corrupção
deixa milhões de famintos na Índia.
Com uma rede de 60 mil lojas, o sistema de
distribuição pública de alimentos está repleto de corrupção e ineficiência, o
que deixa milhões de pessoas com fome, enquanto toneladas de grãos apodrecem
nos armazéns. Foto: Neeta Lal/IPS.
Por Neeta Lal, da IPS –
Nova Délhi, Índia, 7/7/2015 – Chottey Lal trabalha
na construção em Noida, localidade do Estado de Uttar Pradesh, na Índia. Esse
operário de 43 anos tem jornada de 12 horas diárias, mas o que ganha mal dá
para alimentar sua família de sete pessoas. Ele e sua esposa, Subha, cumprem os
requisitos para receber a ajuda com alimentos básicos subsidiados, que devem
ser comprados em um comércio local específico, se tudo funcionasse bem. Mas
isso não acontece.
“Quando vamos à loja, nos mandam embora. O dono diz
que ficou sem reservas e acabamos comprando comida no mercado, que é caro e não
dá para alimentar toda a família”, contou Lal à IPS. “Todo mundo sabe que o
comerciante vende os grãos no mercado negro. Mas o que podemos fazer sendo
pobres? Fizemos queixa à policia, mas não tomaram nenhuma medida contra o
vendedor”, acrescentou.
Savirti, de 50 anos, e Kamla, de 39, também vivem
uma situação terrível: ambas são viúvas e vivem com seus filhos casados. Mas
tiveram que mendigar, porque a renda da família e as rações de grãos que
recebem nas lojas de preços justos não são suficientes para todos.
A corrupção que afeta o sistema público de
distribuição de alimentos impede que milhões de pessoas pobres recebam os grãos
a que têm direito segundo a Lei Nacional de Segurança Alimentar. O sistema,
composto por 60 mil comércios de preço justo neste país de 1,2 bilhão de
habitantes, fornece arroz, trigo, açúcar e querosene a preço inferior ao do
mercado. O sistema procura ajudar dois terços da população, com a entrega
mensal de 35 quilos de grãos subsidiados por pessoa, ao preço de uma a três
rúpias (de US$ 0,01 a US$ 0,04) o quilo.
Entretanto, apenas 11 Estados e territórios da
União implantaram a lei, aprovada pelo parlamento em setembro de 2013, estando
pendente nos 25 restantes. Para piorar, pesquisas nacionais revelam como
comerciantes inescrupulosos desviam milhões de toneladas de grãos do sistema de
distribuição.
Os produtos acabam sendo vendidos nos mercados com
um grande lucro ou exportados ilegalmente, em conivência com funcionários
corruptos da estatal Corporação de Alimentação da Índia. A maior parte dos
alimentos acaba em países vizinhos como Nepal, Birmânia (Myanmar), Bangladesh e
Cingapura.
Um estudo realizado pelo governo no Estado de Uttar
Pradesh, onde vive Lal e sua família, concluiu que a superposição de agências,
a má coordenação e a falta de responsabilidade administrativa se combinam em
prejuízo do mecanismo de distribuição.
Crianças desnutridas em frente a lojas de alimentos
na Índia. A inscrição na parede do comércio faz parte da publicidade de uma
multinacional de telecomunicações oferecendo telefones baratos nesse país com o
maior número de pobres com fome. Foto: Neeta Lal/IPS.
O comitê do juiz D. P. Wadhwa, encarregado pela
Suprema Corte da Índia de supervisionar suas ordens em um caso de litígio de
interesse público sobre o direito à alimentação, fez há pouco uma dura crítica
contra o sistema de distribuição de alimentos. Ao investigar irregularidades na
cadeia de distribuição, o Comitê revelou que 80% da corrupção ocorre antes que
os alimentos cheguem às lojas para venda ao público.
E pior: quase 60% dos alimentos distribuídos por
intermédio do sistema público apodrecem ou são desviados no caminho. “O que
chega aos beneficiários pobres nem mesmo costuma estar em condições para
consumo”, explicou o especialista Devinder Sharma, que dirige o Fórum de
Biotecnologia e Segurança Alimentar, com sede em Nova Délhi.
O crescente e sistemático abuso da cadeia de
fornecimento de alimentos é um mau presságio para um país como a Índia, com
194,6 milhões de pessoas subalimentadas, o maior número em todo o mundo,
segundo informe anual da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO). O documento destaca que esse número representa 15% da
população do país, superando a China em cifras absolutas e na proporção de pessoas
subalimentadas.
“O maior crescimento econômico não se traduziu
plenamente em aumento do consumo de alimentos, e menos ainda em melhoria das
dietas”, diz a parte dedicada à Índia do informe O Estado da Insegurança
Alimentar no Mundo, 2015, da FAO. Essa realidade “poderia indicar que as
pessoas pobres afetadas pela fome não conseguiram se beneficiar do crescimento
geral”, acrescenta.
Cerca de 1,3 milhão de crianças morrem na Índia por
má nutrição, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A prevalência de
crianças de baixo peso está entre as maiores do mundo, e é quase o dobro da
África subsaariana, o que prejudica a produtividade, o crescimento econômico e
os índices de morbidade e mortalidade, afirma a OMS.
O Comitê Shanta Kumar, encarregado de revisar o
sistema de distribuição de alimentos, entregou, no começo deste ano, um
relatório ao primeiro-ministro, Narendra Modi, recomendando desarmar de forma
gradual o programa e começar com a transferência de dinheiro vivo. A nova
proposta, segundo o órgão, permitirá diminuir de forma progressiva a
dependência das pessoas mais pobres dos comércios de alimentos subsidiados.
A cada ano os celeiros da Índia ficam lotados de
excelentes colheitas de trigo e arroz, mas os grãos são roubados ou desaparecem
pelas mãos de intermediários, ou apodrecem sob a chuva, enquanto milhões de
pessoas passam fome. O governo também realiza enormes gastos com os grãos que
fornece ao sistema.
A perda de cereais pelo sistema de distribuição de
alimentos chega a 48%, segundo a pesquisa, e as reservas que guarda costumam
estar bem abaixo dos requisitos, o que gera grandes custos de manutenção.
Atualmente, cerca de 23% da população indiana vive com menos de US$ 1,25 por
dia, quantia que mede oficialmente a pobreza. Esta renda é considerada
inadequada como medidor pelo Banco de Desenvolvimento Asiático, que sugere
elevá-la a US$ 1,51, o que reflete melhor a quantia necessária para manter uma
pessoa com um padrão mínimo de existência.
Independente de como a pobreza é medida, está claro
que nesse país há milhões de pessoas que passam fome diariamente. De fato,
segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), as pessoas pobres aumentam ano a
ano. O especialista Ravi Khetrapal, destacou à IPS que, “se os pobres não
tiverem acesso à rede de alimentos, morrerão de fome. A resposta não é
desmantelar o sistema, mas reformá-lo, erradicar a corrupção e torná-lo mais
efetivo”, enfatizou.
Fonte: ENVOLVERDE
Nenhum comentário:
Postar um comentário