“Se não
houver menos pobreza, este século terá violência extrema”.
Philippe Douste-Blazy, secretário-geral adjunto da
Organização das Nações Unidas para o Financiamento Inovador para o
Desenvolvimento. Foto: Cortesia de Philippe Douste-Blazy.
Por Nora Happel, da IPS –
Nações Unidas, 13/7/2015 – Às vésperas da terceira
Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, os
debates se centravam no estabelecimento de “mecanismos financeiros inovadores”
como instrumentos estáveis e previsíveis para complementar a tradicional assistência
oficial ao desenvolvimento. Uma discussão que integra as crescentes pressões
orçamentárias na maioria dos países doadores.
A ideia, que será debatida na Conferência, que
começa hoje e vai até o dia 16, na capital da Etiópia, Adis Abeba, sustenta o
conceito de reunir de forma “invisível” importantes somas de dinheiro para
corrigir os desequilíbrios e conseguir recursos para financiar as principais
necessidades em matéria de desenvolvimento.
Em entrevista à IPS, Philippe Douste-Blazy,
secretário-geral adjunto da Organização das Nações Unidas para o Financiamento
Inovador para o Desenvolvimento, compartilhou sua visão do Imposto sobre
Transações Financeiras (ITF).
Além disso, Douste-Blazy, também presidente e
fundador da organização Unitaid e ex-ministro de Assuntos Exteriores e
Desenvolvimento Internacional da França, analisou os mecanismos inovadores de
financiamento que serão examinados na Etiópia, bem como a aprovação em setembro
dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
IPS: Que papel desempenham os mecanismos inovadores de
financiamento no contexto das atuais negociações da Agenda de Desenvolvimento
Pós-2015?
PHILIPPE DOUSTE-BLAZY: Este é um ano histórico porque
serão realizadas três grandes conferências internacionais que são vitais para o
futuro do mundo. A de Adis Abeba, sobre financiamento para o desenvolvimento, a
Assembleia Geral da ONU, na qual a comunidade internacional aprovará os ODS, e
a COP 21, a 21ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas
sobre a Mudança Climática, que acontecerá em dezembro, em Paris. Nos três
casos, o panorama será o mesmo: um acordo político magnífico, mas sem meios
financeiros para apoiá-lo. Quero disparar o alarme! Se não conseguirmos
encontrar mecanismos de financiamento inovadores agora, quando nunca houve
tanto dinheiro no mundo, embora a brecha entre ricos e pobres aumente
constantemente, o século 21 terminará em uma violência extrema.
IPS: São necessários consideráveis recursos econômicos
para financiar o desenvolvimento. O ITF é um mecanismo apropriado para reunir
fundos, em comparação com outras alternativas inovadoras?
PDB: O setor financeiro é atualmente um dos menos
taxados. É surpreendente conhecer o terrível impacto que o setor teve no
desenvolvimento internacional quando da crise econômica de 2008. A cobrança de
um indolor imposto proporcional às transações financeiras poderia gerar
centenas de milhares de milhões de dólares no mundo e, por fim, ter
consequências decisivas e positivas na luta contra a pobreza extrema, as
pandemias e a mudança climática. As atividades globalizadas e os intercâmbios
devem contribuir para a solidariedade internacional. Isso tínhamos em mente com
o presidente francês, Jacques Chirac, e o presidente do Brasil, Luis Inácio
Lula da Silva, quando implantamos o imposto solidário sobre as passagens de
avião. As pessoas viajam cada vez mais, assim gravar uma pequena proporção do
preço da passagem oferece a oportunidade de melhorar o acesso a tratamentos
capazes de salvar vidas em todo o mundo. O ITF segue a mesma lógica. As
necessidades econômicas são consideráveis e devemos tirar o dinheiro de onde
existe. Os instrumentos de financiamento inovadores não devem situar-se como
contrapostos, mas é preciso vê-los como complementares.
IPS: A Unitaid investe o dinheiro arrecadado por meio da
solidariedade global na luta contra o HIV/aids, a tuberculose e a malária. Que
resultado tem apresentado a luta contra essas doenças?
PDB: Primeiro, os investimentos da Unitaid ajudaram a
criar um mercado para alguns tratamentos mais efetivos contra o HIV em 2007,
reduzindo o custo de US$ 1,5 mil ao ano para menos de US$ 500. Segundo, com o
apoio do Fundo Global e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a
Unitaid contribuiu para a implantação de 437 milhões dos melhores tratamentos
contra a malária, ajudando a comunidade internacional a reduzir as mortes em
47% desde 2000. Terceiro, negociou-se uma redução de 40% nos cartuchos de um
importante exame para tuberculose (GeneXpert) em 145 países, junto com a
Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e a
Fundação Bill e Melinda Gates. Isso permitiu à comunidade internacional
economizar cerca de US$ 70 milhões em dois anos e contribuiu de forma
significativa com o aumento de 30% ao ano dos casos detectados de tuberculose
resistentes.
IPS: Que estrutura deverá ter o futuro ITF que será
implantado nos 11 países europeus dispostos para que seja benéfico e efetivo?
Que opinião merecem os exemplos de França e Itália?
PDB: Os ITF francês e italiano são muito desanimadores.
Não atendem às expectativas, nem em termos de regulamentação, nem de renda.
Parece que os governos de França e Itália só se preocuparam em defender seus
setores financeiros. As exonerações impedem que a taxação atinja as transações
mais especulativas. Derivados, criadores de mercados e negociação de alta
frequência não podem ser gravadas em nenhum dos dois modelos, apesar de serem
as mais perigosas. Além disso, é taxando esses instrumentos que o ITF
conseguirá maiores recursos. Pela mesma razão, o ITF europeu, que não será
aplicado às ações estrangeiras, será muito desanimador. Em lugar de se
assustarem com a reação do setor financeiro, os 11 líderes políticos devem
mostrar um ambição real e desenhar um ITF forte, com amplo alcance para evitar
os vazios legais.
IPS: Como se pode garantir que certa proporção do
dinheiro arrecadado pelo imposto será destinada ao desenvolvimento?
PDB: Do ITF francês, 17% já é destinado ao clima e às
pandemias. O presidente François Hollande disse que destinaria parte do ITF
europeu às mesmas causas. Esperamos que a proporção seja maior. O
primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, também se comprometeu a destinar
parte da arrecadação à solidariedade internacional, mas até agora são as únicas
declarações a respeito.
Destinar a arrecadação do ITF aos fundos multilaterais,
como Fundo Global, OMS e Fundo Verde para o Clima, seria a melhor forma de
garantir que o dinheiro arrecadado sirva realmente ao desenvolvimento. E quando
vejo essas dezenas de milhares de imigrantes que tentam cruzar o Mediterrâneo,
que está se transformando no maior cemitério do mundo, quero destacar que a
única solução para a imigração em massa dos países pobres para os mais ricos é
oferecer o que chamamos de bens públicos mundiais (alimentos, água potável,
medicamentos básicos, educação e saneamento) a todos e a cada um dos seres
humanos.
Fonte: ENVOLVERDE
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