Extrativistas
constróem cadeia de valor gerando renda e protegendo a floresta.
Por Leticia Leite, do ISA –
Eles sobreviveram às ameaças dos grileiros de
terras que os que ameaçavam, expulsavam e matavam. Hoje, em três reservas
extrativistas (Riozinho do Anfrísio, Iriri e Xingu), da Terra do Meio produzem
castanha-do-Pará, borracha, copaíba, babaçu, óleo de andiroba e mais uma cesta
de produtos extraídas da floresta amazônica que ajudam a proteger e onde seus
filhos têm saúde e educação (*)
Já pensou em consumir produtos e alimentos de
origem conhecida, comercializados com preço justo, feito por pessoas que tocam
coletivamente seu próprio modelo de negócio? Se já chegou até aqui, chegue mais
perto e conheça a castanha-do-Pará, borracha, copaíba, babaçu, óleo de andiroba
e mais uma cesta de produtos extraídas do meio da floresta amazônica e que
começam a chegar nas prateleiras dos mercados de todo o País. É a cadeia de
valor da Terra do Meio, no sul do Pará.
Secagem da amêndoa de babaçu na mini usina de
beneficiamento da Resex do Iriri.
É preciso saber de início que a origem dosos
produtos das comunidades que vive entre os rios Xingu e Iriri, vêem de um local
onde as crianças podem frequentar a escola e proteger a Amazônia ao mesmo
tempo.
Esta é a realidade recente de 300 famílias que
vivem espalhadas em três reservas extrativistas da Terra do Meio, 1,5 milhões
de hectares de floresta protegidos no Pará, distante até 400 km de rio do
centro urbano de Altamira.
São filhos e netos dos soldados da borracha, que
desde o tempo da Segunda Guerra Mundial viveram uma relação de exploração dos
patrões da seringa e absoluta ausência do Estado, e hoje estão recriando a
economia da floresta em que vivem.
Já nos idos dos anos 2000 quase perderam o direito
de viver no território em que nasceram para o maior escândalo de grilagem de
terra da história do Brasil, possivelmente do mundo. Resistiram a ameaças de
homens que rasgavam estradas, queimavam casas, expulsando e matando este povo,
que sequer tinha identidade.
Governo cria primeira Resex da Terra do Meio
Em 2004 o Estado brasileiro começou a fazer sua
parte. A primeira Reserva Extrativista (Resex) da Terra do Meio a ser criada
foi a Riozinho do Anfrísio, assinada por Lula em 2004, na sequência, veio a do
Iriri e finalmente a do Xingu, já em 2008. A criação das Resex junto com uma
sequências de ações judiciais fizeram com que grileiros que tentavam roubar
terras públicas fossem varridos, um a um.
Em uma década, homens e mulheres analfabetos
conseguiram articular uma rede de parcerias institucionais que envolveu
ministérios, prefeitura e organizações da sociedade civil até fazer com que
toda uma geração pudesse ter a escolha de viver bem onde nasceu.
Enquanto o Estado permanece míope diante da
possibilidade de frear o desmatamento e conter a extração ilegal de madeira com
geração de renda para populações que vivem em Terras Indígenas e Unidades de
Conservação no Pará, empresas veem com bons olhos a possibilidade de realizar
contratos diretos e com garantia de origem. A gaúcha Mercur, impulsiona a volta
dos seringais nas reservas há cinco anos, elo fundamental para que a produção
da Terra do Meio chegasse a 4 toneladas de borracha em 2014. A Wickbold,
segunda marca no setor de pães industrializados no País está de olho na
castanha-do-Pará e a suíça Firmenich, com faturamento global de US$ 3 bilhões
ao ano, já usa uma tonelada por ano do óleo de copaíba da Terra do Meio na
fabricação de fragrâncias e aromas desde 2011.
O retorno da borracha, do barracão do patrão à
cantina do seringueiro
Pedro Pereira de Castro é cantineiro na Terra do
Meio. Inspirada em barracões que pertenciam aos patrões da seringa, as cantinas
eram lugares em que os seringueiros do século passado deixavam sua produção de
borracha em troca de alimentos de primeira necessidade. Sobrava pouco dinheiro
e muitas vezes dívidas no saldo de meses nos seringais.
Hoje, um extrativista escolhido pela comunidade
administra o barracão e um, ainda singelo, capital de giro. Cerca de 30
famílias acessam a cantina de Pereira e tem a opção de trocar a produção por
outros produtos ou receber em dinheiro na hora. Nove cantinas funcionam na
região. “As cantinas representam dinheiro na mão para comprar qualquer coisa
que o extrativista necessite”, explica o antropólogo Augusto Postigo, que há 15
anos apoia o fortalecimento da organização social e econômica de populações
extrativistas.
Produção de óleo de copaíba
“Antes a gente produzia e não tinha pra quem
vender, hoje tem pra quem vender”, afirma o cantineiro Pedro Pereira de Castro.
Ter comprador o ano inteiro e dinheiro para comprar o que precisa impulsionaram
a economia local. Em 2014, a safra da castanha dobrou na região, de 1200 foi
para 2040 caixas. A produção da borracha saltou em 57% em 2014 e a copaíba
bateu 1,2 toneladas.
Comércio justo na floresta
A Wickbold é a mais recente parceira na região da
Terra do Meio. Por dia, a empresa fabrica 70 mil pães utilizando
castanha-do-Pará nas massas. A empresa pretende comprar grande parte da próxima
safra extrativista. Vai pagar mais para ter a oportunidade de negociar
diretamente com a comunidade produtora e receber uma matéria prima extraída e
beneficiada oriunda de uma floresta protegida.
Du Carmo, que trabalha na maior floresta tropical
do mundo, guiou o pessoal da empresa que veio participar da II Semana do
Extrativismo da Terra do Meio e foi conhecer a castanha-do-Pará na sua origem,
distante três mil km do escritório, em São Paulo.
Caminharam por quatro km de trilha na mata fechada
da Resex do Iriri até chegar na majestosa castanheira de 30 metros de altura,
rodeada de ouriços no chão. Com um facão afiado em uma mão e um ouriço de
castanha ainda fechado na outra, Du Carmo dispara três batidas certeiras até
que o ouriço se quebra e as 15 castanhas in natura vão para a cesta, chamada de
paneiro.
O extrativista Du Carmo coleta 50 kg de castanha
por dia durante a safra, que dura 4 meses. No próximo período corta a
seringueira e produz borracha em manta e prensada e enquanto tudo isso acontece
ainda planta milho, mandioca e feijão.
O extrativista é pai de 4 filhos. Três deles foram
pra o centro da cidade de Altamira estudar. O mais novo, de 10 anos, estuda em
uma das 15 escolas da comunidade, todas com menos de dois anos de
funcionamento. “A tendência é que ele vai querer ficar aqui porque agora tem
mais futuro pra ele aqui do que na cidade”, explica Du Carmo.
O papel de cada um
As associações das Resex do Riozinho do Anfrísio,
Rio Iriri e Rio Xingu se comprometem a entregar à Wickbold uma castanha de
qualidade, estimular mais jovens para trabalhar com extrativismo e produzir ao
seu tempo e ao seu modo, com a garantia de que agora terão compradores para
toda a safra, seja ela quanto for e quando for, a um preço definido e acordado
entre todos da comunidade.
Os parceiros destas populações, como o Instituto
Socioambiental (ISA), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola
(Imaflora) e a Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP) assinam o termo de
compromisso com a Wickbold, garantindo que irão continuar apoiando tecnicamente
as populações, com um time de profissionais, técnicos de campo, advogados,
antropólogos, engenheiros de produção que acompanham as reuniões e o
fortalecimento das associações, para que elas possam acessar recursos,
políticas públicas e realizarem prestação de contas destes acessos. Analisando
frequentemente a cadeia produtiva do início ao fim, identificando nós e
entraves que possam dificultar a produção e comercialização.
A Hora do Estado do Pará
O calcanhar de Aquiles dos extrativistas da Terra
do Meio e demais produtores de borrada do Estado do Pará é a chamada pauta da
borracha. A pauta esta fixada em R$6 reais pelo governo do Pará. O que
significa que o ICMS de 12% incide sobre o valor de R$6 reais por quilo, quando
na verdade, a borracha é vendida a uma média de R$2 reais. O sobreimposto
fixado pelo governo foi uma estratégia antiga para incentivar que o produto
ficasse no Pará. Hoje significa mais uma dificuldade enfrentada por estas
populações na hora de escoar o produto.
O látex extraído nos seringais se transforma em
borracha prensada, comercializada pelos extrativistas a preço justo.
O Governo Federal criou políticas públicas de
garantia de preço mínimo (PGPM) e acesso a capital de giro para formação de
estoque. “Mas estão longe da realidade destas populações, exigem documentos e
alvarás e deslocamentos para ir até a cidade utilizar o banco inviáveis”,
explica o engenheiro de produção do ISA, Jefferson Straatmann. A logística para
sair de uma Resex e ir até o banco na cidade custa de mil a três mil reais
somente em combustível.
O acesso às políticas são realizados pela Companhia
Nacional de Abastecimento (Conab). O órgão diz que a política tem funcionado no
país, que mais de 50 mil extrativistas já acessaram a modalidade criada
especificamente para a conservação da biodiversidade, mas reconhece a
dificuldade em chegar à base. Mais de 10 milhões em recursos não saíram dos
cofres públicos da política pela dificuldade do acesso. “Se o governo subsidia
a produção e escoamento dos grandes produtores de milho e soja, também tem que
atuar mais forte no campo extrativista, nós reconhecemos isso”, avalia a
gerente de produtos da sociobiodiversidade da Conab, Ianelli Sobral.
O Futuro está aqui
Quase 100 bilhões em investimentos em obras de
infraestrutura estão previstos para os próximos seis anos na Amazônia. São
empreendimentos que vão trazer energia elétrica, minério, madeira e soja. Obras
prioritárias para o Estado e que continuam desprotegendo nossa maior floresta
tropical do mundo. Belo Monte, por exemplo, chegou na região há mais de três
anos e já deixa um legado de impactos irreversíveis a estes povos.
No coração desta Amazônia brasileira começa a se
estruturar uma cadeia produtiva capaz de trazer benefícios de uma ponta a
outra, consumidor e produtor, empresa e comunidade.
O Brasil já derrubou 20% da área florestal da
Amazônia, chamada por cientistas de uma “gigante usina de serviços
socioambientais”, que com a “transpiração” das árvores, emana 20 bilhões de
litros de água por dia na atmosfera, o equivalente a oito mil piscinas
olímpicas e garante as chuvas que abastecem grande parte da produção de
alimentos do país.
O que a população que continua a proteger esta
usina e a garantir a água do Sudeste quer, sem ganhar nada por isso, é que a
régua de investimentos seja mais justa e que os investimentos de uma economia
da floresta em pé cheguem até a base.
*A reportagem foi produzida durante a II Semana do
Extrativismo da Terra do Meio, que aconteceu nos dias 17 e 18 de maio, no
centro da Reserva Extrativista do Iriri, no sul do Pará. Mais de 150 pessoas
entre extrativistas e indígenas, gestores das Unidades de Conservação e
representantes dos governos municipal, estadual e federal e organizações
atuantes na região também participaram do evento.
Veja galeria de fotos publicadas no site logo após a realização
da II Semana do Extrativismo em maio .
*A reportagem foi produzida durante a II Semana do
Extrativismo da Terra do Meio, que aconteceu nos dias 17 e 18 de maio, no
centro da Reserva Extrativista do Iriri, no sul do Pará. Mais de 150 pessoas
entre extrativistas e indígenas, gestores das Unidades de Conservação e
representantes dos governos municipal, estadual e federal e organizações
atuantes na região também participaram do evento.
Fonte: Instituto
Socioambiental
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