terça-feira, 7 de julho de 2015

Extrativistas constróem cadeia de valor gerando renda e protegendo a floresta.
Por Leticia Leite, do ISA – 
Eles sobreviveram às ameaças dos grileiros de terras que os que ameaçavam, expulsavam e matavam. Hoje, em três reservas extrativistas (Riozinho do Anfrísio, Iriri e Xingu), da Terra do Meio produzem castanha-do-Pará, borracha, copaíba, babaçu, óleo de andiroba e mais uma cesta de produtos extraídas da floresta amazônica que ajudam a proteger e onde seus filhos têm saúde e educação (*)

Já pensou em consumir produtos e alimentos de origem conhecida, comercializados com preço justo, feito por pessoas que tocam coletivamente seu próprio modelo de negócio? Se já chegou até aqui, chegue mais perto e conheça a castanha-do-Pará, borracha, copaíba, babaçu, óleo de andiroba e mais uma cesta de produtos extraídas do meio da floresta amazônica e que começam a chegar nas prateleiras dos mercados de todo o País. É a cadeia de valor da Terra do Meio, no sul do Pará.
Secagem da amêndoa de babaçu na mini usina de beneficiamento da Resex do Iriri.

É preciso saber de início que a origem dosos produtos das comunidades que vive entre os rios Xingu e Iriri, vêem de um local onde as crianças podem frequentar a escola e proteger a Amazônia ao mesmo tempo.

Esta é a realidade recente de 300 famílias que vivem espalhadas em três reservas extrativistas da Terra do Meio, 1,5 milhões de hectares de floresta protegidos no Pará, distante até 400 km de rio do centro urbano de Altamira.

São filhos e netos dos soldados da borracha, que desde o tempo da Segunda Guerra Mundial viveram uma relação de exploração dos patrões da seringa e absoluta ausência do Estado, e hoje estão recriando a economia da floresta em que vivem.

Já nos idos dos anos 2000 quase perderam o direito de viver no território em que nasceram para o maior escândalo de grilagem de terra da história do Brasil, possivelmente do mundo. Resistiram a ameaças de homens que rasgavam estradas, queimavam casas, expulsando e matando este povo, que sequer tinha identidade.

Governo cria primeira Resex da Terra do Meio

Em 2004 o Estado brasileiro começou a fazer sua parte. A primeira Reserva Extrativista (Resex) da Terra do Meio a ser criada foi a Riozinho do Anfrísio, assinada por Lula em 2004, na sequência, veio a do Iriri e finalmente a do Xingu, já em 2008. A criação das Resex junto com uma sequências de ações judiciais fizeram com que grileiros que tentavam roubar terras públicas fossem varridos, um a um.

Em uma década, homens e mulheres analfabetos conseguiram articular uma rede de parcerias institucionais que envolveu ministérios, prefeitura e organizações da sociedade civil até fazer com que toda uma geração pudesse ter a escolha de viver bem onde nasceu.

Enquanto o Estado permanece míope diante da possibilidade de frear o desmatamento e conter a extração ilegal de madeira com geração de renda para populações que vivem em Terras Indígenas e Unidades de Conservação no Pará, empresas veem com bons olhos a possibilidade de realizar contratos diretos e com garantia de origem. A gaúcha Mercur, impulsiona a volta dos seringais nas reservas há cinco anos, elo fundamental para que a produção da Terra do Meio chegasse a 4 toneladas de borracha em 2014. A Wickbold, segunda marca no setor de pães industrializados no País está de olho na castanha-do-Pará e a suíça Firmenich, com faturamento global de US$ 3 bilhões ao ano, já usa uma tonelada por ano do óleo de copaíba da Terra do Meio na fabricação de fragrâncias e aromas desde 2011.

O retorno da borracha, do barracão do patrão à cantina do seringueiro

Pedro Pereira de Castro é cantineiro na Terra do Meio. Inspirada em barracões que pertenciam aos patrões da seringa, as cantinas eram lugares em que os seringueiros do século passado deixavam sua produção de borracha em troca de alimentos de primeira necessidade. Sobrava pouco dinheiro e muitas vezes dívidas no saldo de meses nos seringais.

Hoje, um extrativista escolhido pela comunidade administra o barracão e um, ainda singelo, capital de giro. Cerca de 30 famílias acessam a cantina de Pereira e tem a opção de trocar a produção por outros produtos ou receber em dinheiro na hora. Nove cantinas funcionam na região. “As cantinas representam dinheiro na mão para comprar qualquer coisa que o extrativista necessite”, explica o antropólogo Augusto Postigo, que há 15 anos apoia o fortalecimento da organização social e econômica de populações extrativistas.
Produção de óleo de copaíba

“Antes a gente produzia e não tinha pra quem vender, hoje tem pra quem vender”, afirma o cantineiro Pedro Pereira de Castro. Ter comprador o ano inteiro e dinheiro para comprar o que precisa impulsionaram a economia local. Em 2014, a safra da castanha dobrou na região, de 1200 foi para 2040 caixas. A produção da borracha saltou em 57% em 2014 e a copaíba bateu 1,2 toneladas.

Comércio justo na floresta

A Wickbold é a mais recente parceira na região da Terra do Meio. Por dia, a empresa fabrica 70 mil pães utilizando castanha-do-Pará nas massas. A empresa pretende comprar grande parte da próxima safra extrativista. Vai pagar mais para ter a oportunidade de negociar diretamente com a comunidade produtora e receber uma matéria prima extraída e beneficiada oriunda de uma floresta protegida.

Du Carmo, que trabalha na maior floresta tropical do mundo, guiou o pessoal da empresa que veio participar da II Semana do Extrativismo da Terra do Meio e foi conhecer a castanha-do-Pará na sua origem, distante três mil km do escritório, em São Paulo.

Caminharam por quatro km de trilha na mata fechada da Resex do Iriri até chegar na majestosa castanheira de 30 metros de altura, rodeada de ouriços no chão. Com um facão afiado em uma mão e um ouriço de castanha ainda fechado na outra, Du Carmo dispara três batidas certeiras até que o ouriço se quebra e as 15 castanhas in natura vão para a cesta, chamada de paneiro.
O extrativista Du Carmo coleta 50 kg de castanha por dia durante a safra, que dura 4 meses. No próximo período corta a seringueira e produz borracha em manta e prensada e enquanto tudo isso acontece ainda planta milho, mandioca e feijão.

O extrativista é pai de 4 filhos. Três deles foram pra o centro da cidade de Altamira estudar. O mais novo, de 10 anos, estuda em uma das 15 escolas da comunidade, todas com menos de dois anos de funcionamento. “A tendência é que ele vai querer ficar aqui porque agora tem mais futuro pra ele aqui do que na cidade”, explica Du Carmo.

O papel de cada um

As associações das Resex do Riozinho do Anfrísio, Rio Iriri e Rio Xingu se comprometem a entregar à Wickbold uma castanha de qualidade, estimular mais jovens para trabalhar com extrativismo e produzir ao seu tempo e ao seu modo, com a garantia de que agora terão compradores para toda a safra, seja ela quanto for e quando for, a um preço definido e acordado entre todos da comunidade.

Os parceiros destas populações, como o Instituto Socioambiental (ISA), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e a Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP) assinam o termo de compromisso com a Wickbold, garantindo que irão continuar apoiando tecnicamente as populações, com um time de profissionais, técnicos de campo, advogados, antropólogos, engenheiros de produção que acompanham as reuniões e o fortalecimento das associações, para que elas possam acessar recursos, políticas públicas e realizarem prestação de contas destes acessos. Analisando frequentemente a cadeia produtiva do início ao fim, identificando nós e entraves que possam dificultar a produção e comercialização.

A Hora do Estado do Pará

O calcanhar de Aquiles dos extrativistas da Terra do Meio e demais produtores de borrada do Estado do Pará é a chamada pauta da borracha. A pauta esta fixada em R$6 reais pelo governo do Pará. O que significa que o ICMS de 12% incide sobre o valor de R$6 reais por quilo, quando na verdade, a borracha é vendida a uma média de R$2 reais. O sobreimposto fixado pelo governo foi uma estratégia antiga para incentivar que o produto ficasse no Pará. Hoje significa mais uma dificuldade enfrentada por estas populações na hora de escoar o produto.
O látex extraído nos seringais se transforma em borracha prensada, comercializada pelos extrativistas a preço justo.

O Governo Federal criou políticas públicas de garantia de preço mínimo (PGPM) e acesso a capital de giro para formação de estoque. “Mas estão longe da realidade destas populações, exigem documentos e alvarás e deslocamentos para ir até a cidade utilizar o banco inviáveis”, explica o engenheiro de produção do ISA, Jefferson Straatmann. A logística para sair de uma Resex e ir até o banco na cidade custa de mil a três mil reais somente em combustível.

O acesso às políticas são realizados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). O órgão diz que a política tem funcionado no país, que mais de 50 mil extrativistas já acessaram a modalidade criada especificamente para a conservação da biodiversidade, mas reconhece a dificuldade em chegar à base. Mais de 10 milhões em recursos não saíram dos cofres públicos da política pela dificuldade do acesso. “Se o governo subsidia a produção e escoamento dos grandes produtores de milho e soja, também tem que atuar mais forte no campo extrativista, nós reconhecemos isso”, avalia a gerente de produtos da sociobiodiversidade da Conab, Ianelli Sobral.

O Futuro está aqui

Quase 100 bilhões em investimentos em obras de infraestrutura estão previstos para os próximos seis anos na Amazônia. São empreendimentos que vão trazer energia elétrica, minério, madeira e soja. Obras prioritárias para o Estado e que continuam desprotegendo nossa maior floresta tropical do mundo. Belo Monte, por exemplo, chegou na região há mais de três anos e já deixa um legado de impactos irreversíveis a estes povos.

No coração desta Amazônia brasileira começa a se estruturar uma cadeia produtiva capaz de trazer benefícios de uma ponta a outra, consumidor e produtor, empresa e comunidade.

O Brasil já derrubou 20% da área florestal da Amazônia, chamada por cientistas de uma “gigante usina de serviços socioambientais”, que com a “transpiração” das árvores, emana 20 bilhões de litros de água por dia na atmosfera, o equivalente a oito mil piscinas olímpicas e garante as chuvas que abastecem grande parte da produção de alimentos do país.

O que a população que continua a proteger esta usina e a garantir a água do Sudeste quer, sem ganhar nada por isso, é que a régua de investimentos seja mais justa e que os investimentos de uma economia da floresta em pé cheguem até a base.

*A reportagem foi produzida durante a II Semana do Extrativismo da Terra do Meio, que aconteceu nos dias 17 e 18 de maio, no centro da Reserva Extrativista do Iriri, no sul do Pará. Mais de 150 pessoas entre extrativistas e indígenas, gestores das Unidades de Conservação e representantes dos governos municipal, estadual e federal e organizações atuantes na região também participaram do evento.

Veja galeria de fotos publicadas no site logo após a realização da II Semana do Extrativismo em maio .
*A reportagem foi produzida durante a II Semana do Extrativismo da Terra do Meio, que aconteceu nos dias 17 e 18 de maio, no centro da Reserva Extrativista do Iriri, no sul do Pará. Mais de 150 pessoas entre extrativistas e indígenas, gestores das Unidades de Conservação e representantes dos governos municipal, estadual e federal e organizações atuantes na região também participaram do evento.


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