segunda-feira, 27 de julho de 2015

O Brics constrói uma Nova Ordem Mundial?
A represa de Bakun, em Sarawang, na Malásia, foi construída conjuntamente com capitais chineses e malaios. Foto: Malaysia China Hydro Inc.

Por Daya Thussu*

Londres, Grã-Bretanha, 3/7/2015 – Os líderes dos cinco países que integram o grupo Brics terão sua cúpula anual entre os dias 8 e 10 deste mês, na cidade russa de Ufa, e seguramente a crise econômica na União Europeia e a situação da segurança no Oriente Médio dominarão sua agenda.

A sigla e o conceito do Bric foram criados em 2001 por Jim O’Neill, um executivo do banco de investimento Goldman Sachs e atual ministro no governo da Grã-Bretanha. A África do Sul aderiu em 2011, a pedido da China, com a consequente mudança do nome para o atual Brics.

Embora funcione como grupo desde 2006 e realize cúpulas anuais desde 2009, o Brics não recebe tanta atenção dos meios de comunicação internacionais, em parte devido às diferenças políticas e socioculturais e às díspares etapas de desenvolvimento de seus integrantes.

A aparição desse tipo de grupo coincide com o relativo declínio econômico do Norte industrializado. Isso permitiu a participação de potências emergentes, como China e Índia, nas estruturas de governança mundial, até agora dominadas pelos Estados Unidos e seus aliados. O centro de gravidade econômica está se deslocando do Ocidente, como reconhece o governo norte-americano de Barack Obama, para o qual o eixo da política externa se traslada para a Ásia.

No ranking das 500 maiores empresas do mundo, publicado pela revista norte-americana Fortune, Brasil, China, Índia e Rússia passaram de ter 27 transnacionais com sede em seus países, em 2005, para mais de cem em 2015.

A Huawei, uma empresa chinesa de equipamentos de telecomunicações, tem registrada a maior quantidade de patentes internacionais. A brasileira Petrobras é a quarta maior empresa petroleira do mundo, enquanto o grupo Tata se converteu no primeiro conglomerado da Índia a ter renda superior a US$ 100 bilhões ao ano.

Desde 2006, a China é o maior possuidor de reservas de divisas, cujo valor é calculado em US$ 3,8 trilhões em 2015. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), o produto interno bruto chinês superou o dos Estados Unidos em 2014, por isso que é a maior economia mundial em função da paridade de poder aquisitivo.

Em termos mais gerais, os principais países do Sul global tiveram impressionante crescimento econômico nas últimas décadas. O informe de  2013 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, intitulado A Ascensão do Sul, prognosticou que em 2020 a produção econômica combinada de Brasil, China e Índia superará a produção acumulada de Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Itália.

Apesar das relações individuais entre os países do BricS e os Estados Unidos diferirem notavelmente, o grupo foi concebido como uma alternativa ao poder de Washington, e é a única agrupação importante que não inclui os Estados Unidos ou outro membro do Grupo dos Sete (G7) países mais ricos. Entretanto, e com a possível exceção da Rússia, nenhum dos cinco membros do Brics está disposto a enfrentar os Estados Unidos, país com o qual têm sua relação mais importante. De fato, a China é um dos maiores investidores nos Estados Unidos enquanto Brasil, Índia e África do Sul demonstram afinidades democráticas com o Norte industrial.

Embora a ideia do Bric tenha nascido na Rússia, a China se converteu na força impulsionadora do grupo atual. O escritor britânico Martin Jacques diz, em seu bestseller When China Rules the World (Quando a China Governar o Mundo), que Pequim opera “tanto dentro quanto fora do sistema internacional existente e, ao mesmo tempo, patrocina um novo sistema internacional centrado na China, que coexistirá com o sistema atual e começará a usurpá-lo”.

Uma manifestação de que esta mudança é a criação do Novo Banco de Desenvolvimento do Brics, com sede em Xangai, que financiará projetos de desenvolvimento alternativos aos do Banco Mundial e do FMI. A China fez o maior aporte ao banco, o que provavelmente aumenta seu predomínio no grupo.

Mas, além do Brics, Pequim também inaugurou o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura, que já conta com 57 membros, entre eles Alemanha, Austrália e Grã-Bretanha, e no qual a China terá mais de 25% dos direitos de voto. Índia e Rússia são o segundo e terceiro acionistas do banco, respectivamente.

Essas mudanças repercutem nas comunicações. A China investiu milhares de milhões de dólares em suas comunicações externas, incluída a expansão de suas redes de radiodifusão, como a CCTV News e a televisão em inglês de Xinhua, a CNC World. A Rússia também entrou no mundo das notícias em inglês, em 2005, com a rede Russia Today, agora conhecida como RT, que também transmite 24 horas por dia em árabe e espanhol.

Entretanto, como revela o livro Mapping Brics Media (O Mapa da Mídia dos Brics), do qual sou editor juntamente com Kaarle Nordenstreng, da Universidade de Tampere, na Finlândia, há pouquíssimo intercâmbio midiático dentro do Brics, e seus países continuam recebendo notícias internacionais em grande parte dos meios de comunicação anglo-norte-americanos.

A crescente cooperação econômica entre Pequim e Moscou indica que existe uma nova equação econômica entre ambos, fora do controle ocidental. Dois acordos comerciais que estão sendo negociados e liderados por Estados Unidos, Associação Transatlântica de Comércio e Investimentos (TTIP) e Aliança Transpacífica (TPP) excluem os países do Brics, em parte como reação à competição da China. Por sua vez, Pequim parece ter utilizado o Brics para assinalar que está ascendendo “com o resto” de seus integrantes e, portanto, é menos ameaçadora para a hegemonia ocidental.

A cúpula do Brics acontecerá em conjunto com a reunião do Conselho de Chefes de Estado da Organização de Cooperação de Xangai (OCS). A única vez que as duas cúpulas aconteceram de maneira conjunta foi também na Rússia, em 2009, na cidade de Ekaterinburgo. Além de China e Rússia, membros do Brics, a OCS inclui Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão.

A organização não ampliou sua quantidade de integrantes desde que foi criada em 2001. A Índia tem status de “observadora” dentro da OCS, embora se fale que na cúpula de Ufa poderia obter a adesão plena. Se isso ocorrer, o “eixo” teria se trasladado mais um pouco para a Ásia.

* Daya Thussu é professor de Comunicação Internacional na Universidade de Westminster, na Grã-Bretanha.


Fonte: ENVOLVERDE

Nenhum comentário:

Postar um comentário