O Brics
constrói uma Nova Ordem Mundial?
A represa de Bakun, em Sarawang, na Malásia, foi
construída conjuntamente com capitais chineses e malaios. Foto: Malaysia China
Hydro Inc.
Por Daya Thussu*
Londres, Grã-Bretanha, 3/7/2015 – Os líderes dos
cinco países que integram o grupo Brics terão sua cúpula anual entre os dias 8
e 10 deste mês, na cidade russa de Ufa, e seguramente a crise econômica na
União Europeia e a situação da segurança no Oriente Médio dominarão sua agenda.
A sigla e o conceito do Bric foram criados em 2001
por Jim O’Neill, um executivo do banco de investimento Goldman Sachs e atual
ministro no governo da Grã-Bretanha. A África do Sul aderiu em 2011, a pedido
da China, com a consequente mudança do nome para o atual Brics.
Embora funcione como grupo desde 2006 e realize
cúpulas anuais desde 2009, o Brics não recebe tanta atenção dos meios de
comunicação internacionais, em parte devido às diferenças políticas e
socioculturais e às díspares etapas de desenvolvimento de seus integrantes.
A aparição desse tipo de grupo coincide com o
relativo declínio econômico do Norte industrializado. Isso permitiu a
participação de potências emergentes, como China e Índia, nas estruturas de
governança mundial, até agora dominadas pelos Estados Unidos e seus aliados. O
centro de gravidade econômica está se deslocando do Ocidente, como reconhece o
governo norte-americano de Barack Obama, para o qual o eixo da política externa
se traslada para a Ásia.
No ranking das 500 maiores empresas do
mundo, publicado pela revista norte-americana Fortune, Brasil, China,
Índia e Rússia passaram de ter 27 transnacionais com sede em seus países, em
2005, para mais de cem em 2015.
A Huawei, uma empresa chinesa de equipamentos de
telecomunicações, tem registrada a maior quantidade de patentes internacionais.
A brasileira Petrobras é a quarta maior empresa petroleira do mundo, enquanto o
grupo Tata se converteu no primeiro conglomerado da Índia a ter renda superior
a US$ 100 bilhões ao ano.
Desde 2006, a China é o maior possuidor de reservas
de divisas, cujo valor é calculado em US$ 3,8 trilhões em 2015. Segundo o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o produto interno bruto chinês superou o dos
Estados Unidos em 2014, por isso que é a maior economia mundial em função da
paridade de poder aquisitivo.
Em termos mais gerais, os principais países do Sul
global tiveram impressionante crescimento econômico nas últimas décadas. O
informe de 2013 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento,
intitulado A Ascensão do Sul, prognosticou que em 2020 a produção
econômica combinada de Brasil, China e Índia superará a produção acumulada de
Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Itália.
Apesar das relações individuais entre os países do
BricS e os Estados Unidos diferirem notavelmente, o grupo foi concebido como
uma alternativa ao poder de Washington, e é a única agrupação importante que
não inclui os Estados Unidos ou outro membro do Grupo dos Sete (G7) países mais
ricos. Entretanto, e com a possível exceção da Rússia, nenhum dos cinco membros
do Brics está disposto a enfrentar os Estados Unidos, país com o qual têm sua
relação mais importante. De fato, a China é um dos maiores investidores nos
Estados Unidos enquanto Brasil, Índia e África do Sul demonstram afinidades
democráticas com o Norte industrial.
Embora a ideia do Bric tenha nascido na Rússia, a
China se converteu na força impulsionadora do grupo atual. O escritor britânico
Martin Jacques diz, em seu bestseller When China Rules the World
(Quando a China Governar o Mundo), que Pequim opera “tanto dentro quanto fora
do sistema internacional existente e, ao mesmo tempo, patrocina um novo sistema
internacional centrado na China, que coexistirá com o sistema atual e começará
a usurpá-lo”.
Uma manifestação de que esta mudança é a criação do
Novo Banco de Desenvolvimento do Brics, com sede em Xangai, que financiará
projetos de desenvolvimento alternativos aos do Banco Mundial e do FMI. A China
fez o maior aporte ao banco, o que provavelmente aumenta seu predomínio no
grupo.
Mas, além do Brics, Pequim também inaugurou o Banco
Asiático de Investimento em Infraestrutura, que já conta com 57 membros, entre
eles Alemanha, Austrália e Grã-Bretanha, e no qual a China terá mais de 25% dos
direitos de voto. Índia e Rússia são o segundo e terceiro acionistas do banco,
respectivamente.
Essas mudanças repercutem nas comunicações. A China
investiu milhares de milhões de dólares em suas comunicações externas, incluída
a expansão de suas redes de radiodifusão, como a CCTV News e a televisão em
inglês de Xinhua, a CNC World. A Rússia também entrou no mundo das notícias em
inglês, em 2005, com a rede Russia Today, agora conhecida como RT, que também
transmite 24 horas por dia em árabe e espanhol.
Entretanto, como revela o livro Mapping Brics
Media (O Mapa da Mídia dos Brics), do qual sou editor juntamente com Kaarle
Nordenstreng, da Universidade de Tampere, na Finlândia, há pouquíssimo
intercâmbio midiático dentro do Brics, e seus países continuam recebendo
notícias internacionais em grande parte dos meios de comunicação
anglo-norte-americanos.
A crescente cooperação econômica entre Pequim e
Moscou indica que existe uma nova equação econômica entre ambos, fora do
controle ocidental. Dois acordos comerciais que estão sendo negociados e
liderados por Estados Unidos, Associação Transatlântica de Comércio e
Investimentos (TTIP) e Aliança Transpacífica (TPP) excluem os países do Brics,
em parte como reação à competição da China. Por sua vez, Pequim parece ter
utilizado o Brics para assinalar que está ascendendo “com o resto” de seus
integrantes e, portanto, é menos ameaçadora para a hegemonia ocidental.
A cúpula do Brics acontecerá em conjunto com a
reunião do Conselho de Chefes de Estado da Organização de Cooperação de Xangai
(OCS). A única vez que as duas cúpulas aconteceram de maneira conjunta foi
também na Rússia, em 2009, na cidade de Ekaterinburgo. Além de China e Rússia,
membros do Brics, a OCS inclui Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e
Uzbequistão.
A organização não ampliou sua quantidade de
integrantes desde que foi criada em 2001. A Índia tem status de
“observadora” dentro da OCS, embora se fale que na cúpula de Ufa poderia obter
a adesão plena. Se isso ocorrer, o “eixo” teria se trasladado mais um pouco
para a Ásia.
* Daya Thussu é professor de Comunicação
Internacional na Universidade de Westminster, na Grã-Bretanha.
Fonte: ENVOLVERDE
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