Política
Nacional do Eterno Adiamento.
Os lixões deveriam ter sido fechados e substituídos
por aterros sanitários em todo o território nacional desde agosto de 2014.
Foto: Shutterstock.
Por Reinaldo Canto*
Não são raros os casos de leis que demoram muitos
anos para efetivamente entrarem em vigor, em geral são aquelas que mexem com
interesses de setores ou que requerem ações mais efetivas e céleres do poder
público, mesmo que a sociedade como um todo seja prejudicada em função desse
atraso.
No caso da Política Nacional de Resíduos Sólidos a
questão em destaque é o fim dos lixões em todos os municípios brasileiros.
Quando a lei foi aprovada pelo Congresso Nacional em 2010 (Lei 12.305/2010),
depois de tramitar por lá nada menos que 20 anos, as cidades que ainda não
faziam seus descartes de resíduos em aterros sanitários, teriam quatro bons
anos para se adequar a lei. Eis que ao final do prazo, agosto de 2014, o
Congresso brasileiro decidiu pela prorrogação por mais um ano, ou seja, agosto
de 2015.
Com a proximidade do fim do prazo e diante da falta
de empenho dos municípios, não deve causar estranheza o fato de o Senado
Federal propor um novo adiamento. Um projeto de lei (PLS 425/2015) aprovou a
prorrogação, desta feita de maneira escalonada, para que os municípios se
adaptem à PNRS no que se refere ao fim dos lixões. O PL dos digníssimos
senadores representantes da Câmara Alta brasileira definiu que: capitais e
municípios de regiões metropolitanas terão até 31 de julho de 2018 para acabar
com os lixões; já os municípios de fronteira e os que contam com mais de 100
mil habitantes terão um ano a mais (31/07/2019) para implementar os
aterros sanitários; em relação as cidades que têm entre 50 e 100 mil habitantes
terão prazo ainda maior, ou seja, até 31/07/2020; e os municípios com menos de
50 mil habitantes serão favorecidos com uma extensão de prazo até 31/07/2021,
para cumprir o que determinava a lei. Agora o projeto seguirá para a Câmara dos
Deputados para apreciação e, apesar de não ter bola de cristal, posso afirmar
que os atuais deputados pelo que temos visto até agora, certamente não deverão
alterar a proposta do Senado.
Os lixões, como já disse antes, deveriam ter sido
fechados e substituídos por aterros sanitários em todo o território nacional
desde agosto do ano passado, mas quase três mil municípios e o Distrito Federal
ainda não conseguiram cumprir as determinações. Segundo afirmou o senador
Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), autor da emenda que estabelece prazos
diferenciados para o fim dos lixões, em declaração a Agência Senado, “a
prorrogação do prazo é importante para os municípios conseguirem se adaptar à
lei”. O senador argumentou que, em 2013, havia 1.196 lixões contra apenas 652
aterros sanitários no país e que para a criação de aterros sanitários são
necessária ações complementares como definição de áreas de transbordo,
implementação de coleta seletiva e campanhas educativas. Caso essas ações não
sejam implementadas, argumentou Bezerra, os aterros ficariam prejudicados.
Outra posição a favor do adiamento do fim dos
lixões veio da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), ao afirmar à Agência
Senado, que “a maior parte dos municípios, por falta de quadros técnicos e
gerenciais qualificados e de insuficiência de recursos financeiros, não
conseguiu cumprir a determinação legal”. Ela considerou que a lei não foi
realista quanto à extensão do problema e que foi definido um prazo exíguo para
o seu cumprimento.
Apesar de fazer sentido toda essa argumentação, ela
só chegou nessa situação durante todo esse período de vigência da lei, por
muito pouco ter sido feito para soluciona-lo. Nesses cinco anos, a discussão
sobre o fim dos lixões, no mínimo, deveria ter estado no centro do debate tanto
na esfera municipal, como também na estadual e federal. Não foi isso o que
assistimos e, o problema só se agravou desde então.
Necessidade de altos investimentos
Segundo a Abrelpe – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública
e Resíduos Especiais, das cerca de 70 milhões de toneladas de resíduos
sólidos urbanos coletadas no Brasil anualmente, 42% ainda têm destino
inadequado por serem descartados em lixões e aterros controlados. A entidade
divulgou recentemente um estudo inédito que estima o valor dos investimentos
necessários para universalizar os serviços de tratamento e destinação final
adequada de resíduos no país, em R$ 11,6 bilhões até 2031. Além desse valor
também deveriam ser destinados outros R$ 15,59 bilhões ao ano para custear a
operação e manutenção das plantas a serem construídas.
Para a Abrelpe, a maneira como se destinam os
resíduos é a mesma que se fazia desde a década de 70, ou seja, de modo linear e
de mínimo aproveitamento dos materiais. “Para universalizar a destinação final
adequada nos termos da PNRS, o desafio está na implementação de um sistema
cíclico, que abrange o maior aproveitamento e recuperação dos materiais,
através da coleta seletiva, compostagem, reciclagem, recuperação energética e
disposição final em aterro sanitário”, afirma Carlos Silva Filho, diretor-presidente
da ABRELPE. “Tendo em vista o ritmo de crescimento registrado nos últimos anos,
se o setor não contar com os recursos adequados e necessários para viabilizar
os avanços, a sociedade e o meio ambiente continuarão por muito tempo sofrendo
com a mazela dos lixões e com o desperdício de materiais”, acrescenta.
Para nossas autoridades e representantes eleitos
para atender aos maiores interesses da sociedade brasileira, talvez ainda falte
entender a importância para todos de uma boa gestão de resíduos. Ao adiarem
indefinidamente algo que, antes de qualquer coisa, tem a ver com saúde pública
e qualidade de vida, eles também postergam a responsabilidade para a solução do
problema fazendo com que se agrave mais a cada dia. Há um esgotamento crônico na
maneira como descartamos nossos lixos, ou melhor, resíduos e a tendência é que
essa conta fique cada vez mais alta.
Se ao menos nossas autoridades escutassem o apelo
do Papa Francisco na recente encíclica Laudato Si em que exorta os seres
humanos a cuidar do planeta e na qual afirmou com todas as letras: “A Terra,
nossa casa, parece se transformar a cada dia em um imenso depósito de
lixo”, quem sabe no Brasil possamos construir uma história um pouco
diferente. Então fica o pedido aos nossos deputados para que revisem ou mesmo
rejeitem essa proposta do Senado e coloquem em debate um caminho mais
construtivo que contemple da melhor maneira o interesse de todos os
brasileiros.
* Reinaldo Canto é jornalista especializado
em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência
Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de
televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil,
coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e
colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da
Envolverde, colunista de Carta Capital e assessor de imprensa e consultor da
ONG Iniciativa Verde.
Fonte: ENVOLVERDE
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