Proteger
os mangues permite ganhar a vida no Sri Lanka.
Pequenas árvores de mangue, cuidadas pelas
beneficiárias da Federação de Pequenas Pescarias de Lanka, ajudam a lagoa
Puttalam a recuperar parte de sua glória natural. O êxito do programa levou o
governo a apoiar um projeto nacional de US$ 3,4 milhões. Foto: Amantha
Perera/IPS.
Por Amantha Perera, da IPS –
Kalpitiya, Sri Lanka, 25/6/2015 – Os habitantes da
península de Kalpitiya, no distrito de Puttalam, no Sri Lanka, conhecem muito
bem a destruição deliberada que sofre sua floresta de mangue, de 8.815
hectares, e decidiram não ficar de braços cruzados. Kalpitiya tem a maior
floresta de mangue do Sri Lanka, a lagoa Puttalam, bem como ecossistemas de
mangues menores na lagoa Chilaw, 150 quilômetros ao norte de Colombo.
Nesse país, como no resto do mundo, os mangues
sofrem vários riscos. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma)
afirma que este ecossistema único, capaz de armazenar mil toneladas de dióxido
de carbono por hectare em sua biomassa, é cortado a um ritmo três a cinco vezes
maior do que outras florestas.
Um quarto dos mangues do mundo já foi destruído de
forma irreversível devido à aquicultura, agricultura, desenvolvimentos
costeiros não planejados nem sustentáveis e a superexploração de recursos. Na
costa ocidental do Sri Lanka, apesar do compromisso do governo de proteger o
que resta da floresta, o desmonte encoberto continua, embora em ritmo menor. E
talvez continue diminuindo graças a um pequeno exército de guardas florestais,
formados há pouco e muito abnegados.
Douglas Thisera, conhecido como “mestre do mangue”,
se dedica a proteger os mangues há duas décadas e meia no distrito de Puttalam.
Foto: Amantha Perera/IPS.
Conhecido como “mestre do mangue”, Douglas Thisera,
um pescador transformado em guarda florestal é diretor de conservação da
Fundação de Pequenas Pescas de Lanka (Sudeesa), e passa seus dias percorrendo
até o último rincão da lagoa Chilaw em busca de sinais de destruição. Thisera
se dedica a replantar e conservar mangues desde 1992, por isso conhece a
floresta e seus inimigos como a palma de sua mão. “De repente, aparecem
removedores de terra e outras máquinas para cortar vastas extensões de mangues,
e quando se alerta as autoridades a destruição já foi feita”, contou à IPS.
Dessa forma ocorre o desmatamento que, com anuência
estatal, começou no início da década de 1990, quando um programa de cultivo de
camarão com apoio governamental se arraigou na lagoa, e empresas privadas,
junto com outras vinculadas a dirigentes políticos, cortavam os mangues de
forma indiscriminada.
Thisera se esforçou durante anos para promover a
participação da comunidade nos esforços de conservação, mas se sentia lutando
contra um Golias. Atualmente, dentro de um programa de conservação de mangues
da região, ele não tem apenas apoio econômico, mas também conta com uma rede de
moradores tão capacitados quanto ele para a tarefa. O projeto está a cargo da
Sudeesa, cujo presidente, Anuradha Wickramasinghe, considera que só é possível
ter esperanças de salvar a floresta do retrocesso com a ação comunitária. Mas é
mais fácil falar do que fazer.
A pobreza afeta a população da região costeira
nordeste e os últimos dados do governo indicam que a renda das famílias
pesqueiras gira em torno de US$ 16 por mês e que 53% da população vive abaixo
da linha de pobreza nacional. O desemprego está 20% acima da média nacional de
4,1% da população economicamente ativa.
A Sudeesa criou um programa de microcrédito para
incentivar os esforços de conservação, desenhado especialmente para as
mulheres. Em troca de um empréstimo a juros realmente baixos para começar
empreendimentos sustentáveis, elas cuidam de árvores jovens, ajudam a replantar
zonas florestais e se encarregam de prevenir o desmatamento ilegal com fins
comerciais.
Já plantaram 170 mil árvores em uma área de 860
hectares do distrito, e agora trabalham para multiplicar esse número. As
mulheres ficam a cargo de áreas precisas, a maioria perto de suas casas. Quando
há uma invasão ou corte ilegal, utilizam as redes locais ou os telefones
celulares para denunciar. Thisera tem um papel crucial como intermediário entre
as organizações locais e as redes de autoridades, que podem ser ativadas quando
as mulheres dão o alarme.
Thisera pontuou que os grandes interesses
empresariais são a maior ameaça à população local. Embora uma epidemia no final
dos anos 1990 tenha dizimado a maioria dos cultivos de camarão e deixado
grandes tanques vazios nos mangues, as companhias são reticentes em abandonar a
área e muitas continuam pagando impostos pelas terras que ocupavam.
“Querem manter uma retenção legal para outros
fins”, como o turismo na parte norte da lagoa de Puttalam, reativado após o fim
da guerra civil de 2009, apontou Thisera. “Os mangues fazem parte de nossa
vida, de nossa cultura. Se os destruirmos estaremos destruindo a nós mesmos”,
ressaltou.
Até há três anos, Anne Priyanthi, viúva de 52 anos
com dois filhos, tinha dificuldades para alimentar sua família e não conseguia
um empréstimo por “não atender os critérios”. Mas, em 2012, a Sudeesa lhe
emprestou US$ 74, com os quais começou a criar porcos. Atualmente gera cerca de
US$ 182 mensais. Parece uma miséria, mas lhe permite manter os filhos na
escola, e isso é um êxito monumental em uma zona empobrecida.
Desde 1994, a Sudeesa outorgou 54 milhões de rúpias
(US$ 400 mil) a 3.900 mulheres no distrito de Puttalam. Responsáveis da
organização disseram que 75% dos empréstimos são devolvidos. Agora o programa
pertence a uma organização chamada Sudeesa Social Enterprises Corporation, que
tem cerca de 683 mulheres acionistas.
Enquanto ajudam a conservar os mangues, milhares de
mulheres conseguem uma vida melhor para elas e suas famílias e já não pensam a
cada momento de onde tirarão a próxima refeição. Foto: Amantha Perera/IPS.
“As acionistas encarregadas da organização decidem
os empréstimos, o plano de reembolso e o acompanhamento dos casos de atraso”,
explicou a contadora Mala Appuhami. Os microcréditos não funcionam de forma
padrão, os juros são inferiores a 3%, e como as mulheres fazem parte da
comunidade, estão mais interessadas em se ajudarem entre elas do que em
perseguir as devedoras.
Em um país onde o desemprego feminino é 2,5 vezes
superior ao masculino, um programa de conservação e sustento representa um
oásis no deserto para as mulheres de Puttalam, especialmente para as mais
velhas e sem educação formal, com muitas dificuldades para encontrar trabalho
remunerado no distrito. Suvineetha de Silva, responsável pelos créditos,
ressaltou à IPS que se notou uma mudança na atitude das mulheres, que já não
estão desalinhadas nem tímidas, agora têm a confiança dos que assumiram seus
assuntos.
E o melhor é que os mangues de Puttalam têm uma
possibilidade de continuar existindo, graças ao cuidado dessas decididas
mulheres. No mundo, estima-se que cem milhões de pessoas vivem no entorno das
florestas de mangue. Que impacto teria na biodiversidade se todas elas
seguissem o exemplo do Sri Lanka? Envolverde/IPS.
* Este artigo integra uma série especial intitulada
“O futuro é agora: dentro das comunidades mais sustentáveis do mundo”.
Fonte: ENVOLVERDE
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