quarta-feira, 15 de julho de 2015

Moda ética resgata artesãos do Sul.
A estilista haitiana-italiana Stella Jean (direita) trabalha pela Etyhical Fashion Initiative com artesãs haitianas. Foto: ITC Ethical Fashion Initiative 5.

Por D. McKenzie, da IPS – 

Paris, França, 29/6/2015 – “O trabalho é dignidade”, afirmou o italiano Simone Cipriani. “As pessoas querem emprego, não caridade”, ressaltou. Essa foi a ideia de seu programa Ethical Fashion Initiative, criado em 2009, que liga alguns dos maiores talentos da moda com artesãos da África oriental e ocidental, do Haiti e da Cisjordânia. Com sede em Genebra, na Suíça, a Ethical Fashion Initiative (EFI) agora é um programa emblemático do Centro de Comércio Internacional, uma agência vinculada à Organização Mundial do Comércio (OMC).

A EFI se concentra principalmente em mulheres dessas regiões e trabalha com estilistas como Stella McCartney e Vivienne Westwood, para facilitar o desenvolvimento e a produção de “artigos de moda éticos e de alta qualidade” por artesãos que vivem em regiões de baixa renda, tanto rurais quanto urbanas.

A iniciativa também procura fazer com que “a crescente geração de talentos da moda da África consiga colaborações de artesãos locais que respeitem o ambiente, sejam sustentáveis e satisfatórias do ponto de vista criativo. O slogan “não é caridade, apenas trabalho” reflete o interesse da iniciativa em conseguir uma indústria da moda global mais justa.

Pela primeira vez este ano, a EFI colaborou com a feira de comércio mais importante para homens, a Pitti Immagine Uomo, que contou com representantes de quatro países africanos durante o evento realizado entre os dias 16 e 19 deste mês. O diretor-geral da Pitti, Raffaello Napoleone, disse que os estilistas africanos, que este ano participaram do espaço Nação Convidada, priorizaram a produção em seus países, o que ajuda a reduzir a pobreza, e que estes já são conhecidos no mercado internacional.

Analistas de mercado preveem que o valor global do setor de vestimenta de varejo cresça 20% com relação a 2014 e que chegue a US$ 1,5 bilhão em 2017. Nesse contexto, os diferentes setores da indústria podem se converter em uma fonte de emprego em muitas regiões, do desenho à confecção e venda. Mas, nos últimos anos instalou-se, a controvérsia sobre a suposta exclusão de estilistas e modelos de origem africana em eventos de alto perfil.

A escritora Tansy E. Hoskins, autora do livro Stitched Up: The Anti-Capitalist Book of Fashion (Alfinetadas: O Livro Anticapitalista da Moda), publicado no ano passado, dedica um capítulo inteiro a questionar se a moda é racista. Várias décadas depois de uma reconhecida revista de moda ter colocado pela primeira vez uma modelo negra em sua capa, “as passarelas brancas, as campanhas de publicidade brancas e as imagens de moda brancas são a norma”, afirma a autora.
Simone Cipriani, fundador da Ethical Fashion Initiative. Foto: A. D. McKenzie/IPS.

A EFI se preocupa com a redução da pobreza e o tratamento ético dos artesãos, mas Cipriani reconhece que o racismo é um problema e que a pobreza se relaciona tanto com questões étnicas como de gênero. Na indústria da moda, há companhias que procuram aderir a padrões éticos, que contemplam a diversidade, as condições trabalhistas e a sustentabilidade ambiental, e 30 marcas internacionais subscreveram o projeto da EFI.

“Procuramos trabalhar quase que exclusivamente com marcas que têm um claro programa de responsabilidade empresarial e de participação social, do contrário sempre corremos o risco de sermos usados e termos que limpar as canalhices de outros”, pontuou Cipriani à IPS durante sua viajem a Paris para se reunir com estilistas. “Também tentamos trabalhar com grandes distribuidores e nos demos conta de que era impossível pelo que fazemos”, acrescentou.

Há dois anos, em Bangladesh, mais de 1.100 trabalhadoras morreram e 2.500 ficaram feridas no desmoronamento de uma fábrica, após serem ignorados os alertas sobre segurança. No local eram confeccionadas roupas para marcas como a italiana Benetton, que só este ano anunciou que contribuiria com um fundo de compensação para as vítimas. “O que ocorreu em Bangladesh foi um horror, e há muitas situações nas quais esse horror pode se repetir”, alertou Cipriani. “As pessoas e condições de trabalho dignas sempre devem ser o principal foco da responsabilidade”, acrescentou.

Cipriani ressaltou que, para muitos empregados que trabalham na cadeia de fornecimento da indústria do vestuário, o salário não é suficiente para viver. “Não recebem por seu trabalho um pagamento que lhes permita ter uma vida digna”, destacou.

No Haiti, conhecido tanto por seu talento artístico como por sua pobreza, os ativistas afirmam que relacionar os artesãos locais com estilistas internacionais pode ter um impacto, e o conseguiram. Por exemplo, a estilista haitiana-italiana Stella Jean, que trabalha com a EFI desde 2003, incorpora tradições haitianas do bordado e o uso de miçangas em sua coleção. Ela extrai vários elementos de seus desenhos dos projetos da EFI, disse Cipriani.

A colaboração começou com uma visita a Burkina Faso, um dos maiores produtores de algodão da África e com importante tradição de tecido feito à mão, na qual a estilista viu Jean viu a possibilidade de “trabalhar com esses têxteis produzidos com ética”. Os incorporou como um elemento principal de suas coleções de “prêt-à-porter” para homens e mulheres. No ano passado, lançou uma nova linha de bolsas produzidas no Quênia com tecidos de Burkina Faso e Mali e couro vegetal curtido queniano, “o que fez de cada bolsa um produto pan-africano”, segundo a EFI.

As estilistas McCArtney (que não quis ser entrevistada) e Westwood realizaram vários pedidos ao Quênia, e a EFI faz “avaliações de impacto” para analisar como se ajustam os padrões trabalhistas justos e “o impacto disso nas pessoas e nas comunidades onde vivem”. Cipriani explicou que “trabalhamos com mulheres que costumam viver discriminação em suas comunidades, mas, ao ter um emprego, sua posição social melhora. Conseguem independência e respeito, e em muitos casos se tornam a principal fonte de renda de suas famílias”.

Mas a indústria da moda não pode se transformar totalmente sem uma ação coletiva maciça, destacou a escritora Hoskins. Ela explicou que “a moda ética se tornou uma expressão que inclui temas como toxidade ambiental, direitos trabalhistas, milhas aéreas, crueldade animal e sustentabilidade do produto”. E acrescentou que, “após 20 anos, aproximadamente, e apesar de algumas iniciativas inovadoras, continua tendo uma “fatia de mercado excepcionalmente baixa, de apenas 1% do mercado total do setor do vestuário”.

Segundo Hoskins, perguntar se algum dia essa indústria chegará a ser ética é como perguntar se o capitalismo chegará a ser ético. “Para mim, a resposta é não, porque está baseada na exploração, na competição e, acima de tudo, no lucro, e é isso o que baixa os salários, baixa os padrões ambientais e baixa… e baixa…”, opinou à IPS.

A escritora destacou que “há pequenas companhias fazendo as coisas de maneira diferente, mas produzem, talvez, alguns milhares de peças por ano. A indústria do vestuário produz milhares e milhares de milhões de peças anualmente”, acrescentou. “Por que nem todos os produtores fabricam de forma ética? Os consumidores devem pedir mudanças. Não podem ser muito dóceis”, enfatizou.


Fonte: ENVOLVERDE

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