Moda
ética resgata artesãos do Sul.
A estilista haitiana-italiana Stella Jean (direita)
trabalha pela Etyhical Fashion Initiative com artesãs haitianas. Foto: ITC
Ethical Fashion Initiative 5.
Por D. McKenzie, da IPS –
Paris, França, 29/6/2015 – “O trabalho é
dignidade”, afirmou o italiano Simone Cipriani. “As pessoas querem emprego, não
caridade”, ressaltou. Essa foi a ideia de seu programa Ethical Fashion
Initiative, criado em 2009, que liga alguns dos maiores talentos da moda com
artesãos da África oriental e ocidental, do Haiti e da Cisjordânia. Com sede em
Genebra, na Suíça, a Ethical Fashion Initiative (EFI) agora é um programa
emblemático do Centro de Comércio Internacional, uma agência vinculada à
Organização Mundial do Comércio (OMC).
A EFI se concentra principalmente em mulheres
dessas regiões e trabalha com estilistas como Stella McCartney e Vivienne
Westwood, para facilitar o desenvolvimento e a produção de “artigos de moda
éticos e de alta qualidade” por artesãos que vivem em regiões de baixa renda,
tanto rurais quanto urbanas.
A iniciativa também procura fazer com que “a
crescente geração de talentos da moda da África consiga colaborações de
artesãos locais que respeitem o ambiente, sejam sustentáveis e satisfatórias do
ponto de vista criativo. O slogan “não é caridade, apenas trabalho”
reflete o interesse da iniciativa em conseguir uma indústria da moda global
mais justa.
Pela primeira vez este ano, a EFI colaborou com a
feira de comércio mais importante para homens, a Pitti Immagine Uomo, que
contou com representantes de quatro países africanos durante o evento realizado
entre os dias 16 e 19 deste mês. O diretor-geral da Pitti, Raffaello Napoleone,
disse que os estilistas africanos, que este ano participaram do espaço Nação
Convidada, priorizaram a produção em seus países, o que ajuda a reduzir a
pobreza, e que estes já são conhecidos no mercado internacional.
Analistas de mercado preveem que o valor global do
setor de vestimenta de varejo cresça 20% com relação a 2014 e que chegue a US$
1,5 bilhão em 2017. Nesse contexto, os diferentes setores da indústria podem se
converter em uma fonte de emprego em muitas regiões, do desenho à confecção e
venda. Mas, nos últimos anos instalou-se, a controvérsia sobre a suposta
exclusão de estilistas e modelos de origem africana em eventos de alto perfil.
A escritora Tansy E. Hoskins, autora do livro Stitched
Up: The Anti-Capitalist Book of Fashion (Alfinetadas: O Livro
Anticapitalista da Moda), publicado no ano passado, dedica um capítulo inteiro
a questionar se a moda é racista. Várias décadas depois de uma reconhecida
revista de moda ter colocado pela primeira vez uma modelo negra em sua capa,
“as passarelas brancas, as campanhas de publicidade brancas e as imagens de
moda brancas são a norma”, afirma a autora.
Simone Cipriani, fundador da Ethical Fashion
Initiative. Foto: A. D. McKenzie/IPS.
A EFI se preocupa com a redução da pobreza e o
tratamento ético dos artesãos, mas Cipriani reconhece que o racismo é um
problema e que a pobreza se relaciona tanto com questões étnicas como de
gênero. Na indústria da moda, há companhias que procuram aderir a padrões
éticos, que contemplam a diversidade, as condições trabalhistas e a
sustentabilidade ambiental, e 30 marcas internacionais subscreveram o projeto
da EFI.
“Procuramos trabalhar quase que exclusivamente com
marcas que têm um claro programa de responsabilidade empresarial e de participação
social, do contrário sempre corremos o risco de sermos usados e termos que
limpar as canalhices de outros”, pontuou Cipriani à IPS durante sua viajem a
Paris para se reunir com estilistas. “Também tentamos trabalhar com grandes
distribuidores e nos demos conta de que era impossível pelo que fazemos”,
acrescentou.
Há dois anos, em Bangladesh, mais de 1.100
trabalhadoras morreram e 2.500 ficaram feridas no desmoronamento de uma
fábrica, após serem ignorados os alertas sobre segurança. No local eram
confeccionadas roupas para marcas como a italiana Benetton, que só este ano
anunciou que contribuiria com um fundo de compensação para as vítimas. “O que
ocorreu em Bangladesh foi um horror, e há muitas situações nas quais esse
horror pode se repetir”, alertou Cipriani. “As pessoas e condições de trabalho
dignas sempre devem ser o principal foco da responsabilidade”, acrescentou.
Cipriani ressaltou que, para muitos empregados que
trabalham na cadeia de fornecimento da indústria do vestuário, o salário não é
suficiente para viver. “Não recebem por seu trabalho um pagamento que lhes
permita ter uma vida digna”, destacou.
No Haiti, conhecido tanto por seu talento artístico
como por sua pobreza, os ativistas afirmam que relacionar os artesãos locais
com estilistas internacionais pode ter um impacto, e o conseguiram. Por
exemplo, a estilista haitiana-italiana Stella Jean, que trabalha com a EFI
desde 2003, incorpora tradições haitianas do bordado e o uso de miçangas em sua
coleção. Ela extrai vários elementos de seus desenhos dos projetos da EFI,
disse Cipriani.
A colaboração começou com uma visita a Burkina
Faso, um dos maiores produtores de algodão da África e com importante tradição
de tecido feito à mão, na qual a estilista viu Jean viu a possibilidade de “trabalhar
com esses têxteis produzidos com ética”. Os incorporou como um elemento
principal de suas coleções de “prêt-à-porter” para homens e mulheres. No ano
passado, lançou uma nova linha de bolsas produzidas no Quênia com tecidos de
Burkina Faso e Mali e couro vegetal curtido queniano, “o que fez de cada bolsa
um produto pan-africano”, segundo a EFI.
As estilistas McCArtney (que não quis ser
entrevistada) e Westwood realizaram vários pedidos ao Quênia, e a EFI faz
“avaliações de impacto” para analisar como se ajustam os padrões trabalhistas
justos e “o impacto disso nas pessoas e nas comunidades onde vivem”. Cipriani
explicou que “trabalhamos com mulheres que costumam viver discriminação em suas
comunidades, mas, ao ter um emprego, sua posição social melhora. Conseguem
independência e respeito, e em muitos casos se tornam a principal fonte de
renda de suas famílias”.
Mas a indústria da moda não pode se transformar
totalmente sem uma ação coletiva maciça, destacou a escritora Hoskins. Ela
explicou que “a moda ética se tornou uma expressão que inclui temas como
toxidade ambiental, direitos trabalhistas, milhas aéreas, crueldade animal e
sustentabilidade do produto”. E acrescentou que, “após 20 anos,
aproximadamente, e apesar de algumas iniciativas inovadoras, continua tendo uma
“fatia de mercado excepcionalmente baixa, de apenas 1% do mercado total do
setor do vestuário”.
Segundo Hoskins, perguntar se algum dia essa
indústria chegará a ser ética é como perguntar se o capitalismo chegará a ser
ético. “Para mim, a resposta é não, porque está baseada na exploração, na
competição e, acima de tudo, no lucro, e é isso o que baixa os salários, baixa
os padrões ambientais e baixa… e baixa…”, opinou à IPS.
A escritora destacou que “há pequenas companhias
fazendo as coisas de maneira diferente, mas produzem, talvez, alguns milhares
de peças por ano. A indústria do vestuário produz milhares e milhares de
milhões de peças anualmente”, acrescentou. “Por que nem todos os produtores
fabricam de forma ética? Os consumidores devem pedir mudanças. Não podem ser
muito dóceis”, enfatizou.
Fonte: ENVOLVERDE
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