Rádio é
salva-vidas para esquecida região agrícola da Índia.
A Rádio Bundelkhand, do centro da Índia, tem cerca
de 250 mil ouvintes, dos quais 99% são agricultores. Foto: Stella Paul/IPS.
Por Stella Paul, da IPS –
Tikamgarh, Índia, 23/6/2015 – “Por favor, cante uma
canção para nós”, pede uma mulher, com um gravador nas mãos, para Chanabai
Kushwaha, de 80 anos, que está sentada em um catre sob uma árvore de nim, na
aldeia de Chitawar, centro da Índia. Olhando fixamente o aparelho, Kushwaha
entoa uma melancólica melodia sobre uma menina de oito anos que pede ao seu pai
que não a entregue em casamento.
“Muito obrigado por cantar para a Rádio
Bundelkhand”, agradece Ekta Kari, jornalista e produtora dessa rádio
comunitária do distrito de Tikamgarh, predominantemente rural, no Estado de
Madhya Pradesh, onde fica Chitawar. Com cerca de 250 mil ouvintes na dezena de
povoados que formam Bundelkhand, uma região agrícola entre dois Estados, Madhya
Pradesh e Uttar Pradesh, a emissora ajuda as comunidades mais atrasadas,
elevando suas vozes e levando boas ondas a uma área acostumada a receber más
notícias.
Cerca de 18,3 milhões de pessoas ocupam essa vasta
região. Segundo a Comissão de Planejamento da Índia, a perda de fertilidade do
solo, devido à variabilidade climática somada ao grave esgotamento das águas subterrâneas,
tornou a vida extremamente difícil para os que trabalham a terra. A perda de
cultivos por chuvas durante a seca e pelas ondas de calor recorrentes se tornou
habitual na década passada. A maioria dos agricultores perdeu metade de seus
cultivos de inverno por causa de fortes chuvas inesperadas.
As secas recorrentes entre 2003 e 2010 obrigaram
muitos deles a abandonar o cultivo de milho e legumes, e optar por monoculturas
como o trigo, que exige muitos insumos. Organizações não governamentais também
apontam a desigualdade nas políticas de distribuição de terras como uma das
principais causas da luta dos agricultores, o que faz com que milhões de
famílias não possam se dedicar a outra coisa que não seja a agricultura de
subsistência, devido ao diminuto tamanho de seus terrenos.
Os graves problemas, inclusive, levaram muitos a
jogar a toalha. Nas duas primeiras semanas de março deste ano uma dezena de
agricultores de Bundelkhand se suicidaram, o que ressalta o desespero em que
vivem essas comunidades rurais. Segundo o Escritório de Registro de Delitos,
três mil agricultores se suicidaram em Bundelkhand entre 1995 e 2012.
É uma pequena proporção com relação a todos os
suicídios que houve no cinturão agrícola da Índia, cerca de 300 mil, embora a
de Bundelkhand não seja uma cifra menor. Devido à crua realidade, pode ser que
seja difícil para um estranho compreender como a simples intervenção de uma
rádio comunitária pode fazer alguma diferença.
Naheda Yusuf, gerente de programa da Alternativas
de Desenvolvimento, uma organização de mídia sem fins lucrativos, com sede em
Nova Délhi, e que ajudou a lançar a Rádio Bundelkhand em 2008, disse à IPS que
99% dos ouvintes são agricultores. As aldeias podem pertencer a diferentes
Estados, mas todas estão na região de Bundelkhand e compartilham a cultura, as
tradições e o dialeto.
“A rádio é de, e para, as pessoas da região”,
explicou Yusuf. “Conecta-se com eles no dialeto bundeli e oferece informação
sobre questões de seu interesse”, acrescentou. Cerca de 75% dos programas são
dedicados a temas agrários, como técnicas agrícolas, controle de pesticidas,
preços do mercado, previsões para o clima e atualizações sobre a mudança
climática.
Parte da informação procede de fontes
governamentais, como os departamentos de agricultura e meteorologia, mas a
maioria surge de seis jornalistas-produtores que se relacionam diretamente com
a comunidade para coletar notícias e as perspectivas mais relevantes para seus
ouvintes. Cada um tem um programa diário, nos quais pede à audiência que se
comunique com eles, apresente dúvidas e faça comentários.
Um dos programas mais populares é o Shuv Kal (Boa
Manhã), dedicado à mudança climática e às suas consequências nas comunidades
agrícolas. A produtora Gauri Sharma explicou que os temas tratam de acesso à
água, desmatamento e energia solar. Também homenageiam o rio Betwa, tributário
do Yamuna, que irriga essas terras e impulsiona os agricultores a não
desperdiçar o precioso líquido. “Além disso, conscientizamos sobre as energias
renováveis”, acrescentou.
A resposta da audiência é animadora, disse Sharma,
especialmente entre jovens que telefonam e nos escrevem para dizer como a rádio
os ajuda a melhorar. Um rapaz de 18 anos da aldeia de Tafarian lhes contou que
havia plantado 22 árvores frutíferas, deixou de usar polietileno e começou com
a lombricultura graças ao programa de rádio.
Jayanti Bai, da aldeia de Waswan, contou que a
rádio salvou seu cultivo. “As folhas das minhas plantas de quiabo estavam
ficando amarelas. Então, ouvi na rádio sobre um remédio para esse problema, que
usei e me salvou”, afirmou. Agora ele quer comprar um aparelho de rádio para
toda a comunidade e pendurá-lo em uma árvore, assim as mulheres poderão ouvir
juntas. Mas terão que economizar, porque o mais popular custa cerca de mil
rúpias (US$ 15), o que é mais do que ele pode custear de uma só vez.
Nessa região, onde os apagões duram entre oito e
dez horas e apenas 48% das mulheres e 70% dos homens sabem ler e escrever, a
rádio é uma opção muito melhor do que a televisão ou os jornais. Por ser
portátil, é uma opção muito mais atraente, disseram à IPS, já que pode estar
com ele enquanto trabalham.
A emissora tem uma audiência majoritariamente
feminina e por isso apresenta assuntos relevantes para elas, como a questão do
suicídio, que muitas veem como um problema masculino. “Alguém já ouviu sobre
uma camponesa que tenha se suicidado?”, perguntou Ramkumari Napet, de 46 anos e
moradora na aldeia de Baswan. “É porque ela pensa o seguinte: o que acontecerá
com meus filhos se eu morrer?, e isso a detém”, explicou.
As mulheres afirmam que os homens precisam de mais
ajuda para entender sua relação com elas e com suas famílias. E, de fato, a
rádio os ajuda a definir essas linhas difusas. “Há pouco tempo, uma pessoa
telefonou dizendo que seu irmão pensava em se suicidar”, contou Sharma à IPS.
“O ouvinte disse que trataria de dissuadi-lo da ideia”, acrescentou.
Fonte: ENVOLVERDE
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