Arte é
meio de articulação entre escola e comunidade.
Dois projetos em Belo Horizonte utilizam o grafite
como ferramenta de aprendizado e transformação
Por Pedro Ribeiro Nogueira –
Ao andar pelas grandes cidades brasileiras, é
difícil não encontrar um muro de escola pública que não esteja colorido pelo
grafite. Por mais que se sonhe com um mundo em que muros não separem a escola
de seu meio e sua comunidade, é possível ver, nos coloridos, o desejo de
transcender essa segregação. A arte urbana conversa com quem passa por ela. E
essa relação pode gerar inúmeros frutos.
Isso é o que acredita Maria Luiza Viana, professora
assistente no curso de Design da Universidade Federal de Minas Gerais, que
trabalhou em dois grandes projetos da capital mineira que faziam a interface
entre arte urbana e educação: o programa Escola Integrada e o
Projeto Guernica.
Foto: Foxy_A / Fotolia.com
Enquanto o Escola Integrada, desde 2004, articula a
experiência escolar com o seu entorno em mais de 90 unidades de ensino da rede
pública de Belo Horizonte, o Guernica, que começou em 2000, foi um projeto
piloto no qual se trabalhava com os grafiteiros e pixadores para discutir o meio
urbano e sua atuação nele, despertando dimensões, conceitos e possibilidades de
pesquisas.
“O Guernica tinha um foco grande em pensar o
grafite e o pixo na cidade, mas também o sujeito que o faz, que discursos ele
carrega, como ele os constrói. Fazíamos oficinas para discutir com os jovens e
alargar as concepções de cidade. Foi uma experiência inovadora de escuta,
quando esses projetos de juventude começavam a aparecer em Belo Horizonte, que
davam voz e visibilidade ao jovem”, lembra Maria Luiza.
O Escola Integrada bebeu da mesma água do Guernica
quando escolheu o grafite e a arte pública como ferramenta de aprendizado e
transformação. O programa propõe a extensão do aprendizado escolar, com
atividades que acontecem pela cidade, e com uma identidade visual de ocupação
do espaço público expressa nos muros das escolas, valorizando conteúdos
culturais e artísticos.
Sem querer
Mas o que esse tipo de ação pode despertar na
cidade? Para a educadora, há um rico potencial nas descobertas que se dão,
quando uma escola se abre. Ela cita o exemplo de uma escola mineira que, ao
conversar com vizinhos sobre a pintura dos muros da região, descobriu um
artista plástico que lá habitava. Uma vez em contato com os educadores e
estudantes, ele se tornou um oficineiro e colaborador da escola.
Outro processo interessante, segundo Maria Luiza,
se deu no Morro do Papagaio, onde um beco abandonado ao lado da escola foi
transformado pela comunidade. Mobilizados pela escolas, os moradores ajudaram a
rebocar as paredes de tijolo para servir de suporte para as pinturas que
demarcariam o trajeto das crianças entre a escola e a oficina.
“A arte urbana tem esse potencial ativador de
articulações comunitárias que realmente transforma os ambientes. Não é o poder
público chegando em um lugar e ‘melhorando’. São os principais envolvidos
mudando o sinal e rompendo com estigmas de certos espaços”, confirma Maria
Luiza, para quem, a presença das crianças no espaço público carrega uma carga
simbólica enorme.
“Até hoje, isso foi em 2010, o lugar ainda mantém
as características que lhes foram dadas pela ação da pintura. A arte
desencadeia a transformação local e torna permeáveis e transitáveis espaços que
antes estavam ociosos”, analisa.
Foto: Divulgação blog EE Maria das Neves
Cidade como currículo
Mas não é só a cidade que se transforma com a
educação. A educação também se transforma em contato com a cidade. Na rua, “a
experiência da arte se dá de maneira do que dentro de uma sala de aula ou de um
ateliê”, aponta a educadora. “Tendo a cidade como objeto de aprendizado você
começa a perceber seu entorno, absorvendo elementos que estão ali no ambiente
como cor, forma, espaço, luz, matéria de superfície”, complementa.
E ela faz questão de ressaltar que essa é uma
proposta política também, já que desafia a concepção utilitarista da cidade com
apropriações sensíveis e lúdicas e uma outra maneira de ocupar. “É uma saída da
cidade do capital, do consumo, do tráfego de automóvel. Abre-se para uma
percepção que vai além do aprendizado de artes, mas de biologia, geografia,
enfim. É uma oportunidade de recolher tudo o que o ambiente te dá, tudo que
está no entorno, processar e de alguma forma depois devolver para a cidade”,
propõe Maria Luiza.
Transformando o meio urbano “à sua imagem e
semelhança”, com pinturas, grafites e outros tipos de técnicas como mosaicos,
jovens e crianças revertem o fluxo de tempo e de usos de espaço da cidade
segregada. Em seu artigo “Expressões Estéticas e Comunidades”, que analisa o
projeto Escola Integrada, Maria Luiza lança, ao fim do texto, um pedido
esperançoso aos seus concidadãos:
“Espera-se que, com o tempo, a cidade de Belo
Horizonte reconheça estas marcas, que aos poucos vão se propagando nas ruas,
bairros e vilas da cidade. E que através delas perceba outras dimensões e
outros fluxos contidos em seus espaços, que mesmo sutis e efêmeras sejam
capazes de revelar as capacidades de criação e recriação de quem vive na
cidade”.
* Fazem parte do Redação na Rua os sites Catraca
Livre, Centro de Referências em Educação Integral, Guia de Empregos, Portal
Aprendiz, Porvir e VilaMundo.
Fonte: Porvir
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