Quando uma menina com baixa autoestima sonha em ser presidente.
Estudantes de uma escola para filhos de
trabalhadores de uma plantação de chá no centro do Serra Leoa. Foto: Kanya
D’Almeida/IPS.
Por Kanya D’Almeida, da IPS –
Nações Unidas, 18/6/2015 – É possível que você
tenha uma vaga ideia do que é a Educação para a Cidadania Mundial (ECM), mas,
se não frequenta os círculos internacionais do desenvolvimento, provavelmente
não tem certeza do significado real do termo. Em sua intervenção em um
seminário sobre o tema, realizado na sede da Organização das Nações Unidas
(ONU) em Nova York, no dia 15, Sofía García, da Aldeias Infantis SOS, uma
organização que atende as necessidades de mais de 80 mil meninas e meninos em
133 países, apresentou um excelente resumo.
García se referiu a um recente projeto do Movimento
Mundial pela Infância da América Latina e do Caribe, que sua organização
integra, e explicou o que aconteceu quando perguntou a 1.080 meninas, meninos e
adolescentes de dez países latino-americanos quais são suas prioridades para os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) que a ONU está elaborando.
“A SOS trabalha com crianças sem cuidado parental,
que, em geral, têm uma autoestima muito baixa”, afirmou García. “Mas, dez
minutos depois de explicamos as iniciativas e dizemos ‘queremos ouvir sua voz,
você é o agente de mudança’, crianças que nem mesmo se consideravam oradores
repentinamente querem chegar a ser presidentes de seus países”, contou a
ativista.
O exercício terminou com a publicação de O Mundo
Que Queremos, Uma Versão Ilustrada, Dirigida a Meninos e Meninas, dos 17 ODS
Propostos. Segundo García, “este é o verdadeiro poder da educação para a
cidadania mundial”. O seminário teve apoio de várias missões junto à ONU,
incluídas as da Coreia do Sul e dos Estados Unidos, e foi patrocinado pela
Concord, uma aliança de mais de 2.600 organizações não governamentais
europeias, Soka Gakkai Internacional e Inter Press Service (IPS).
“Junto com o direito à vida e o direito à
liberdade, deve estar o direito à educação”, destacou Usman Sarki,
representante-adjunto permanente da Nigéria perante a ONU. “É a chave de todas
as liberdades e o fundamento da dignidade. Todos os outros direitos deverão
depender do direito à educação”, opinou. Entretanto, a realidade atual não
reflete essa convicção.
Vivemos em um mundo onde 58 milhões de crianças não
vão à escola e onde outros cem milhões não terminam o curso primário, segundo o
último informe de acompanhamento do projeto Educação para Todos, publicado pela
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Se a isso acrescentarmos que há 168 milhões de meninos e meninas que trabalham
e 200 milhões de adultos desempregados, a urgência da situação se faz evidente.
No total, aproximadamente 781 milhões de pessoas
não sabem ler nem escrever, uma estatística assombrosa em uma época na qual,
não só a alfabetização básica mas também a alfabetização informática,
determinam cada vez mais a diferença entre uma vida digna e a pobreza.
Porém, a ECM transcende a quantidade de pessoas que
há nas salas de aula, já que o conceito de cidadania mundial se refere a um
“sentido de pertinência a uma comunidade mais ampla e à humanidade”, segundo a
Unesco. Seu objetivo é transformar a pedagogia da aula, criar laços de
entendimento cultural e consciência cívica, e forjar uma cidadania mundial para
o século 21 baseada nos direitos humanos, na paz e na igualdade. A aplicação da
ECM será de natureza local, realizada segundo os ministérios da educação dos
países e adaptada às necessidades específicas dos Estados e das comunidades.
A ECM reconhece que a alfabetização básica não
basta para conquistar a igualdade de condições em um mundo repleto de
desigualdades, onde a brecha entre a riqueza dos países mais ricos e os mais
pobres passou da proporção de 35 para um, durante a época colonial, para 80
para um, atualmente. Hoje em dia, as 85 pessoas mais ricas do planeta possuem
mais riqueza acumulada do que 50% da população mundial. É a qualidade da educação
que fechará essas brechas e alcançará objetivos como a paz, a segurança e a
contenção do extremismo violento.
Sarki chamou a atenção para o crescente número de
pessoas do Norte industrial que se envolveram nos “teatros da guerra do Oriente
Médio”. Segundo o diplomata nigeriano, “na verdade, podemos dizer que essas
pessoas não são educadas? Muitas são. De fato, os autores intelectuais da
atividade terrorista são muito educados. A pergunta é: que tipo de educação
receberam? Podemos ser educados e continuar com a mente fechada”, ressaltou.
O conceito de ECM remonta a 2012, quando o
secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lançou a Iniciativa Mundial pela Educação
em Primeiro Lugar, e depois de muito trabalho, no qual a Coreia do Sul teve
papel importante, a iniciativa foi incorporada ao rascunho zero do documento
para a Agenda de Desenvolvimento Posterior a 2015, que será definida com as
negociações do final deste mês.
Já surgiram dezenas de iniciativas internacionais e
comunitárias centradas na ECM. Por exemplo, a ECM é uma das áreas estratégicas
fundamentais no programa de educação da Unesco para o período 2014-2017,
enquanto grupos como Aldeias Infantis SOS deram prioridade ao conceito de seu
trabalho, a fim de incluir a população mais vulnerável.
García disse à IPS que a Aldeias Infantis SOS
trabalha muito de perto com as famílias em risco de separação ou com crianças
sem atenção parental. Por isso, “para nós, a educação não formal é tão
essencial quanto a formal. Há muitos lugares para aprender, e a sala de aula é
só um deles”, disse à IPS por ocasião do seminário no início da semana.
Fonte: ENVOLVERDE
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