Tietê, um
rio de sujeira e contradições.
Hoje, 665 mil pessoas vivem em favelas ou
loteamentos irregulares na região de mananciais, de acordo com a Secretaria
Municipal de Habitação. Foto: José Cícero da Silva.
Por Giulia Afiune e Jessica Mota –
Responsável pelo projeto de despoluição do rio, a
própria Sabesp joga esgoto sem tratamento em seu leito. Bilhões de dólares e 23
anos depois, verbas para saneamento são reduzidas em meio à crise de
abastecimento, gerando dúvida se metas serão cumpridas.
Um rio de esgoto atravessa a região metropolitana
de São Paulo. Grande parte dos dejetos do polo urbano que concentra a maior
riqueza do Brasil vai parar no Tietê, o que transformou o maior curso de água
do estado em um canal fedorento de aspecto sujo. Quem chega a São Paulo pelo
aeroporto de Guarulhos ou pela rodoviária do Tietê é recebido pelo odor
desagradável desse anti-cartão postal. Não raro, motoristas da marginal Tietê
levantam as janelas para tentar conter o mau cheiro. O odor é o sintoma mais
perceptível de que algo está errado com o rio. E, ao contrário do que se pensa,
a culpa não é só das moradias improvisadas e sem saneamento básico. A Pública
visitou sete bairros e verificou que o despejo de esgoto sem tratamento vem
tanto de barracos quanto de mansões.
Desde 1992, a Companhia de Saneamento Básico do Estado
de São Paulo (Sabesp) administra o Projeto Tietê, cujo objetivo é ampliar a
coleta e o tratamento de esgoto na Grande São Paulo e, consequentemente,
despoluir o rio. A conta do projeto não é exata, mas pelo menos US$ 3,6 bilhões
já foram direcionados para as obras.
O problema é que a própria Sabesp é uma das grandes
responsáveis pela poluição das águas. A Pública descobriu que em vários pontos
da capital a empresa capta o esgoto das casas e o joga sem tratamento nos rios,
córregos e represas que compõem a Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, cujo
perímetro coincide com os limites da Grande São Paulo – onde vivem 20,2 milhões
de pessoas. A prática configura crime ambiental segundo o Artigo 208 da Constituição Estadual.
A empresa foi denunciada pelo Ministério Público em
outubro de 2012, e, ao contrário das águas do rio, a peça de acusação é
cristalina: “Ocorre que a SABESP vem, desde sua criação, direta e ininterruptamente,
em maior ou menor escala, lançando nos corpos d’água os esgotos sanitários in
natura coletados nessas cidades, isto é, sem nenhum tipo de tratamento,
provocando poluição hídrica não só na bacia hidrográfica do Alto Tietê onde
estão inseridos os municípios, mas também nos reservatórios Billings e
Guarapiranga, com vultosos prejuízos ao meio ambiente e à sociedade”, relata
então o promotor de Justiça do Meio Ambiente José Eduardo Ismael Lutti. O texto
aponta também o município, o estado de São Paulo e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), que financia o projeto de despoluição, como
corresponsáveis pela prática ilegal. Na ação, o Ministério Público exige que
até 2018 os réus parem progressivamente de lançar esgoto sem tratamento nos
corpos d’água e realizem todas as obras necessárias à universalização do
serviço de coleta e tratamento de esgoto.
Marzeni Pereira, ex-funcionário da Sabesp, trabalhou
como tecnólogo em uma estação de tratamento por 12 anos. Foto: José Cícero da
Silva.
A ação deu início a um processo que agora está tramitando na Justiça paulista. Em sentença de setembro de
2014, a juíza Liliane Keyko Hioki reconhece que a Sabesp é responsável pela prática ilícita, mas julga
improcedente o pedido do Ministério Público, alegando que não é possível
antecipar a meta de universalização para 2018, uma vez que a Sabesp já está
tomando as providências para realizá-la até 2024. O Ministério Público
recorreu. A meta considerada pela juíza difere da estipulada pelo governador
Geraldo Alckmin. Em decreto, ele determina que o esgoto seja universalizado
no estado até 2020.
Marzeni Pereira, tecnólogo que trabalhou em uma
estação de tratamento da Sabesp por 12 anos, explica que sentir cheiro de
esgoto, algo comum na região metropolitana, é sinal de que há algo errado.
“Quando se sente cheiro de esgoto saindo dos bueiros, ou os moradores jogaram o
esgoto na rede de águas da chuva ou a Sabesp”, explica. Isso acontece onde não
há tubos que levam o esgoto dos bairros para as estações de tratamento. Em vez
disso, ele é levado para galerias de água da chuva que deságuam em córregos.
Idealmente, o esgoto é transportado dentro de tubos
subterrâneos, dos pontos mais altos para os mais baixos. Tudo que é eliminado
no vaso sanitário, nas pias e nos ralos sai das casas dentro de ligações
domiciliares em direção a redes coletoras que passam em cada rua. Várias redes
são ligadas a um coletor-tronco e vários coletores, a um interceptor.
Construídos próximos a rios, os interceptores levam o esgoto de diversos
bairros até as estações de tratamento (ETEs). Quando não há declividade
suficiente, estações elevatórias são construídas para bombear o esgoto pela
tubulação. Já a água da chuva escorre para dentro de bueiros ou bocas de lobo
até as galerias de água pluvial, que a levam, por baixo do asfalto, até rios de
grande ou pequeno porte, os córregos.
A poluição e o mau cheiro das águas fazem mal à
saúde de todos os habitantes, explica o professor Pedro Mancuso, da Faculdade
de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). O cheiro de ovo podre que
sai dos rios poluídos é causado pelo gás sulfídrico, uma substância tóxica. “Em
grandes quantidades, ele pode ser até mortal, mas em pequenas quantidades, como
essa que está no nosso rio, é suficiente para dar náusea, dor de cabeça, e
tontura.” O gás continua causando esses efeitos mesmo quando “cansa” nosso
olfato. “Depois de um tempo, ele anestesia os nervos do nariz e a pessoa não
sente mais. Então, quem chega no rio fala ‘nossa, que odor forte’ e quem mora
ali do lado fala ‘ah, a gente já se acostuma, acaba não sentindo mais’”, ensina
Mancuso.
Da mesma forma, a população da grande São Paulo
parece ter se acostumado a ignorar ou a desprezar o rio. A maioria das pessoas
não tem a menor idéia se o esgoto da própria casa tem destino adequado. Mas
quem mora na região metropolitana já deve ter se perguntado:
Por que o Tietê ainda não foi despoluído?
Leia a reportagem completa no site da Agência Pública!
Fonte: ENVOLVERDE
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