Panamá e
Nicarágua, dois canais e um sonho novamente compartilhado.
As novas eclusas do Canal do Panamá contam com
tecnologia radicalmente superior às construídas há cem anos, e suas comportas
são rodantes e não com dobradiças. Na foto, um dos operários na câmara do canal
ampliado em Cocolí, na costa do Oceano Pacífico. Foto: Iralís Fragiel/IPS.
Por Iralís Fragiel, IPS –
Cidade do Panamá, Panamá, 30/6/2015 – Nicholas
Suchecki Guillén é cego. Mas, para ele, era um sonho conhecer a ampliação do
Canal do Panamá. Tocar a câmara de concreto e ser parte da nova história de seu
país. Seus pés se apoiaram sobre o terceiro jogo de eclusas em Cocolí, na costa
do Oceano Pacífico. Ele teve o privilégio de integrar o último grupo que pôde
visitar o complexo antes de começar sua inundação, um longo processo que nesse
lado começou no dia 22 deste mês.
Assim como esse garoto de 11 anos, muitos
panamenhos visitaram gratuitamente as novas eclusas, com visitas promovidas
pela Autoridade do Canal do Panamá (ACP), órgão estatal que dirige a via
interoceânica desde que foi devolvida pelos Estados Unidos, em 1999.
“É um orgulho ver o que fizemos. Quando foram
construídas as primeiras eclusas, participaram 222 panamenhos. Agora foram
36.276”, afirmou à IPS o engenheiro Luis Ferreira, porta-voz da ACP. A
ampliação também representa uma promessa de crescimento econômico. “O dinheiro
arrecadado com o Canal foi superior a US$ 9 bilhões entre 2000 e 2014. Com as
novas eclusas, se prevê que possa chegar a US$ 3 bilhões por ano”, acrescentou.
A obra, que neste final de mês já completou 89,8%,
exigiu investimento de US$ 5,25 bilhões e começou no dia 3 de setembro de 2007.
Seu funcionamento comercial será ativado no primeiro trimestre de 2016. Com
esse megaprojeto, o Panamá espera aumentar o trânsito diário dos atuais 35 a 40
navios para 48 a 51 embarcações. O novo canal também permitirá a circulação de
navios de maior capacidade.
Início do enchimento das novas eclusas do ampliado
Canal do Panamá, em Cocolí, na costa do Oceano Pacífico. A monumental obra já
está 90% pronta e entrará em operação no começo de 2016. Foto: Cortesia da
Autoridade do Canal do Panamá.
Atualmente, passam pelo Canal embarcações que podem
transportar até cinco mil toneladas e, com a ampliação, os chamados navios
NeoPanamax poderão carregar até 13 mil toneladas. As novas eclusas têm 427
metros de comprimento e funcionarão com 16 comportas rodantes. O emblemático
prédio do Empire State, de Nova York, caberia deitado, incluindo sua antena, no
canal ampliado.
Cada navio utiliza em sua passagem cerca de 197
milhões de litros de água doce procedentes do lago Gatún. Com as novas eclusas,
foi criado um sistema que permite economizar ao menos 7% do recurso, mediante
recipientes de reutilização que reciclarão a água três vezes antes de
despejá-la no mar.
Porém, nem tudo é positivo. Para Marco Gandásegui,
sociólogo e professor da Universidade do Panamá, a arrecadação proveniente do
Canal não é aproveitada para um desenvolvimento com inclusão social neste país
de 3,8 milhões de pessoas, e teme que o mesmo aconteça com sua ampliação. “Há
grande preocupação quanto a que a ampliação do canal sirva à marinha mercante e
não às pessoas”, afirmou à IPS.
Segundo Gandásegui, “os que nos governam não
estabeleceram um plano de desenvolvimento nacional e algumas localidades nem
mesmo têm água potável. Desde 2000, foram arrecadados US$ 25 bilhões e se
desconhece como foram investidos”. O professor deu como exemplo do déficit de
desenvolvimento criado pelo dinheiro obtido com o canal o fato de apenas 40% da
força de trabalho panamenha ter emprego formal, enquanto 60% atua no setor
informal. “Temos uma estrutura social que poderia ser mudada com essa enorme
riqueza gerada pelo Canal”, ressaltou.
Nicholas Suchecki Guillén, menino cego de 11 anos,
concretizando seu sonho de tocar as eclusas da ampliação do Canal do Panamá, no
complexo de Cocolí, na costa do Oceano Pacífico, no dia 25 deste mês, durante a
última visita permitida antes de começar o enchimento da monumental obra. Foto:
Iralís Fragiel/IPS.
A União de Práticos do Canal do Panamá realiza
protestos desde 2014 diante da ACP por sua gestão da obra. O último foi no dia
3 deste mês, quando também denunciou, em um comunicado, que o processo “sofreu
tropeço após tropeço”, com “custos adicionais, improvisos e atrasos”. O maior
contratempo durante a construção foi registrado em 2014, quando em fevereiro o
consórcio encarregado da obra, o Grupo Unidos pelo Canal (GUPC), paralisou os
trabalhos por 15 dias, porque a ACP rejeitou assumir alegados aumentos nos
custos.
Segundo dados da ACP, atualmente as reclamações por
custos adicionais do GUPS, liderado pela construtora espanhola Sacyr
Vallehermoso, totalizam US$ 2,337 bilhões e estão em processo de resolução por
uma junta especial. A primeira dessas reclamações resolvidas foi de US$ 463
milhões de custo adicional, pela menor qualidade do basalto fornecido por uma
mina local. A ACP informou que reconheceu apenas US$ 233 milhões.
Outra sombra que paira sobre a ampliação do Canal é
o projeto de construção do Canal da Nicarágua, que forçará o Panamá a se mover
em um novo xadrez marítimo. Nicarágua e Panamá têm uma história compartilhada
com o Canal. David McCullough conta em seu livro Um Caminho Entre Dois Mares
que o primeiro estudo sobre a construção do canal surgiu em 1811 e designava a
Nicarágua com “a rota com menos dificuldades”. E acrescenta que, inicialmente,
se propunha a entrada do canal pela desembocadura do nicaraguense rio San Juan,
porque “atravessar pelo Panamá era mais curto, mas o da Nicarágua estava mais
próximo dos Estados Unidos”.
Os estudos técnicos determinaram que o Panamá era o
lugar ideal. Os franceses já haviam escavado um caminho para construí-lo, embora
o projeto tenha fracassado. O presidente norte-americano Theodore Roosevelt
inclinou-se, em 1903, pelo Panamá e com esse fim apoiou a separação de seu
território da Colômbia. Em 1914, terminou a construção da via interoceânica,
que ficou sob controle militar até que a assinatura dos tratados
Torrijos-Carter estabeleceram, em 1977, sua devolução no último dia do século
20.
“Minha opinião é que os nicaraguenses percebem que
o desenvolvimento de seu país foi truncado quando os Estados Unidos escolheram
o rio Chagres, no Panamá, para fazer o canal. É a sombra de um sonho não
realizado”, disse à IPS o antropólogo Stanley Heckadon. Mas, de 1811 até agora,
as coisas mudaram. E a rota do rio San Juan se desfez, possivelmente pelas
implicações políticas, por se tratar de um rio binacional, compartilhado com a
Costa Rica. “Ao não escolher a rota do rio San Juan, cuidado, o sonho da
Nicarágua se torna irrealizável”, alertou.
O antropólogo participou em março de um encontro de
15 especialistas de alto nível, convocado pela Universidade da Flórida, em
Miami, nos Estados Unidos, para avaliar o impacto ambiental do traçado
nicaraguense, quando foi alertado sobre o irreparável dano à biodiversidade e
aos corpos de água do país.
Heckadon explicou que o painel considerou muito
inconveniente o fato de a rota escolhida ser a do rio de Punta Gorda, muito
mais larga do que a do San Juan. O investimento no projeto da Nicarágua é de
US$ 50 bilhões, dez vezes mais do que o custo da ampliação do canal panamenho.
O canal nicaraguense será significativamente mais
longo do que o do Panamá, “que tem 80 quilômetros. O da Nicarágua pretende ter
280 quilômetros. No Panamá um barco demora de dez a 12 horas para ir do
Pacífico ao Atlântico ou vice-versa, e na Nicarágua demorará de dois a três
dias”, afirmou Ferreira, da ACP. Porém, tanto Ferreira quanto Gadásegui
coincidem em ver de maneira positiva a construção de um canal na Nicarágua,
pois “há mercado para todos”.
Impacto irreversível
Stanley Heckadon assegurou que os impactos na
Nicarágua da rota selecionada serão “monumentais” no aspecto ambiental e, se a
gigantesca obra for concretizada, se estará jogando com o futuro de sua
população. Da reunião em Miami participaram representantes do consórcio chinês
Hong Kong Nicaragua Development (HKND), concessionário do projeto, e da empresa
responsável pelo estudo de impacto ambiental, a Environmental Resources
Management, mas a informação apresentada foi considerada insuficiente pelo
painel.
O controle dos dados, o estudo ambiental ter sido
feito em apenas um ano e meio, as curtas observações sobre a biodiversidade e
os planos insuficientes para restaurar as bacias afetadas, entre outros
aspectos, foram fatores de alarme para os especialistas. “A parte hidrológica
era um dos grandes vazios de informação. O que acontecerá se dentro de cinco
anos tivermos uma grande seca? O lago da Nicarágua (Cocibolca) é o maior lago
de água doce da América Central e do qual depende uma grande quantidade de
pessoas”, advertiu Heckadon.
O antropólogo recordou que a rota nicaraguense
passará por cinco áreas protegidas de biodiversidade do Corredor Biológico
Mesoamericano. “Além disso, não há informação sobre minorias indígenas e
comunidades negras. Saímos preocupados, com mais dúvidas do que respostas”,
ressaltou.
Fonte: ENVOLVERDE
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