Sustentabilidade
em creche começa na construção.
Por Fernanda Nogueira –
Escola infantil catarinense foi projetada para
economizar água e luz e proporcionar educação voltada para a preservação do
ambiente –
A mais nova creche de Florianópolis trouxe uma alegria
extra para a comunidade do bairro Costeira do Pirajubaé, que lutava por um novo
prédio desde 2006. Tornou-se também motivo de orgulho para os moradores de toda
a cidade. Localizada próxima ao mar, no Centro-Sul da ilha, a creche Hassis foi
projetada e construída seguindo os preceitos da sustentabilidade e busca
certificação internacional para ser considerada a primeira creche sustentável
do país. O espaço, inaugurado em abril deste ano, já começou a tornar a
realidade de 200 crianças de zero a cinco anos, de seus pais e dos funcionários
mais ligada à preservação do ambiente.
A creche seguiu, desde o projeto, os conceitos da
certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), concedida em
vários países pela entidade norte-americana U.S. Green Building Council
(USGBC). O projeto foi registrado na organização em fevereiro de 2014 e aguarda
uma resposta sobre a certificação, que deve sair nos próximos meses após a
análise das informações documentadas antes, durante e após a obra. A creche foi
construída em um terreno de cerca de 12 mil metros quadrados, doado pela União.
Tem dez salas de aula, uma sala multiuso, parque, quadra, bosque, horta,
cozinha, refeitório e estacionamento. Durante a obra, a empreiteira responsável
teve de adotar procedimentos sustentáveis, como armazenar a água da construção
e da chuva para reuso e para evitar enchentes e contaminações do terreno,
limpar os caminhões para que não sujassem as ruas, manter o ambiente livre do
fumo e outras ações.
Foto: Divulgação / Ricardo Medeiros – PMF
Entre os materiais usados estão tintas, adesivos,
selantes, revestimentos, pisos, rejuntes e placas de forro acústico com baixa
emissão de compostos orgânicos voláteis, substâncias químicas tóxicas
conhecidas pelas siglas COV ou VOC. A madeira usada é certificada. O edifício
tem ventilação cruzada, para permitir que os ambientes fiquem mais arejados e
necessitem menos do uso de ar-condicionado. Há várias aberturas no alto das
paredes para permitir a iluminação natural. Um sistema inteligente desliga as
luminárias quando não há ocupantes no espaço e diminui ou aumenta a intensidade
da luz das lâmpadas de acordo com a necessidade do horário. Placas solares
aquecem o chuveiro e geram energia elétrica para o prédio. Com isso, a economia
estimada na conta de luz é de cerca de 50% em relação ao um edifício comum. O
uso eficiente da água é feito com o reuso da água da chuva em descargas e no
jardim e com torneiras e chuveiros com controle de vazão, além de torneiras com
fechamento automático. Isso deve contribuir para a diminuição de 80% no consumo
de água potável.
A maior parte do telhado é pintada de branco para
refletir menos a luz do sol e diminuir a temperatura interna. Outra parte,
sobre uma sala e o pórtico de entrada, tem cobertura de vegetação. Na área
externa, foi criado um bosque com árvores nativas e frutíferas, como a pitanga,
além de uma horta em formato de mandala. O estacionamento, que está sendo
finalizado, tem piso drenante, para facilitar a entrada da água. O piso do
estacionamento é feito com uma mistura de concreto com cascas de ostras
trituradas, restos da cultura do fruto do mar feita em Florianópolis e que
seria jogada no lixo. Há vagas especiais para quem pratica a carona solidária e
para veículos que têm baixa emissão de poluentes. O bicicletário é coberto.
Foto: Divulgação / Petra Mafalda – PMF
Nas salas de aula, os móveis foram projetados de
acordo com as necessidades das professoras e das crianças. Há cabanas para
brincadeiras, mesas circulares, quadradas e retangulares, cadeiras baixas,
estantes para livros, brinquedos e circuitos com escada e escorregador. Um dos
brinquedos, em forma de pirâmide, tem espelhos por dentro, que funcionam como
um caleidoscópio para as crianças. Vidro entre os banheiros e as salas permitem
que os educadores acompanhem o que acontece na sala enquanto ajudam uma criança
a ir ao banheiro. Vidro na parte de baixo das portas também permite que as
crianças expiem o que acontece lá fora. Uma sala multiuso, que está em fase de
finalização, poderá ser usada como ateliê de arte, sala de leitura e teatro.
Nesta sala, os móveis são de acrílico, para facilitar a visão do que está
dentro das gavetas e dos armários. Algumas mesas são espelhadas, para refletir
objetos. Um pátio coberto já é usado para atividades como canto, coral e
teatro. Uma varanda ao lado do refeitório permite que as crianças comam na área
externa, quando a temperatura está agradável. Ao lado da sala das crianças mais
novas, há uma sala de amamentação.
“Nos primeiros dias, as famílias entravam com muita
alegria. Sinto isso até hoje, porque o espaço é acolhedor dos direitos da
infância. A arquitetura é muito bonita e acolhe tudo que viemos lutando para
conseguir, que era um espaço pensado para a educação infantil. Tomara que sejam
construídos mais espaços como este”, diz a diretora da creche, Claudia Maidana,
que é professora de educação infantil em Florianópolis há 17 anos, atua no
bairro da Costeira do Pirajubaé desde 2006 e foi eleita para o cargo de
diretora. A decisão para começar a usar o espaço em abril, mesmo sem que
estivesse totalmente finalizado, foi tomada junto com a comunidade, segundo
Claudia, com a constatação de que a creche estava 100% segura para as crianças.
Alguns itens, como o pórtico de entrada, portões, a parte eletrônica, a sala
multiuso e o estacionamento só devem ficar prontos em julho.
Conquistar um espaço tão rico como a creche Hassis
não foi fácil para a comunidade atendida, que inclui os moradores do bairro
Costeira de Pirajubaé e de bairros próximos, como Rio Tavares, Campeche e
Carianos. A luta por um prédio que pudesse atender as crianças em tempo
integral começou em 2006, quando a creche local só aceitava crianças em meio
período. Desta época até 2013, quando a obra começou, houve idas e vindas,
perda de outro terreno doado pelo governo federal para uma praça, muita
burocracia e dificuldades para conseguir uma empreiteira disposta a se
responsabilizar pela obra.
A ideia inicial da secretaria de Educação da cidade
era construir um prédio capaz de economizar energia elétrica e água, uma
preocupação já existente em outras creches e escolas, que procuravam fazer
essas melhorias. Durante discussões para o desenvolvimento do projeto, de
autoria da arquiteta da prefeitura Rachel Braga, os participantes, que incluíam
a secretaria de Educação, engenheiros, representantes da comunidade e
funcionários da antiga creche do bairro, chegaram à conclusão de que deveriam
buscar construir um espaço inteiramente pautado pela sustentabilidade, do
início ao fim. O financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
e do governo federal ajudou a tirar a ideia do papel. O custo total da obra
deve chegar a cerca de R$ 4,7 milhões, segundo a prefeitura. Deste total, R$
4,4 milhões vieram do BID e do governo federal. O banco investiu R$ 1,9 milhão
e o Ministério da Educação, R$ 2,5 milhões, sendo R$ 1,8 milhões do FNDE e R$
695 mil do salário-educação.
Pipa e carrinho
Desde que chegaram ao espaço, as crianças já
começaram a entrar em contato com suas várias possibilidades. Plantaram mudas
de temperos, verduras, girassóis e tomatinhos na horta. Andam de bicicleta, de
patins e de motoca, brincam de carrinho e empinam pipa na área externa. Mesmo
sem entenderem exatamente como funcionam, veem as placas solares no telhado e
podem acessar o espaço do teto verde, onde têm uma visão maravilhosa do mar e
do bairro. No dia a dia, as crianças têm contato com o tema da sustentabilidade
em projetos de literatura infantil relacionados ao meio ambiente. Fazem
atividades com materiais recicláveis e com elementos da natureza. As
professoras procuram usar menos papel branco e colorido e mais papel reciclado.
Trabalham nas aulas a história do artista Hassis, homenageado no nome da
creche.
Nascido em Curitiba em 1926, ele viveu em
Florianópolis desde os dois anos de idade, onde se dedicou a resgatar temas da
cultura da ilha catarinense, incluindo o universo infantil e as brincadeiras da
infância na ilha, como cabra cega, bolinha de gude e boi de mamão. Morto em
2001, ele usava materiais como papelão e elementos da natureza em suas obras.
“Não existe mais como não falar sobre a sustentabilidade. Temos que incorporar
uma nova maneira de interagir com o planeta desde a primeira infância, nos
enxergando como parte da natureza”, diz Claudia.
Além de alunos, professores, funcionários e pais, a
creche recebe visitantes desde a inauguração. São estudantes, profissionais da
área de arquitetura e construção e até uma representante da Organização das
Nações Unidas (ONU). “Espero que este projeto inspire outros órgãos públicos e
secretarias de Educação a adotar estes princípios. Encarece um pouco a execução
da obra, mas os efeitos futuros são bons, inclusive economicamente”, afirma o
secretário de Educação de Florianópolis, Rodolfo Joaquim Pinto da Luz.
Novo projeto
Além da creche Hassis, a prefeitura de
Florianópolis trabalha em um novo projeto de creche sustentável na região
continental da cidade. Estas e outras obras na área da educação fazem parte de
um programa de expansão e qualificação do ensino da rede municipal em parceria
com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que teve os estudos
iniciados em 2010, segundo o diretor de infraestrutura da secretaria de
Educação, Mauricio Amorim Efe. O convênio foi firmado em 2014 e prevê a
construção de creches e escolas, reformas de unidades, qualificação de
professores e acesso à tecnologia. Pelo convênio, o BID financia US$ 59 milhões
(cerca de R$ 183 milhões) e a prefeitura investe o mesmo valor. A administração
pública tem cinco anos para executar o programa.
Fonte: Porvir
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