Pessoas
com deficiência como agentes de mudança.
A deficiência e a pobreza estão relacionadas,
devido à discriminação, ao nível educacional e ao consequente desemprego. Foto:
Bigstock
Por Nora Happel, da IPS –
Nações Unidas, 1/7/2015 – Participação,
empoderamento político e econômico, inclusão, infraestrutura e tecnologia
acessível, bem como indicadores para uma significativa implantação são algumas
das questões fundamentais que as pessoas com deficiência pretendem ver
refletidas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Na fase final das negociações para definir a Agenda
de Desenvolvimento Pós-2015, as pessoas com deficiência pedem que os governos
coloquem fim à exclusão e à discriminação, melhorando sua visibilidade e a de
seus direitos nos ODS, que devem entrar em vigor no final do ano.
Rachel Kachaje, vice-presidente de Grupos
Sub-Representados e Desenvolvimento no escritório da Organização Mundial de
Pessoas com Deficiência, na capital do Malawi, afirmou que “gostaria que os ODS
convertessem os deficientes em cidadãos produtivos em seus respectivos países.
É muito doloroso ver as pessoas com deficiência lutando para serem reconhecidas
na sociedade”.
Kachaje, ex-ministra de Deficiência e Assuntos de
Pessoas Idosas do Malawi, sabe bem do que fala, porque aos três anos de idade
foi infectada pelo vírus da poliomielite e perdeu a mobilidade nas duas pernas.
Como sua família não podia pagar uma cadeira de rodas, seus problemas de
deslocamento dificultaram seus estudos primário e secundário.
Ao terminar a escola e sem poder ir à universidade,
demorou muito para conseguir trabalho porque as empresas se negavam a contratar
pessoas com problemas físicos. Finalmente, graças ao seu empenho e a um
ambiente familiar propício, Kachaje conseguiu superar as dificuldades e avançar
em sua carreira chegando a ser ministra de seu país.
Sua história pessoal ilustra as barreiras físicas,
sociais, educacionais e profissionais com as quais costumam se encontrar as
pessoas deficientes na hora de desenvolver seu potencial e conseguir plena
participação social, quando mediante um ambiente propício se pode conseguir
importantes efeitos de habilitação. O empoderamento das pessoas com deficiência
é, de fato, uma das demandas centrais dos ativistas.
Ao ser consultada pela IPS, Kachaje destacou a
importância de facilitar o acesso à educação, como “chave-mestra para abrir
todas as portas da vida” e propiciar um sustento que permita a atividade
agrícola e a segurança alimentar. Outras medidas como serviços médicos,
atividades sociais e maior participação na política ajudam os que lutam para se
converterem em cidadãos totalmente produtivos.
“Gostaria que as pessoas com deficiência, em geral,
e as mulheres com deficiências, em particular, bem como as organizações que as
representam, participem, se envolvam e sejam consultadas para os processos
governamentais. Não deve ficar apenas no papel”, pontuou Kachaje. “Desejaria
que as autoridades passassem da palavra à ação”, ressaltou.
No Malawi houve avanços significativos em termos de
inclusão educacional e econômica, bem como participação política. “As escolas
se tornam mais acessíveis e são formados professores especializados. Ainda
restam muitos desafios, mas pelo menos se faz algo e há vontade política para
que a educação seja mais inclusiva. As pessoas deficientes também recebem uma
ajuda econômica. Outras foram designadas para cargos de decisão”, explicou
Kachaje.
Há duas semanas, foram discutidas medidas para
superar a exclusão e incorporar os direitos desse setor da população na agenda
de desenvolvimento sustentável, na oitava sessão da Conferência dos Estados
Partes da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência.
Este ano, a conferência se concentrou na redução da
pobreza, na igualdade e no desenvolvimento. Como apontaram muitos oradores, a
deficiência está estreitamente relacionada com a pobreza, que deriva,
principalmente, da discriminação, do baixo nível educacional e do grau de
desemprego.
Dias antes da conferência foi divulgado o rascunho
zero do documento final da Cúpula da ONU que adotará a Agenda de
Desenvolvimento Pós-2015. Nesse contexto, muitos dos participantes lamentaram
que não sejam mencionadas de forma específica as pessoas com deficiência no
primeiro ODS, que procura acabar com a pobreza em todas suas formas e em todas
as partes.
Segundo Venkatesh Balakrishna, presidente honorário
da Rede Global de Reabilitação Comunitária, “ser invisível nos objetivos significa
ser invisível para os benefícios”. E pediu aos governos que mencionem de forma
específica as pessoas com deficiência no primeiro ODS e agreguem metas e
indicadores concretos. “Deem alguma esperança a milhões de pessoas. Por favor,
usem sua caneta para a justiça”, ressaltou.
Mas, em comparação com os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio (ODM), acordados em 2000 e que os ODS vão
substituir, as pessoas deficientes conseguiram maior visibilidade no rascunho
zero. De fato, Priscille Geiser, diretora da unidade técnica Apoio à Sociedade
Civil da Handicap International, afirmou à IPS que “aplaudimos que as
referências às pessoas com deficiências tenham sido reforçadas em toda a
declaração”.
Por outro lado, disse Geiser, há carências em
termos de tecnologia acessível para todos e de indicadores concretos para medir
sua implantação. Além disso, deve-se dar maior ênfase na participação ativa das
pessoas com deficiência. “É fundamental conseguir compromissos para que os ODS
sejam implantados e revisados mediante uma participação significativa. Em
linhas gerais, o papel ativo das pessoas como agentes de mudança, em lugar de
simples beneficiários, está totalmente subestimado nessa nova agenda”,
acrescentou.
Na conferência, várias vezes foi reiterado o fato
de que a inclusão não deve ser vista como caridade, mas como um investimento na
sociedade que gerará benefícios econômicos e melhorará a vida de todas as
pessoas. “Já não podemos nos permitir o custo da exclusão”, destacou Catalina
Devandas Aguilar, relatora especial da ONU para os direitos das pessoas com
deficiência, se referindo à potencial perda econômica pela exclusão escolar de
meninos e meninas deficientes e pela discriminação atual no mercado de
trabalho.
Sobre os futuros desafios, Devandas enfatizou a necessidade
de traduzir as disposições da Convenção em medidas legais no terreno. Também é
necessário oferecer às pessoas com problemas físicos serviços acessíveis, como
infraestrutura, e melhorar a proteção social, a coleta de dados, um conjunto de
objetivos e indicadores concretos e apoio à criação de instituições,
acrescentou. Para ela, o objetivo final é a total participação das pessoas com
deficiência na vida de sua comunidade.
Esses elementos foram apontados por quase todos os
participantes, o que demonstra um notável consenso sobre as medidas a serem
tomadas. Isso permite abrigar a esperança de que, mediante procedimentos mais
concertados, aumentará a visibilidade das pessoas deficientes na Agenda
Pós-2015 e se conseguirá de forma sustentada a implantação da Convenção.
Fonte: ENVOLVERDE
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