Nas águas dos oceanos, esplendor e dramas.
Por Washington Novaes –
Difícil até de acreditar: na semana em que se
comemorava o Dia Mundial dos Oceanos, a Comissão de Agricultura da Câmara dos
Deputados, em Brasília, rejeitava, com “forte influência da bancara ruralista”
(caroline.aboujaoude, 10/6), o Projeto de Lei 6.969/2013, que instituía a
Política Nacional para a Conservação e Uso Sustentável do Bioma Marinho
(PNCMar). É um projeto para o qual contribuíram mais de cem especialistas, com
disposições a respeito de aptidões naturais de cada região, como compatibilizar
os vários usos – inclusive econômicos –, planejamento espacial, etc.
Fundamental para o País, com litoral de milhares de quilômetros, zona costeira
imensa, 42 milhões de pessoas aí residentes. Só na pesca são 800 mil empregos
(Estado, 18/2).
Não bastasse, a rejeição se dá quando o Brasil
está apresentando de novo à ONU um projeto de forte expansão da fronteira
oceânica, de 963 mil quilômetros quadrados, que se somariam aos 3,5 milhões de
quilômetros quadrados de hoje. Numa análise preliminar, a ONU recomendou
diminuição de 190 mil km2. É também um momento de conflitos, como o que já
resultou em medidas cautelares questionando a construção de um grande terminal
portuário (48,3 km2) na Bahia, perto de Ilhéus – com o argumento de que
prejudicaria reservas naturais importantes para exportar 60 mil toneladas
anuais de minério de ferro (brasildefato, 10/4). Também está em questão a
ampliação do Porto de São Sebastião (SP), que, segundo parecer de cientistas
para o Ministério Público Estadual, teria “efeitos catastróficos e
irreversíveis” sobre toda a Baía do Araçá, o Canal de São Sebastião e Ilhabela.
Não há por que estranhar estarem no centro de
disputas faixas marítimas e outras mais amplas. Estudo do cientista Gerry
Goeden, da Universidade Nacional da Malásia, diz que, pela extensão e
importância, deveríamos ser o “Planeta Água”: são 1,4 bilhão de quilômetros
cúbicos de água, que cobrem 70,8% da superfície planetária; e 97% dessa água
está nos oceanos. Mais: 70% do oxigênio que respiramos é produzido por
microrganismos (fitoplâncton) que flutuam no mar ou estão em outras formas de
vida na Terra; o clima planetário é influenciado pelas correntes oceânicas; 80%
de toda a vida está no mar; 60% dos seres humanos vivem a no máximo 60
quilômetros dos oceanos. No Brasil, dezenas de milhões de pessoas dependem da
pesca.
Se ainda fosse pouco, o professor Maulori Curié
Cabral, do Instituto de Microbiologia da UFRJ, tem trabalhos mostrando a
necessidade até de trabalharmos com uma “agronomia marinha”, que seria de
extrema importância: não dependeria de irrigação, não ocuparia espaço de terras
agricultáveis, não precisaria de fertilizantes e agrotóxicos, seria rica em
vitaminas, sais minerais e aminoácidos, as microalgas produziriam uma safra a
cada dois meses, com rendimentos altos. E sua biomassa seria importante para as
indústrias farmacêutica e de alimentos e poderia complementar a produção de
etanol. Na verdade, pensa ele, todos os produtos dessa área deveriam ter rótulo
de “orgânicos” (micro.ufrj.br, 20/9/2014).
Mesmo diante de todas as evidências, entretanto,
pequenas áreas protegidas sobre o mar não chegam a 0,35% das áreas mais
restritas em terra, com parques e reservas extrativistas, ou a 1,6% das áreas
de proteção ambiental (conservation.org, 7/4/2014). E ainda sabendo que a
temperatura no Oceano Pacífico é hoje muito mais alta que há 10 mil anos, por
causa da absorção de calor pelos oceanos, segundo a Universidade Rutgers
(Science, agosto de 2014). O governo australiano pesquisa (The Guardian,
3/2/2015) espécies de corais para cruzá-las e obter outras, capazes de
enfrentar temperaturas crescentes no mar.
Conversações entre o secretário-geral da FAO e o
secretário de Estado norte-americano, John Kerry, abriram caminho para um
possível acordo global nessa área, já que, segundo a organização da ONU, 10% da
população mundial depende diretamente da pesca para seu sustento e 4,3 bilhões
de pessoas dependem em 15% das proteínas provenientes desse setor. A ONU pretende
que, numa conferência intergovernamental (Eco21, março de 2015), se consiga
chegar a um tratado vinculante para conservar a vida marítima e regular as
águas de alto mar, fora da jurisdição dos países. Tudo, entretanto, dependerá
de aprovação da Assembleia-Geral da ONU em setembro próximo, para uma redação
final em 2016 e votação decisiva em 2017. As águas de alto-mar cobrem 50% da
superfície da Terra e nelas estão ecossistemas ameaçados. Diz o Instituto da
Universidade de Queens, na Austrália, que 50% dos corais já desapareceram e 90%
dos peixes estão explorados “em excesso”.
Com tanta riqueza nos mares, não surpreende que
estudo do Fundo Mundial para a Natureza (WWF) atribua aos oceanos um valor
econômico global de US$ 24 trilhões – o que corresponde à riqueza produzida em
um ano pelos países mais desenvolvidos. Só que a “exploração excessiva”, a “má
gestão” e o clima constituem uma “ameaça cada vez maior” (27/4/2015). O
rendimento econômico advindo dos oceanos – US$ 2,5 trilhões por ano – está
próximo do PIB britânico (US$ 2,9 trilhões) e do brasileiro (US$ 2,2 trilhões).
Em todo esse panorama, é alarmante a questão do
lixo plástico nos oceanos: são 50 mil fragmentos por quilômetro quadrado,
inclusive nas regiões polares (Agência Estado, 2/12/2012). Há pelo menos 260
mil toneladas de resíduos dessa natureza flutuando nos oceanos (Ambiente
Brasil, 17/12/2014), ou 5,25 bilhões de fragmentos. Não se conhecem projetos
para retirar esse lixo, que permanece durante dezenas de anos. E também para o
futuro está difícil a formulação de soluções viáveis.
No Brasil, então, como ser fará, com o Ibama
dispondo apenas de três barcos para fiscalizar 7.300 quilômetros de costa
(Folha de S.Paulo, 8/6/2015)?
* Washington Novaes é
jornalista.
Fonte: O
Estado de S. Paulo
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