Belo
Monte, uma usina de promessas.
Por Dal Marcondes, da Envolverde –
O Instituto Socioambiental (ISA) lançou esta
semana o Dossiê Belo Monte, que aponta para uma série de erros e equívocos no
planejamento e construção da terceira maior hidrelétrica do mundo.
O Brasil está prestes a ver mais um reservatório
de usina hidrelétrica ocupar espaços que antes eram destinados a múltiplos
usos. A história se repete, com nuances de diferenças e muitas similaridades. A
hidroeletricidade é apontada como uma das energias ambientalmente mais limpas
do planeta, no entanto, não se pode dizer o mesmo de seus impactos sociais. A
hidrelétrica de Belo Monte está instalada em uma das regiões de maior
sociobiodiversidade,do Brasil, muito próxima ao Parque Indígena do Xingu e de
Altamira, cidade que sempre foi um portal para a Amazônia. Principal obra da
primeira fase do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento), a construção da
usina de Belo Monte começou em 2011 e tem sido recheada por tropeços em sua
implantação e carregada de passivos ambientais e sociais.
A falta de cronograma claro e definição de
responsabilidades para as contrapartidas assumidas pela Norte Energia, empresa
responsável pela obra, transforma qualquer pequena demanda em um imenso jogo de
empurra entre os atores envolvidos. As obras das estações de tratamento
de água e saneamento em Altamira são o exemplo mais pitoresco desses impasses.
A empresa entregou para a prefeitura toda a infraestrutura que garantiria água
de boa qualidade e o tratamento de esgotos, contudo, nega-se a fazer as
ligações aos imóveis que consomem a água e geram os esgotos. Nesse processo
foram investidos R$ 485 milhões e a população ainda depende de poços e fossas
em seu cotidiano.
Há críticas consistentes também em outras áreas
da relação entre poder público e a Norte Energia, como saúde ou segurança. A
presença da obra de Belo Monte, que será a 3ª maior hidrelétrica do mundo,
levou milhares de trabalhadores e migrantes para a região, causando um enorme
impacto sobre os serviços públicos, que já não eram de excelência antes do
início dessa movimentação. A população de Altamira deu um salto de 100 mil para
150 mil habitantes, o que se refletiu no número de ocorrências policiais, onde
a taxa de homicídios subiu de 48 para cada 100 mil habitantes para os atuais 57
assassinatos por 100 mil habitantes. A média nacional é de 32 e a média mundial
é de seis.
Transitar em Altamira também tornou-se um
exercício arriscado. O número de acidentes de trânsito na cidade subiu de 456
para 1169 em um ano, o que serviu, também, para aprofundar a crise nos serviços
públicos de saúde, que em apenas um hospital em 2013 os atendimentos foram
triplicados.
Saúde e educação foram áreas muito impactadas
pela presença de uma nova população, formada principalmente por trabalhadores
da Norte Energia, suas famílias, prestadores de serviços e pessoas em busca de
mais oportunidades, além, é claro, das populações ribeirinhas e rurais
deslocadas de suas casas por conta das obras e do território que será ocupado
pelas águas represadas do rio Xingu. A empresa se comprometeu a investir na
infraestrutura de saúde, mas atrasou a entrega de todos os equipamentos
contratados.
A infraestrutura de educação também é bastante
exigida, novamente o atraso na entrega das obras combinadas com a Norte Energia
levou os municípios a suportarem excesso de alunos em salas de aula. Além
disso, há um dado importante: o Ministério da Educação considera em seus
repasses para os municípios o número de estudantes matriculados no ano
anterior. No caso da região impactada por Belo Monte o número de alunos tem crescido
à base de mil a mais por ano, o que amplia a pressão sobre os recursos
municipais. Em 2012, havia em Altamira 24.791 alunos, em 2015 o número de
alunos matriculados (ensino infantil e fundamental) aumentou para 27.486.
É importante registrar que houve um expressivo
aumento nas taxas de reprovação e evasão escolar com riscos importantes para
segurança de crianças e adolescentes. Somado a isso há o fato de que o Conselho
Tutelar de Altamira conta com apenas cinco pessoas para atender mais de dois
mil casos por ano.
A hidrelétrica é, também, o empreendimento de
maior impacto sobre populações indígenas em todo o Brasil. Mais uma vez o
empreendedor não inovou em nada, adotou na maior parte de seus investimentos
com foco nesse grupo critérios clientelistas. Dos R$ 212 milhões que a empresa
alega ter gasto a maior parte foi ofertada em presentes e “mesadas” para as
aldeias, em uma relação desigual com as comunidades. Essa oferta desmedida de
dinheiro desequilibrou os sistemas de produção de alimentos nas aldeias, que
passaram a comprar produtos industrializados de baixa qualidade e impôs riscos
à segurança alimentar principalmente das crianças.
A relação da Norte Energia com o Ibama tem sido
de conflito e composição em situações onde licenças são concedidas antes que as
contrapartidas sejam, de fato, entregues à população e às prefeituras da
região. Essa situação piora com a falta de uma presença efetiva de comando e
controle, o que tem levado a uma exploração de recursos naturais em Terras
Indígenas, onde a retirada de madeira já pode ter chegado a valores próximos a
meio bilhão de reais.
A situação dos recursos pesqueiros é um capítulo
a parte. Mesmo fazendo um monitoramento semestral na região, os dados coletados
pelo Ibama não estão sendo colocados à disposição da população, de
pesquisadores ou de organizações sociais que fazem o acompanhamento dos
impactos sobre a pesca, um importante elemento de geração de renda e segurança
alimentar para as populações ribeirinhas e para os povos indígenas.
Mesmo não sendo o primeiro e nem o único
empreendimento de porte instalado no Brasil, a construção de Belo Monte vem
repetindo erros que já deveriam ter ficado no passado autoritário.
Praticamente todas as iniciativas de diálogos produtivos entre os principais
atores não têm levado a avanços importantes, questões fundamentais como o
reassentamento de populações rurais e a criação de assentamentos urbanos não
avançam por falta de flexibilidade nos planos da empresa.
Essa falta de diálogo reflete-se, também na
ausência de transparência em relação aos investimentos, aos financiamentos e
aos volumes de recursos alocados em cada uma das áreas de atuação da Norte
Energia em todo o processo de planejamento, licenciamento e construção da usina
de Belo Monte. Neste momento em que as comportas estão para ser fechadas fica a
lição de como não fazer uma grande obra de infraestrutura na Amazônia, região
sensível que ainda vai abrigar muitos bilhões em geração de energia, mineração,
estradas e todo o tipo de intervenções impactantes sob o ponto de vista
ambiental e social.
* * Dal Marcondes é jornalista,
diretor da Envolverde e especialista em meio ambiente e desenvolvimento
sustentável.
Fonte: ENVOLVERDE
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