Banco do
Brics, mais do mesmo ou novo modelo de desenvolvimento?
Os chefes de Estado de Rússia, Índia e Brasil
durante a Cúpula do Brics, em 2014. Foto: Conta oficial do Flickr de Narendra
Modi/cc-by-sa-2.0.
Por Kanya D’Almeida, da IPS –
Nações Unidas, 10/7/2015 – As cinco economias
emergentes que integram o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)
realizam sua sétima cúpula na Rússia, oportunidade em que será inaugurado o
Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), enquanto 40 organizações sociais de todo o
mundo exigem transparência e democracia por parte desse novo órgão financeiro.
Em carta aberta aos governos do Brics, as
organizações não governamentais também pedem que o NBD, cujo objetivo é
financiar a infraestrutura e o desenvolvimento sustentável dos países do Sul,
fixe padrões sólidos e assegure seu cumprimento.
Com capital inicial de US$ 100 bilhões, o NBD
nasceu graças a uma combinação de circunstâncias, incluída a frustração das
cinco potências emergentes com o Grupo do Banco Mundial e do Fundo Monetário
Internacional (FMI), dominados em grande parte pelas potências ocidentais.
Segundo um documento divulgado em 2014 pela
organização humanitária Oxfam, outro fator que explica a criação desse banco
foi o grande déficit existente na quantidade de fundos destinados aos projetos
de infraestrutura nos países do Sul em desenvolvimento. Nesse sentido, a ajuda
oficial ao desenvolvimento e ao financiamento das instituições multilaterais só
atendia entre 2% e 3% das necessidades dos países do Sul, segundo a
organização.
Afetada por sanções econômicas em resposta à crise
da Ucrânia, a Rússia tem particular interesse em colocar em marcha o NBD e
pressionar as agências internacionais de qualificação para que avalizem a
dívida do banco, com um primeiro passo necessário para que inicie suas
operações.
Sem contar com a África do Sul, último membro a
aderir ao Brics, os outros quatro países acumulam 25% do produto interno bruto
e 41,4% da população do planeta, ou aproximadamente três bilhões de pessoas.
Além disso, as fronteiras desses países incluem um quarto da superfície
terrestre em três continentes.
Enquanto os chefes de Estado participam da cúpula,
que começou ontem na cidade russa de Ufá, cidadãos de seus países manifestam
dúvidas de que o organismo financeiro nascente seja na verdade uma alternativa
aos modelos de desenvolvimento tradicionais liderados pelas potências
ocidentais.
“O modelo de desenvolvimento existente em diversos
países emergentes e em vias de desenvolvimento favorece estratégias centradas
na exportação de matéria-prima e também políticas que são socialmente
prejudiciais e ambientalmente insustentáveis, provocando maior desigualdade
entre os países e dentro deles”, afirmam as ONGs que assinaram a carta aberta
divulgada no dia 7.
“Se o Novo Banco de Desenvolvimento vai romper com
essa história, deve se comprometer com esses quatro princípios: promover o
desenvolvimento para todos, ser transparente e democrático, estabelecer padrões
fortes e assegurar seu cumprimento, e promover o desenvolvimento sustentável”,
acrescentam os signatários.
“Embora o Convênio Constitutivo do NBD tenha um
artigo sobre transparência e prestação de contas, até o momento não vimos
nenhum indício de políticas operacionais em matéria de transparência ou
relacionadas com mecanismos de prestação de contas”, afirmou à IPS Gretchen
Gordon, coordenadora da Bank on Human Rights, uma rede mundial de movimentos
sociais. “E, lamentavelmente, não existe um diálogo aberto com a sociedade
civil a respeito”, acrescentou.
“Quanto ao tipo de desenvolvimento que o NBD
oferece, ainda não temos indícios de que o banco tomará uma direção
qualitativamente diferente daquela seguida pelas instituições do Consenso de
Washington”, pontuou Gordon, por correio eletrônico. “É por isso que os grupos
da sociedade civil nos países do Brics exigem um processo participativo e
transparente que identifique estratégias e políticas para o NBD, que possam
colocá-lo em rumo diferente e proporcionar um desenvolvimento sério”,
ressaltou.
Uma das principais preocupações das ONGs é que o
banco do Brics copie o velho modelo de desenvolvimento baseado em megaprojetos,
que fracassou na erradicação da pobreza e em proporcionar maior acesso aos
serviços básicos. Uma pesquisa internacional recente revela que, no transcurso
de uma década, cerca de 3,4 milhões de pessoas pobres, principalmente da
África, América Latina e Ásia, foram deslocadas por megaprojetos financiados
pelo Banco Mundial e por seu órgão de empréstimos ao setor privado, a
Corporação Financeira Internacional.
Embora tais projetos pretendessem fortalecer as
redes de transporte, a expansão das redes elétricas e a melhoria nos sistemas
de abastecimento de água, acabaram agravando a pobreza e a desigualdade que
afetam milhões de pessoas.
Um informe da organização Human Rights Watch (HRW)
concluiu que a debilidade das salvaguardas e dos protocolos do Banco Mundial
habilitou a violação dos direitos humanos de quem se pronunciou contra as
consequências econômicas, sociais e ambientais dos projetos financiados pela
instituição financeira.
Com esses antecedentes, as ONGs temem que um novo
banco de desenvolvimento, operando dentro desse marco falido, contribua com o
ciclo sem fim de violência e pobreza que caracteriza a era dos megaprojetos.
Considerando que mais de um bilhão de pessoas não
têm acesso a estradas transitáveis durante todo o ano, 783 milhões vivem sem
fornecimento de água potável e 1,3 bilhão não estão ligadas à uma rede
elétrica, não há dúvidas de que o mundo em desenvolvimento se beneficiará
enormemente de uma instituição financeira liderada desde o Sul.
Resta saber se o NBD deixará para trás o velho
modelo de financiamento e estabelecerá um padrão de desenvolvimento que seja
inclusivo e favoreça os pobres.
Fonte: ENVOLVERDE
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