Encíclica
papal faz uma leitura sobre a situação das desigualdades no campo da
agricultura no cenário mundial.
Sucena Shkrada Resk/ICV
A encíclica “Laudato si” – sobre
a Casa Comum, apresentada pelo papa Francisco, neste mês, reacendeu a
pauta socioambiental internacionalmente e é considerada um documento de peso
nos bastidores das discussões geopolíticas, que já ganha apoio de diversos
segmentos da sociedade, como o Observatório do Clima, o
movimento 350.org.
Ao mesmo tempo, tornou-se um bom instrumento de discussão, que antecede a Conferência das
Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-21)
e que, em vários trechos, trata da questão da agricultura neste contexto.
O documento robusto, com 246 tópicos, traz uma
leitura abrangente da situação socioambiental no planeta e uma interpretação de
caráter ecumênico sobre o sentido da chamada ecologia humana e integral. A
análise é carregada de argumentos pautados na Ciência, além da religião e da
vivência do pontífice mais próxima da população carente. Técnico em Química e
com formação em Filosofia, o também cidadão argentino Jorge Mario Bergoglio,
traz essa bagagem para estruturar sua análise.
Papa Francisco. Foto: Divulgação.
Papa Francisco chama a atenção para a necessidade
de um espaço de debate pelas populações atingidas direta ou indiretamente, como
agricultores, consumidores, autoridades, cientistas, produtores de sementes e
populações vizinhas dos campos, entre outras. E avalia a importância de terem a
possibilidade de expor as suas problemáticas ou ter acesso a uma informação
ampla e fidedigna para adotar decisões que visem o bem comum presente e futuro.
O pontífice trata enfaticamente, em vários trechos
do documento, da dívida ecológica, particularmente entre o Norte e o Sul,
ligada a desequilíbrios comerciais com consequências no âmbito ecológico e com
o uso desproporcionado dos recursos naturais efetuado historicamente por alguns
países.
“Constatamos frequentemente que as empresas que
assim procedem são multinacionais, que fazem aqui o que não lhes é permitido em
países desenvolvidos ou do chamado primeiro mundo. Geralmente, quando cessam as
suas atividades e se retiram, deixam grandes danos humanos e ambientais, como o
desemprego, aldeias sem vida, esgotamento de algumas reservas naturais,
desflorestamento, empobrecimento da agricultura e pecuária local, crateras,
colinas devastadas, rios poluídos e qualquer obra social que já não se pode
sustentar”, alerta.
Segundo sua análise, na contemporaneidade há
conhecimento e tecnologia suficientes para programar uma agricultura
sustentável e diversificada, e vai mais longe. Fala da importância da rotação
de culturas (versus monoculturas extensivas). “É possível favorecer a melhoria
agrícola de regiões pobres, através de investimentos em infraestruturas rurais,
na organização do mercado local ou nacional, em sistemas de irrigação, no
desenvolvimento de técnicas agrícolas sustentáveis. Podem-se facilitar formas
de cooperação ou de organização comunitária que defendam os interesses dos
pequenos produtores e salvaguardem da predação os ecossistemas locais. É tanto
o que se pode fazer!”, enfatiza.
Especialmente no capítulo 129, reforça o sentido da
desigualdade presente nos dias de hoje. Objeto de sua reflexão, reflete sobre
as economias de larga escala, especialmente do setor agrícola, que, de acordo
com o papa Francisco, acabam por forçar os pequenos agricultores a vender as
suas terras ou a abandonar as suas culturas tradicionais.
Essa observação vem ao encontro da realidade de
muitos agricultores familiares, no Brasil. Na encíclica, ele fala das
dificuldades desses trabalhadores de desenvolverem outras formas de produção,
mais diversificadas. Os empecilhos, em sua leitura, são decorrentes da
dificuldade de ter acesso aos mercados regionais e globais, ou porque a
infraestrutura de venda e transporte está ao serviço das grandes empresas. E
chama a atenção, de forma incisiva, para as obrigações das autoridades.
“…Têm o direito e a responsabilidade de adotar
medidas de apoio claro e firme aos pequenos produtores e à diversificação da
produção. Às vezes, para que haja uma liberdade econômica da qual todos
realmente beneficiem, pode ser necessário por limites àqueles que detêm maiores
recursos e poder financeiro. A simples proclamação da liberdade econômica,
enquanto as condições reais impedem que muitos possam efetivamente
ter acesso a ela e, ao mesmo tempo, se reduz o acesso ao trabalho, torna-se um
discurso contraditório que desonra a política”.
Transgênicos e oligopólios
Já no capítulo 134, aponta a questão dos
transgênicos. “Embora não disponhamos de provas definitivas acerca do dano que
poderiam causar os cereais transgênicos aos seres humanos e apesar de, em
algumas regiões, a sua utilização ter produzido um crescimento econômico que
contribuiu para resolver determinados problemas, há dificuldades importantes
que não devem ser minimizadas…”, pondera. Segundo papa Francisco, se constata a
concentração de terras em muitos locais onde estão estas culturas, resultando
no progressivo desaparecimento de pequenos produtores, que, em consequência da
perda das terras cultivadas, se viram obrigados a retirar-se da produção
direta”.
Nesta balança de desigualdade, de acordo com papa
Francisco, há a precarização do trabalho, e muitos assalariados agrícolas
acabam por emigrar para miseráveis aglomerados das cidades. E continua – “A
expansão destas culturas destrói a complexa trama dos ecossistemas, diminui a
diversidade na produção e afeta o presente ou o futuro das economias regionais.
Em vários países, nota-se uma tendência para o desenvolvimento de oligopólios
na produção de sementes e outros produtos necessários para o cultivo, e a
dependência agrava-se quando se pensa na produção de sementes estéreis que
acabam por obrigar os agricultores a comprá-las às empresas produtoras”.
Diante dessas reflexões, o documento contribui para
se avaliar a necessidade de mudança da relação das autoridades públicas, do
mercado e da sociedade, como um todo, com o agricultor familiar e pequeno
agricultor, ao mesmo tempo que discute a relação sustentável com a terra e o
ecossistema, interligando essa rede aos efeitos que desencadeiam desde as
Mudanças Climáticas e o Aquecimento Global à escassez de recursos, que gera um
quadro evolutivo de desnutrição mundial.
*Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada pela
PUC-SP, há 23 anos, com especializações em Política Internacional e em Meio
Ambiente e Sociedade, pela FESPSP, e é assessora de comunicação e
educomunicadora socioambiental do Instituto Centro de Vida (ICV)
– no escritório de Cotriguaçu – MT – Amazônia e autora do Blog Cidadãos
do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk.
Fonte: ICV
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