Cidadãos se mobilizam para monitorar e defender rios
cariocas.
Foto: Claudio Timm/ Flickr
Por Malu Ribeiro –
Os jacarés de papo amarelo que sobrevivem em lagoas
e rios da Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro, em águas poluídas por esgotos
sem tratamento e lixo, em regiões bastante adensadas, não chamam a atenção dos
cariocas como fazia o “Teimoso” – um jacaré paulistano que apareceu no poluído
rio Tietê no início dos anos 90. A surpreendente persistência do jacaré de São
Paulo em viver nas águas contaminadas do Tietê, em plena Avenida Marginal,
despertou nos paulistas o desejo de salvar o rio. Esse desejo coletivo, mas
adormecido, resultou em uma enorme mobilização, que reuniu mais de um milhão e
duzentos mil cidadãos em um abaixo-assinado para despoluição do maior rio do
Estado.
Ao relembrar a história do “Teimoso” para um grupo
de cariocas reunidos no Jardim Botânico do Rio de Janeiro para o lançamento do
projeto Observando os Rios, que levará cidadãos e grupos de voluntários a
coletar e analisar, mensalmente, a qualidade da água de rios urbanos, ouvimos
vários depoimentos sobre a triste condição da qualidade da água doce e do mar.
E em todos as histórias contadas havia o mesmo desejo: despoluir e recuperar a
água dos rios, lagoas e bacias hidrográficas, tornando-os saudáveis.
No Rio de Janeiro, a exuberância da natureza e
espécies ameaçadas de extinção, como o jacaré de papo amarelo, convivem com o
crescimento urbano, com a falta de saneamento, com o trânsito intenso e com
obras de infraestrutura que vêm mudando a paisagem da cidade rapidamente. Por
isto, um dos papéis do projeto Observando os Rios é chamar a atenção das
pessoas, fazendo-as olhar para esses rios e pequenos córregos urbanos como
espelhos do nosso comportamento. Monitorar a qualidade da água é uma forma de
sensibilizar, engajar e mobilizar cidadãos para a cidadania ambiental.
A primeira coleta de água com os integrantes dos
novos grupos de monitoramento do Rio de Janeiro foi realizada no rio dos
Macacos, na sub-bacia da Lagoa Rodrigo de Freitas, em maio deste ano. Esse rio
nasce no Morro da Vista Chinesa, protegido pelo Parque Nacional da Tijuca, e
corta o Jardim Botânico. Mas, apesar da aparência cristalina, suas águas
recebem em seu curso de apenas 4,6 km que atravessa comunidades, ruas e
avenidas pavimentadas, despejos de esgotos domésticos sem tratamento e lixo. A
existência da floresta protegida mantém as nascentes e corpos d’águas perenes,
o que, infelizmente, não é suficiente para garantir a qualidade ao longo do
curso.
Os indicadores medidos no rio dos Macacos pelos
voluntários do Observando os Rios, apontam que a qualidade da água está regular
e ruim, um alerta para que a sociedade mude comportamento, cobre investimentos
em saneamento básico e se engaje em ações locais.
O desafio de sanear rios urbanos é mundial.
Recentemente, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, determinou a
ampliação de uma legislação norte-americana, chamada de “Lei da Água” e que
trata do controle de poluição dos grandes e pequenos rios de forma que todos os
corpos d’água de uma bacia hidrográfica sejam protegidos com o mesmo rigor. A
determinação foi aplaudida por ambientalistas e juristas, porém, desacreditada
por democratas e setores econômicos que ameaçam recorrer ao Congresso e aos
tribunais pelo pretenso direito de poluir rios que consideram menos
importantes.
Em um comunicado oficial, o presidente Obama
declarou que “um em cada três americanos recebe água potável a partir de rios
que não contam com uma proteção clara, cujas águas foram deixadas vulneráveis
à poluição e esse atraso custa caro a nossa economia”.
Aqui no Brasil, a situação dos pequenos rios,
córregos urbanos e lagoas é ainda pior. Nossas águas não estão desprotegidas
pela legislação e desde a Constituição de 1988 é proibido lançar esgotos sem
tratamento em qualquer corpo d’água. O problema aqui é que, além de não haver
respeito a Lei, fiscalização e punições efetivas, a norma que regulamenta em
que padrão devem ocorrer os lançamentos de esgotos tratados é diferente de
acordo com a categoria dos rios. Os mais nobres, destinados a usos
ecossistêmicos e múltiplos, incluindo o abastecimento público, são os de
classes 1, 2 e 3. Já os rios de classe 4 são os menos nobres, utilizados para
diluir esgotos tratados com baixa eficiência, por sistemas que retiram apenas
cargas orgânicas.
Por isso, é tão difícil conseguir promover a
despoluição de grandes rios como o Tietê, ou mesmo garantir a boa condição da
água do mar, das praias e lagoas com padrões saudáveis. Os pequenos córregos e
rios de classe 4 recebem, de forma legal ou irregular, toneladas de poluentes
orgânicos e químicos e não têm volume suficiente para diluir essas cargas de
poluição. Todos esses rios correm para o rio maior da bacia hidrográfica, que
mesmo estando enquadrado em outra faixa, como de classe 3 ou 2, não atingem
esse padrão de qualidade devido ao grande número de afluentes de classe 4 que
recebem. O mesmo ocorre com as lagoas e com a água do mar, destino final das
bacias hidrográficas.
As águas seguem um único ciclo harmônico, o da
natureza, e não podem ser enquadradas por legislações como a brasileira, datada
dos anos 70, e que são reeditadas por resoluções e regulamentos a cada década
para atender interesses de setores econômicos.
A quem interessa manter no Brasil rios para diluir
esgotos? Para a Fundação SOS Mata Atlântica essa legislação precisa ser revista
e modernizada, acabando com rios de classe 4 no país, sendo assim mais rigorosa
no combate a emissão de poluentes na fonte de origem.
O exemplo de rios como o Jundiaí e o Lavapés, ambos
no interior paulista, que após investimentos em saneamento básico e engajamento
da sociedade, saíram da condição de rios de classe 4 para classe 3, é a
comprovação de que reunir cidadãos, de forma voluntária, para monitorar a
qualidade da água dos rios traz resultados efetivos, capazes de transformar a
realidade e de nos devolver jacarés, peixes, água boa e a dignidade.
* Malu Ribeiro é coordenadora da Rede das
Águas da Fundação SOS Mata Atlântica, ONG brasileira que desenvolve projetos e
campanhas em defesa das Florestas, do Mar e da qualidade de vida nas Cidades.
Fonte: SOS Mata Atlântica
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