Estudar e trabalhar, novo desafio para a infância na
Argentina.
Um menino acompanha sua mãe, Graciela Ardiles, nas
tarefas em sua pequena propriedade, em Arraga, na província de Santiago del
Estero, na Argentina. Graças a um programa de desenvolvimento rural que
aumentou a renda da família, ela disse que seus filhos poderão continuar
estudando até terminarem a universidade, ao contrário de seus pais. Foto:
Fabiana Frayssinet/IPS.
Por Fabiana Frayssinet, da IPS –
Buenos Aires, Argentina, 18/6/2015 – Até há pouco
tempo, o dilema na Argentina era estudar ou trabalhar. Mas agora a maioria da
população infantil e adolescente que trabalha também estuda, um avanço que
apresenta novos desafios para combater o fenômeno de repetição, ausência e
deserção escolar, e também quebrar o círculo de pobreza.
A mudança é reveladora, segundo Néstor López, do
Instituto Internacional de Planejamento da Educação, da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que elaborou, junto com
a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o informe Trajetórias
Escolares Protegidas na Argentina, apresentado este mês e que registra a
nova realidade.
“Quem analisasse a situação dos adolescentes há 20
anos via duas situações muito diferentes. Havia adolescentes na escola e havia
adolescentes que trabalhavam”, disse López à IPS. Mas “o que se vê agora é que
as taxas de escolaridade dos adolescentes aumentaram muito, o que significou,
em parte, redução em suas taxas de participação no trabalho, e também aumento
do grupo de adolescentes que estudam e trabalham”, acrescentou.
Em 2013, na Argentina, praticamente a totalidade
das crianças de cinco a 14 anos e 84% dos adolescentes de 15 a 17 anos iam à
escola, diz o documento. Para isso, segundo Gustavo Ponce, especialista em
prevenção e erradicação do trabalho infantil da OIT, contribuíram medidas como
a Lei de Educação Nacional, de 2006, que estabelece que o período obrigatório
de escolaridade se estende do último ano do nível inicial até a finalização do
nível secundário (entre os 17 e 18 anos). No começo deste ano, foi incorporada
uma alteração nessa lei, que amplia a obrigatoriedade de escolaridade para a
partir dos quatro anos.
Por outro lado, “houve muitos avanços, sobretudo no
âmbito normativo, com uma lei que elevou a idade mínima de admissão no emprego
para 16 anos, que incluiu o tema da proteção do trabalho adolescente entre os
16 e 17 anos de idade”, detalhou Ponce à IPS. Ele se referia a uma lei que
protege os jovens de todo trabalho que implique tarefas penosas, perigosas ou
que coloquem em risco a presença nas aulas e a saúde. E também houve a reforma
do Código Penal, em 2013, que incorporou o trabalho infantil como um crime.
A OIT e a Unesco mencionaram essas medidas, entre
outras, como a implantação de programas de transferência de renda familiar –
por exemplo, a Destinação Universal por Filho –, que contribuíram para
desestimular o trabalho infantil, ao elevar a renda em setores carentes.
“Pode-se dizer que houve uma política de erradicação do trabalho infantil”,
ressaltou Ponce.
Agora, segundo López, é necessário aprofundar a
melhora da inclusão escolar dos adolescentes. Segundo o novo estudo, entre as
crianças de cinco a 13 anos que trabalham e que também estudam, cerca de um
terço é reprovado por ano, contra 13% de repetência entre os que apenas
estudam.
Sobre o absentismo, o informe destaca, com base em
dados da Pesquisa de Atividades e Meninos, Meninas e Adolescentes, do
Ministério de Trabalho, Emprego e Assistência Social, que 20% dos que trabalham
e estudam têm faltas frequentes, enquanto diminui pela metade entre crianças e
adolescentes que apenas estudam.
Por outro lado, observando especificamente o caso
dos adolescentes trabalhadores, se deduz que 26% diretamente não frequentam a escola
e que 43% dos que a frequentam repetiram de ano. Entre os que só estudam a
repetência é de 27%. “É muito bom que a criança que estiver trabalhando também
esteja estudando, pensando em sua formação futura. A criança que tem de
trabalhar poder frequentar a escola é positivo”, afirmou López.
Mas, de todo modo, “o balanço é negativo, porque o
que demonstram as estatísticas, os estudos e o senso comum, é que a experiência
escolar dessas crianças é de menor qualidade, pois não têm tempo de fazer as
tarefas, nem de estudar, porque ficam cansados, porque faltam mais, porque, por
diversos motivos, o aproveitamento e o que podem fazer da experiência
educacional é menor”, destacou López.
De acordo com o Ministério do Trabalho, entre 2004
e 2012, o trabalho infantil na Argentina caiu 66%. Enquanto em 2004 havia cerca
de 450 mil meninos e meninas trabalhando, em 2012 eram apenas 180 mil.
Mas o que também preocupa são outras formas de
trabalho infantil, não tão visíveis. Por exemplo, as tarefas não remuneradas em
casa, que afetam especialmente as meninas e as adolescentes, como cuidar de
irmãos, da limpeza, dos animais e preparar a comida. “O nível educacional é um
dos principais mecanismos que o mercado profissional utiliza para selecionar
seus trabalhadores. Ter ou não ter acesso ao sistema educacional formal é um
dos aspectos mais fortemente associados com o processo de acúmulo intergerações
de desvantagens sociais”, segundo o informe.
Entre as medidas para incentivar a assistência
escolar, a OIT propõe melhorar a rede de serviços públicos e gratuitos para
apoiar a atividade do cuidado, formada por creches, centros de desenvolvimento
infantil e oferta de dupla jornada nos serviços educacionais. Também propõe
campanhas para combater mitos ou costumes especialmente arraigados em zonas
rurais.
“Por exemplo, ao entrevistar os pais, se nota que
eles consideram natural a atividade de alimentar e ordenhar animais antes de ir
para a escola, com se fosse uma colaboração e um aprendizado positivo, e não um
trabalho que as crianças realizam no âmbito familiar”, diz o informe.
O setor sindical propõe que os conceitos de
erradicação do trabalho infantil sejam incorporados também nos conteúdos
educacionais. Nesse sentido, Hernán Rugirello, da Coordenação de Pesquisas
Sociais, da Confederação Geral do Trabalho, citou à IPS uma experiência
realizada pela entidade na cidade de Mar del Plata, 400 quilômetros ao sul de
Buenos Aires. Ali, com ajuda do sindicato de professores, foi incorporado o
tema do trabalho infantil na grade curricular.
Segundo Rugirello, “para colocar essa problemática
na agenda, é importante também que os jovens trabalhem a partir do imaginário e
das representações, com agentes transmissores desses temas para levá-los para
dentro de suas casas”.
Fonte: ENVOLVERDE
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