“O Sol nasce para todos, mas não
com essa vista”.
por Anne
Vigna, para a Agência Pública
Responsável pelo Campo de Golfe Olímpico,
construtora obteve licença para erguer 23 prédios de luxo em área de
preservação ambiental; moradores vizinhos questionam irrigação de campo
enquanto sofrem com a falta de abastecimento de água.
Vista área do empreendimento da RJZ Cyrela vizinho
ao Campo de Golfe Olímpico. Foto: Riserva Golfe.
Avenida das Américas 10001, Barra da Tijuca, Rio de
Janeiro, estação do novo BRT Golfe Olímpico. Em meio a quatro pistas para
carros, em um pequeno canteiro, embaixo da única árvore, está instalado o
movimento “Ocupe Golfe”, exatamente em frente aos estandes de venda do
empreendimento da RJZ Cyrela, o “Riserva Golfe – Vista Mare Residenziale”.
Carrinho de golfe em frente ao estande da
construtura, que anuncia o campo “na entrada da casa” dos futuros moradores.
Foto: Anne Vigna.
“O sol nasce para todos, mas não com essa vista” é
um dos slogans do “Riserva Golfe” em sua página na Internet.
“Ter um campo de golfe como se fosse a entrada de sua própria casa”, continua,
reforçando o privilégio dos futuros moradores: “Em nenhuma outra grande
metrópole mundial você terá o privilégio de viver em frente ao mar, à lagoa, à
vegetação deslumbrante da Reserva de Marapendi e ainda contar com o futuro
Campo de Golfe Olímpico no seu horizonte”.
Identificada como jornalista, a repórter da Pública
teve o acesso negado aos estandes da Cyrela. De fora, dava para ver as pessoas
bebericando champagne enquanto assistiam à apresentação do empreendimento
composto por 23 edificios de luxo, cada um deles com 22 andares. Para fazer o
campo de golfe – “no horizonte” do “Riserva Golf”-, a prefeitura do Rio de
Janeiro reduziu a área de proteção ambiental do Parque de Marapendi, através da
Lei Complementar Municipal 125/2013, e a cedeu à construtora. Sem realizar
licenciamento ambiental.
O Campo de Golfe Olímpico – o terceiro da cidade,
construído em troca da redução da área ambiental pela Prefeitura do Rio. Foto:
Riserva Golfe.
E essa não é a única polêmica que enfrenta o Campo
de Golfe Olímpico, alvo de duas ações movidas pelo Ministério Público do Rio de
Janeiro. A primeira contestação nasceu de uma pergunta óbvia: era realmente
necessário fazer um novo campo de golfe em uma cidade que já tem dois campos de
golfe? Um deles, aliás, o Itanhangá Golf Club, também fica na Barra da
Tijuca e é considerado “um dos 100 melhores campos do golfe mundial” de acordo
com a revista Golf Digest. É nesse campo de 27 buracos que são realizadas todas
as grandes competições internacionais de golfe.
Parecia lógico, portanto, que em vez de construir
outro campo fossem feitas as adaptações necessárias no Itanhangá, respeitando
inclusive o compromisso do Comitê Olímpico Internacional (COI) de buscar
soluções econômicas e ecológicas para organizar o evento. Mas o Itanhangá Golf
Club sequer foi procurado pelo Comitê Olímpico Internacional como revelou seu
presidente, Alberto Fajerman, em uma carta à prefeitura do Rio, agora publicamente conhecida.
Questionado pela Pública, o assessor de imprensa do
COI, Philip Wilkinson, respondeu laconicamente em inglês: “Simplemente não
havia possibilidade de usar nenhuma instalação existente”. Por que?,
insistimos.
“Foi uma decisão técnica baseada em um relatório que não posso
divulgar”. Philip Wilkinson também não esclareceu se o Comitê Olímpico sabia
que o campo de golfe seria construído sobre a reserva ecológica de Marapendi.
“Isso não contradiz as novas regras do COI que prometeu fazer um evento
sustentável do ponto de vista ambiental?”, perguntamos. Resposta: “I can’t
answer” (não posso responder ).
Famílias sem água, campo de golfe irrigado
A destruição da reserva é o principal motivo do
protesto dos movimentos “Golfe para quem?” e “Ocupa Golfe”, este instalado no
canteiro central da avenida, com uma barraca para dormir à noite, quatro
cadeiras e algumas coisas para cozinhar. Apesar de algumas investidas da guarda
municipal, o acampamento se mantém desde o dia 6 de dezembro do ano passado. “A
ocupação é difícil, principalmente quando chove porque alaga tudo”, explica
Flavia, estudante de 23 anos. Alguns carros passam com gente xingando:
“vagabundos”; outros expressam apoio buzinando.
O movimento “Ocupa Golfe”, acampado na avenida com
estação do BRT ‘Golfe Olímpico’. Foto: Anne Vigna.
“Com certeza os que nos apóiam estão sem água em
casa”, comenta o ocupante Rafael, 21 anos, que deixa o acampamento nos finais
de semana para trabalhar como garçon na Baixada Fluminense.
No final de janeiro, o movimento contra o golfe
participou de um protesto contra a falta de água em frente à sede da CEDAE, no
Recreio dos Bandeirantes, a alguns quarteirões dali. Vizinhos do campo de golfe
dizem que estão sem água e reclamam que a CEDAE só manda um caminhão-pipa a
cada 45 dias, o que é insuficiente para abastecer as famílias. A injustiça
maior, dizem, é que enquanto eles estão sem água , a irrigação é permanente –
24 horas por dia– no futuro gramado do campo de golfe.
Flavia nos levou até a entrada do campo de golfe de onde se vê o equipamento de irrigação. Os pedreiros dos prédios ao lado confirmaram que a irrigação é contínua, mas não souberam dizer de onde vem a água.
Tampouco a assessoria de
imprensa da prefeitura. A construtora RJZ Cyrela negou-se a dar entrevista.
Tentamos, então, falar com a empresa responsável pelo projeto do campo de golfe
nos Estados Unidos, a Hanse Golf Design. Mas a empresa disse que só falaria com
a Pública se a matéria tivesse pontos “positivos”. “Se for para falar coisas
negativas, não vamos comentar”, disse.
Vista do empreendimento de luxo com vista para o
Parque do Marapendi. Foto: Anne Vigna.
Tom Naccarato, o porta-voz da empresa.
Infelizmente, falar sobre a água, foi considerado por ele uma “coisa negativa”.
Ele desejou boa sorte e ofereceu um conselho: “Pessoalmente, sugiro que vocês
mostrem o lado positivo dos jogos, como foi feito aqui em Los Angeles em 1984,
considerada a Olimpíada mais exitosa de todos os tempos. Vamos superar Los
Angeles no Rio! Porque os Jogos Olímpicos são sobretudo o espírito, a unidade e
a amizade. Medalhas de ouro para todos!”
Em 7 de março de 2012, quando o prefeito Eduardo
Paes apresentou o futuro Campo de Golfe Olímpico, prevalecia o espírito
exaltado por Tom: tudo parecia maravilhoso. O prefeito anunciou que o novo
campo de golfe, que seria aberto ao público depois da competição, não custaria
um tostão aos cofres públicos.
“Vamos economizar 60 milhões de reais” disse o
prefeito.
Ao centro, o presidente da RJZ Cyrela Rogério Jonas
Zylbersztajn fala ao ouvido do prefeito Eduardo Paes; à esquerda o vereador
Luiz Antonio Guarana (PMDB) e à direita o presidente da construtora Carvalho
Hosken Carlos Fernandes de Carvalho com a esposa – foto tirada em 30/05/2012.
Segundo James Francis Moore, especialista em
construção de campos de golfe nos Estados Unidos, um campo que custa 10 milhões
de dólares, cerca de 30 milhões de reais é considerado de qualidade muito alta.
Com preço duas vezes maior, medalha de ouro para o Rio!, como queria Tom.
Não que falte ouro nessa história. A construtora
RJZ Cyrela pode ser orgulhar de haver feito um negócio fenomenal já que em
troca de um campo de golfe para os Jogos Olímpicos, obteve autorização para
construir 23 edifícios. E de 22 andares – enquanto as construções vizinhas
estão limitadas a seis andares – com vista livre para o mar…
Fazendo um cálculo a partir do preço por m2 no
bairro, o movimento “Golfe para quem?” chegou a uma receita de um bilhão de
reais para a construtora em troca dos tais 60 milhões de investimento no campo
de golfe. O suficiente para que o Ministério Publico de Rio de Janeiro (MPRJ)
abrisse um inquérito no início deste mês para “verificar se o benefício
concedido ao particular foi excessivo se comparado à contrapartida exigida pelo
município, o que geraria dano ao erário e feriria os princípios da
impessoalidade, moralidade e eficiência administrativas”.
Esta foi a segunda ação judicial promovida pelo
MPRJ: a primeira, em agosto do ano passado, foi movida por “dano ambiental”.
Segundo o MPRJ, todas as licenças, mudanças na lei, e decretos da prefeitura
para possibilitar a construção na área da reserva são totalmente ilegais. O
futuro do Campo de Golfe Olímpico agora está nas mãos da Justiça.
Para o biólogo Marcelo Mello, integrante do
movimento “Golfe para quem?”, não há dúvida de que “o prefeito é responsável
por um crime ambiental contra a Mata Atlântica, um patrimônio nacional que
também é tombado pela UNESCO, que declarou a Mata Atlântica como Reserva da
Biosfera da Humanidade. Eduardo Paes, que atualmente é presidente do C40, uma
organização de cidades preocupadas com o meio ambiente, destruiu a natureza
para beneficiar uma empresa. Um esquema que qualifico de criminoso e corrupto”.
Veja aqui as respostas da Prefeitura do Rio.
O Campo de Golfe Olímpico é irrigado 24 horas por
dia enquanto vizinhos estão sem abastecimento de água. Foto: Anne Vigna.
A organização de Marcelo também calculou o gasto de
médio de água para irrigar o campo de golfe: 1, 8 milhões de litros de água
diários. O cálculo se baseou em uma pesquisa sobre campos de golfe: “Nos países
úmidos se gasta 1,5 milhões de litros e nos países quentes mais de 2 milhões de
litros por dia, então chegamos a esse número de 1,8 milhões de litros para
Rio”. Mas, segundo outro estudo sobre uso de água, este realizado em 2012 pelo
Senado francês, um golfe de 18 buracos pode gastar até 5 milhões de litros de
água diários, o suficiente para abastecer uma população de 30 mil pessoas.
Caminhão pipa que abastece os canteiros do Campo de
Golfe Olímpico. Foto: Anne Vigna.
Enquanto andávamos pelas cercanias do campo de
golfe, vimos vários caminhões pipa que, segundo Flavia, do movimento “Ocupa
golfe”, “vem aqui todos os dias”. Enquanto isso, os moradores vizinhos recebem
um caminhão pipa a cada 45 dias.
Não se sabe ainda se e como a seca afetará os Jogos
Olímpicos do ano que vem. Por enquanto, o campo de golfe continuará consumindo
diaramente 1,8 milhões de litros de água, pelos cálculos mais conservadores. E
será utilizado apenas oito dias durante os Jogos Olímpicos. A competição prevê
quatro dias de jogos para os homens e quatro dias para as mulheres.
Fonte: Agência Pública
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