Gestão mais sustentável da água é
urgente, diz relatório da ONU.
por
Redação da ONU Brasil
No Dia Mundial da Água (22 de março), as Nações
Unidas afirmaram que uma gestão mais sustentável deste recurso não renovável é
“urgente”.
Até 2030, o planeta enfrentará um déficit de água
de 40%, a menos que seja melhorada dramaticamente a gestão desse recurso
precioso. Essa é a principal conclusão do Relatório das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento de Água 2015: “Água para um mundo sustentável”,
lançado na última sexta-feira (20) em Nova Déli (Índia).
O agricultor Francisco Elzo Pinheiro da Silva, 68
anos, conhecido como Chico Preto, mora na vila às margens do Açude Cedro,
buscando água em um água em poço. Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil
(02/03/2015).
O Relatório é publicado pelo Programa
Mundial de Avaliação dos Recursos Hídricos (World Water Assessment Programme,
em inglês), liderado pela UNESCO por meio da ONU-Água, mecanismo interagencial
das Nações Unidas para assuntos relacionados à água e questões de saneamento. O
Relatório enfatiza a necessidade urgente de mudar a forma como nós usamos e
gerenciamos esse recurso vital, no momento em que as Nações Unidas preparam a
adoção de novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Os recursos hídricos são um elemento-chave nas
políticas de combate à pobreza, mas por vezes são ameaçados pelo próprio
desenvolvimento. A água influencia diretamente o nosso futuro, logo precisamos
mudar a forma como avaliamos, gerenciamos e usamos esse recurso, em face da
sempre crescente demanda e da superexploração de nossas reservas subterrâneas.
Esse é o apelo feito pela edição mais recente do Relatório Mundial das Nações
Unidas sobre Desenvolvimento de Recursos Hídricos.
“As observações do Relatório são oportunas, porque
a comunidade internacional precisa elaborar um novo programa de desenvolvimento
para substituir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”, diz a
diretora-geral da UNESCO, Irina Bokova.
“Já existe um consenso internacional de que água e
saneamento são essenciais para que muitos dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio sejam atingidos. Eles estão indissoluvelmente ligados a questões como
mudança climática, agricultura, segurança alimentar, saúde, energia, equidade,
questão de gênero e educação. Agora, devemos olhar para a frente, com vistas à
mensurabilidade, ao monitoramento e à implementação”, diz Michel Jarraud, presidente
da ONU-Água e secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial (OMM).
Demanda crescente
Em 2000, a Índia tinha quase 19 milhões de poços
mecanizados ou por tubos, em comparação a menos de um milhão em 1960. Essa
revolução tecnológica teve um papel importante nos esforços do país em combater
a pobreza, mas o consequente desenvolvimento da irrigação resultou, por sua
vez, em um estresse hídrico significativo em algumas regiões do país, tais como
Maharashtra e Rajastão.
Esse exemplo ilustra as relações complexas entre o
acesso à água e o desenvolvimento. A água é essencial para o crescimento da
economia e para o combate à pobreza, e também é diretamente afetada pelo
desenvolvimento econômico. Para encontrar uma solução para esse desafio,
devemos buscar um equilíbrio entre o suprimento e a demanda da água.
Porém, não estamos nem perto disso. Apesar do
progresso considerável que tem sido realizado recentemente, 748 milhões de
pessoas ainda não têm acesso a fontes de água potável de qualidade. E aqueles
mais afetados são as pessoas de baixa renda, os desfavorecidos e as mulheres.
Ao mesmo tempo, o planeta nunca esteve tão sedento.
Para responder às necessidades de uma população em constante crescimento, os
setores de agricultura e energia precisam continuar a produzir cada vez mais.
De agora até 2050, a agricultura, que consome a maior parte da água, precisará
produzir mundialmente 60% a mais de comida, 100% em países em desenvolvimento.
A demanda por bens manufaturados também está
aumentando, o que, por sua vez, impõe maior pressão sobre os recursos hídricos.
Entre 2000 e 2050, estima-se que a demanda da indústria por água crescerá até
400%.
Enquanto a demanda por água aumenta
exponencialmente – espera-se um aumento por volta de 55% até 2050 – e 20% das
fontes mundiais de água subterrânea já estão sendo superexploradas, ainda não
há um gerenciamento sustentável dos recursos. A irrigação intensa de
plantações, a liberação descontrolada de pesticidas e produtos químicos em
cursos d’água e a ausência de tratamento de esgoto – que são o caso para 90%
das águas residuais em países em desenvolvimento – são provas dessa situação.
Pressões do desenvolvimento sobre os recursos
hídricos
O custo ambiental de práticas como essas é muito
alto, o que resulta em poluição em larga escala da água e desperdício
significativo. Na Planície do Norte da China, a irrigação intensa causou uma
queda de mais de 40 metros do lençol freático. O custo ambiental também tem
sido notado em termos de danos às vezes irreversíveis a muitos ecossistemas por
todo o mundo, especialmente em pântanos e áreas costeiras, o que reduz
substancialmente suas capacidades para executar os serviços essenciais dos
ecossistemas, como purificação e armazenamento de água.
A mudança climática aumenta ainda mais essa
pressão. A maior variação na precipitação e a elevação das temperaturas causam
mais evaporação e transpiração por parte da vegetação. Além disso, a elevação
do nível do mar ameaça os lençóis freáticos nas áreas costeiras. Assim como em
Calcutá (Índia), Xangai (China) e Daca (Bangladesh), outras cidades encontram
suas reservas de água subterrânea contaminadas pela água salgada. O cenário é o
mesmo nas Ilhas do Pacífico de Tuvalu e Samoa, cujos habitantes dependem cada
vez mais de água importada para satisfazer suas necessidades, já que seus
lençóis freáticos se tornaram salgados.
Segundo os autores do relatório, essa pressão
crescente sobre os recursos hídricos provavelmente também levará a mais
disputas entre os setores da economia, bem como entre regiões e nações.
Portanto, está na hora de mudarmos a forma de
avaliar, administrar e utilizar esse recurso, destaca o relatório, apontando
para falhas na nossa gestão da água. A água é muito barata, se comparada a seu
real valor, e raramente é levada em consideração quando são tomadas as decisões
relativas à energia e à indústria. Em geral, as decisões que determinam como
será utilizada a maior parte dos recursos hídricos são tomadas por um número
limitado de atores (estatais, paraestatais e privados) e seguem uma lógica
ditada por objetivos de curto prazo mais do que por preocupações ambientais.
O círculo virtuoso do desenvolvimento sustentável
Promover a boa governança: as decisões em torno da
água precisam ser transparentes e devem ter a participação da sociedade civil,
para que a população se sinta obrigada a colaborar para atingir a
sustentabilidade. Na foto, fundo do Açude Carnaubal que abastecia a cidade de
Crateús, no Ceará. Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil (05/03/2015).
O relatório enfatiza o papel das autoridades
públicas para influenciar as escolhas estratégicas que garantirão um futuro
duradouro para os nossos recursos hídricos. Recomenda, particularmente, limitar
o desenvolvimento de usinas de energia térmica, que atualmente produzem 80% da
nossa eletricidade e consomem grandes quantidades de água. Essa limitação pode
ser alcançada, por exemplo, pela garantia de subsídios para energias
renováveis, como a eólica e a solar, que ainda são relativamente caras.
Isso também poderia significar o oferecimento de
recompensas aos agricultores que utilizarem métodos eficientes de irrigação.
Por exemplo, em um país árido como Chipre, os subsídios como esses têm levado a
uma importante mudança das atitudes dos agricultores em relação a técnicas de
irrigação e à imposição de técnicas que consomem menos água.
A transição para modelos mais sustentáveis de
produção tem um custo, mas, como o relatório aponta, tais investimentos são
parte de um círculo virtuoso. De fato, os estudos mostram que para cada dólar
investido na proteção de uma área de captação, até 200 dólares podem ser
economizados no tratamento de água.
Portanto, enquanto são necessários 235 mil dólares
anuais para aperfeiçoar o tratamento de esgoto com o objetivo de manter
ecologicamente intactos os pântanos de Nakivubo em Uganda, esse ecossistema
fornece um serviço de purificação de água para a capital, Kampala, cujo valor é
estimado em 2 milhões de dólares por ano. Em Nova York, a gestão das áreas de
captação faz a cidade economizar um valor estimado de 300 milhões de dólares
por ano.
Os esforços realizados por alguns países mostram
que são possíveis uma melhor governança e um uso mais cuidadoso da água,
inclusive em países em desenvolvimento. As autoridades na área de gestão dos
recursos hídricos em Phnom Penh (Camboja) são um caso a ser apontado. Essa organização,
anteriormente acusada de corrupção e à beira da falência, tornou-se, no período
de uma década, uma das mais eficientes empresas do mundo em suprimento de água.
Ela reduziu os desperdícios de água de 60%, em 1998, para 6%, em 2008, o que
equivale a todo o suprimento de água de Cingapura.
Na ocasião em que as Nações Unidas se preparam para
aprovar os novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para 2030, o
relatório aponta para a necessidade de se dedicar um objetivo inteiramente aos
recursos hídricos. O documento argumenta que o foco deve ser estendido da água
potável e do saneamento – como foi o caso dos Objetivos de Desenvolvimento do
Milênio – para a gestão mundial de todo o ciclo da água. Assim, os ODS
propostos considerariam questões relativas a governança, qualidade da água,
gestão de águas residuais e prevenção de desastres naturais. Os ODS serão
finalizados no segundo semestre de 2015, durante a Assembleia Geral das Nações
Unidas.
O Relatório Mundial das Nações Unidas para o
Desenvolvimento dos Recursos Hídricos é o resultado da colaboração de 31
agências do Sistema da ONU e de 37 parceiros internacionais que compõem a
ONU-Água. Ele é produzido pelo Programa Mundial de Avaliação de Recursos
Hídricos (World Water Assessment Programme – WWAP), liderado pela UNESCO.
O relatório apresenta uma descrição exaustiva da
situação dos recursos hídricos no mundo e, até 2012, ele foi publicado a cada
três anos. Desde 2014, ele passou a ser uma publicação anual dedicada a um tema
específico. Seu lançamento em 2015 coincide com o Dia Mundial da Água, cujo
tema também é o mesmo do relatório.
Fonte: ONU Brasil
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