A crise do clima e a COP-21: uma
tragédia anunciada?
por Liszt
Vieira*
Foto: Shutterstock
O 5º Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental
sobre Mudanças Climáticas), divulgado no ano passado, alerta que o aquecimento
do clima vem ocorrendo a ritmo mais rápido do que o previsto. As Nações Unidas
colocaram a meta de um aumento de temperatura limitado a 2°C até o final do
Século 21, mas este objetivo corre o risco de ser atingido em 2030.
O cenário mais pessimista – elevação média da
temperatura da ordem de 4,8°C até o fim deste século – torna-se cada vez mais
provável se medidas enérgicas não forem rapidamente tomadas. O aumento médio de
26 a 98 cm do nível do mar (a estimativa anterior era de 18 a 59 cm) provocará
migrações em massa de populações em geral pobres, e eventos
climáticos extremos (calor intenso, secas, inundações etc.) devem se
multiplicar.
Além disso, ficará comprometida a segurança
alimentar de populações inteiras pela redução dos rendimentos agrícolas em
função da degradação do meio ambiente. Uma onda de extinção de espécies poderá
se produzir: não seria a primeira em escala global, mas, por sua rapidez e
origem humana, seria uma extinção sem precedentes.
Segundo o Relatório do IPCC de Março de 2014, durante
o Século 21 os impactos das mudanças climáticas deverão reduzir o crescimento
econômico, tornar mais difícil a redução da pobreza, agravar a insegurança
alimentar e criar novas “armadilhas” de pobreza, principalmente em áreas
urbanas e regiões castigadas pela fome. Um aumento maior na temperatura do
Planeta acarretará danos consideráveis à economia mundial. As populações mais
pobres serão as mais afetadas, pois a intensificação dos eventos climáticos
extremos, dos processos de desertificação e de perdas de áreas agricultáveis
levará à escassez de alimentos e de oferta de água potável, à disseminação de
doenças e a prejuízos na infraestrutura econômica e social.
O último relatório do IPCC alerta o mundo para a
urgência de medidas destinadas a combater o aquecimento global. Com efeito, a
temperatura média na superfície do Planeta subiu 0,85° entre 1880 e 2012. Na
dos oceanos, aumentou 0,11° por década entre 1971 e 2010. O nível médio dos
oceanos aumentou de 19 cm entre 1901 e 2010. Na região do Ártico, que se aquece
mais rapidamente do que a média do Planeta, a superfície dos campos de gelo
diminuiu de 3,5 a 4,1% por década entre 1979 e 2012.
A concentração de gases que produzem o Efeito
Estufa na atmosfera atingiu seus níveis mais elevados desde 800 mil anos, o que
dá uma ideia do impacto atual na biosfera. Segundo os cientistas do IPCC, as
mudanças climáticas trariam impactos graves, extensos e irreversíveis, se não
forem “controladas”, o que supõe medidas impositivas e obrigatórias a serem
adotadas no futuro tratado sobre o clima, a ser discutido em Paris, em Dezembro
de 2015.
Há um certo consenso de que o aumento da
temperatura global não deve ultrapassar 2°, sob pena de consequências
imprevisíveis no que se refere a eventos climáticos extremos, como secas,
inundações, desertificação, calor intenso, redução da produção agrícola,
aumento no preço dos alimentos etc. Desde a Conferência RIO-92, porém, a ação
dos “céticos do clima”, muitos deles ligados ao poderoso lobby da indústria do
petróleo, conseguiu barrar os avanços que seriam necessários para evitar a
situação alarmante em que nos encontramos hoje. O atraso foi tamanho que há,
entre os cientistas, os que temem uma elevação de temperatura de até 4°.
Mas o IPCC informa que existem soluções. Tais
soluções exigiriam mudanças no modelo econômico que poderiam ser efetuadas sem
comprometer o crescimento. Para isso, isto é, para não ultrapassar os 2°C, as
emissões mundiais de gases de Efeito Estufa (CO2 e metano, principalmente)
devem ser reduzidas de 40 a 70% entre 2010 e 2050, e desaparecer totalmente até
2100. Esse esforço foi quantificado, e custaria menos de um ponto no
crescimento mundial anual, estimado entre 1,6 e 3% no curso do Século 21.
Trata-se de fazer uma substituição de
investimentos: os efetuados na energia fóssil (petróleo e carvão) devem baixar
30 bilhões de dólares durante 20 anos, e os aplicados na energia solar e eólica
devem ser consideravelmente desenvolvidos. Para o IPCC, desenvolvimento
econômico e descarbonização são compatíveis.
Mudar o modelo econômico significa adotar uma série
de medidas e compromissos públicos e privados, conversões industriais,
compensações financeiras e medidas coercitivas de renúncia aos recursos
disponíveis e rentáveis a curto prazo. A Europa, por ex., se comprometeu a
reduzir ao menos 40% de suas emissões até 2030, a aumentar sua eficiência
energética e a parte das energias renováveis em torno de 27% em relação a 1990.
É claro que os países têm pesos diferentes e, nas
negociações internacionais, existem três grandes princípios que se
consolidaram:
1) Responsabilidade comum, mas diferenciada: a
responsabilidade é comum a todos, mas os países desenvolvidos historicamente
poluíram mais e, por isso, sua responsabilidade é maior;
2) Limitar a elevação de temperatura a uma faixa
entre 1,5° e 2°;
3) Financiamento aos países em vias de
desenvolvimento para ações de redução de emissões e adaptação às mudanças
climáticas.
Entre os principais atores da Conferência de Paris
no final deste ano, encontram-se a China, cujas emissões aumentaram 4,2% em
2013 (menos que os anos anteriores pela redução no crescimento econômico), os
EUA, cujas emissões cresceram 2,9% pelo aumento de seu consumo de carvão, a
Índia que viu as suas aumentarem de 5,1% face ao crescimento e uso intensivo de
carvão, a União Europeia, cujas emissões diminuíram 1,8% graças à crise
econômica, o Canadá, que se comprometeu na Conferência de Copenhague a reduzir
17% de suas emissões em 2020 em relação a 2005 (e está longe disso), e o Japão,
às voltas com a crise pós-Fukushima.
O Brasil chegou a ter certo destaque quando o
ex-Presidente Lula foi ovacionado na Conferência de Copenhague em 2009 ao
admitir metas nacionais de redução de emissões de Gases de Efeito Estufa –
contrariando a posição da delegação brasileira chefiada pela então Ministra da
Casa Civil, Dilma Rousseff. Desde então, o Brasil desapareceu do cenário
internacional.
O acordo bilateral de alto nível entre a China e os
EUA em 11 de Novembro de 2014 é uma boa notícia que mostra que esses dois
países – responsáveis por cerca de 45% das emissões globais – negociam
diretamente. É um passo importante do ponto de vista diplomático, mas, na
prática, as emissões chinesas vão continuar a aumentar nos próximos 15 anos,
ameaçando seriamente o objetivo de 2°C. Já os EUA se comprometeram a uma
redução de suas emissões de 26 a 28% até 2025, em relação a 2005, ou seja,
cerca de duas vezes mais do que o compromisso anterior para o período
2005-2020. Em Janeiro de 2010, os EUA falaram de uma redução de 17% em relação
ao nível de 2005, mas esse compromisso dependia de uma aprovação do Congresso.
Os Senadores já condenaram o novo compromisso, e os EUA mal conseguem cumprir o
precedente. Por outro lado, ressalte-se que esses dois maiores países
poluidores – China e EUA – são os países que mais investem em energia
renovável. A China sozinha investe mais em solar e eólica do que todo o resto
do mundo.
Um dos grandes obstáculos a serem enfrentados na
COP-21 em Paris será a criação de instrumentos econômicos reguladores. O Fundo
Verde, criado em Copenhague em 2009 devia originalmente contar com 100 bilhões
de dólares e até hoje não passou de um terço da capitalização inicial de 15
bilhões exigidos pelos países em vias de desenvolvimento.
A crise econômica mundial se choca com a crise
ecológica. Não existe um instrumento regulador para possibilitar a mudança do
modelo econômico. Eis porque a imposição de um preço do carbono é uma proposta
apoiada por muitos, ainda mais com a queda no preço do petróleo. Sem esse
instrumento e a consequente reorientação massiva de investimentos energéticos,
a Conferência de Paris fracassará e terminará – como a Conferência de Lima em
Dezembro passado – fazendo um apelo para que uma decisão efetiva seja tomada
numa próxima Conferência.
As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade
já desencadearam um processo de destruição de recursos naturais que ameaça as
condições de vida humana no Planeta. Segundo Paul Crutzen – Prêmio Nobel de
Química 1995 – já entramos em uma nova era geológica, o Antropoceno, em que o
homem começa a destruir suas condições de existência no Planeta.
Em 2002, o historiador John McNeill alertou em seu
livro “Algo de Novo Sob o Sol” (Something New Under the Sun, McNeill) que a
humanidade vem se aproximando perigosamente das “fronteiras planetárias”, ou
seja, os limites físicos além dos quais pode haver colapso total da capacidade
de o Planeta suportar as atividades humanas. Os eventos climáticos extremos não
cessam de confirmar sua advertência: secas, inundações, desertificação, falta
de água, temperaturas excessivas, desastres naturais, refugiados ambientais.
O Presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, afirmou já
em Julho de 2008 que “para conter a alta de temperatura aquém de 2°C-2,4°C, que
é a linha que não deve ser ultrapassada para evitar o perigo grave, só nos
restam sete anos para inverter a curva mundial de emissões de gases que
produzem o Efeito Estufa” (Le Monde, 8/7/2008). Ou seja, até este ano de 2015.
As mudanças climáticas em curso tornaram-se uma
causa autônoma de guerras, e não apenas um efeito multiplicador. A dificuldade
de acesso aos recursos necessários à sobrevivência, principalmente alimentos e
água potável, ou mesmo a subida do nível do mar, tornam-se fatores de violência
armada e conflitos territoriais de fronteira.
Em 17/4/2007, uma Resolução do Conselho de
Segurança da ONU qualificou a mudança climática como questão de segurança. Um
ano antes, o secretário britânico de Defesa, John Reid, declarou que as forças
armadas deviam se preparar para intervir em guerras de origem climática. A tese
de guerras climáticas é objeto de controvérsias. No caso de Ruanda, por
exemplo, os fatores ambientais como acesso a terras férteis e aráveis, acesso à
água potável, risco de catástrofes naturais ou desmatamento não são os únicos fatores
que explicariam a guerra. Tais fatores se articulam com componentes econômicos,
políticos e sociais. De qualquer forma, seja complementar ou desencadeador, os
fatores ambientais estão na origem do surgimento de refugiados climáticos nas
zonas já afetadas pelos conflitos armados, cujo número se elevaria a 200
milhões em 2050, segundo previsões do Relatório Stern.
Os interesses econômicos contrariados e a sombra da
ignorância se refletem ainda numa pequena minoria de “cientistas” e políticos
presos a dogmas do passado ou financiados pela indústria petrolífera. Hoje,
entre os poucos cientistas que negam o risco dos Gases de Efeito Estufa para a
humanidade, se destaca o cientista Wei-Hock Soon, do Centro Harvard-Smithsonian
de Astrofísica. Ele apareceu em vários programas de TV, prestou depoimento no
Congresso dos EUA, escreveu artigos científicos e fez conferências negando o
risco do aquecimento global que seria causado não por ações humanas, mas por
variações na energia do Sol.
Segundo matéria publicada no jornal New York Times
de 21/2/2015, documentos obtidos pelo Greenpeace e pelo Centro de Pesquisa do
Clima, nos termos da Lei de Liberdade de Informação estadunidense, comprovam
que o cientista Wei-Hock Soon foi financiado pela indústria do petróleo durante
longos anos: na última década, recebeu 1.2 milhão de dólares em dinheiro sem
revelar a origem desse financiamento.
Foi um duro golpe dado aos “negacionistas”. Eles
estão sendo esmagados pela realidade que mostra que a sobrevivência da
humanidade no Planeta está ameaçada se não houver profundas mudanças no atual
modelo de civilização, o que implica mudar o modelo insustentável de produção e
consumo e o próprio modo de vida da população.
* Liszt Vieira é doutor em Sociologia,
Professor da PUC-Rio.
Fonte: Eco21
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