Coleta de sementes florestais
conquista os jovens.
por
Rafael Govari*
Milene Aves Oliveira. Foto: Rafael Govari/ ISA.
Jovens, como Milene Alves Oliveira, 16 anos, acompanham
e aprendem com seus pais a coletarem sementes florestais, garantindo a
sequência e o futuro da Associação Rede de Sementes do Xingu.
Tem sido um desafio envolver os jovens nas
atividades rurais e florestais. Na Associação Rede de Sementes do Xingu (ARSX),
não é diferente. A maioria dos coletores é formada por adultos e até idosos. Se
jovens não entrarem na atividade, o futuro da Associação estará comprometido.
Mas o trabalho tem despertado o interesse dos mais novos, que começam a seguir
os passos dos mais experientes, garantindo que a região Xingu Araguaia
mato-grossense continuará tendo coletores de sementes florestais por muitos
anos.
Um desses jovens é Milene Alves Oliveira. Ela tem
16 anos e acompanha sua mãe na coleta de sementes florestais desde os 13.
Reside em Nova Xavantina no Mato Grosso e é estudante da Escola Estadual
Juscelino Kubitschek. A renda e a qualidade de vida de sua família melhoraram
quando eles ingressaram na Rede. Além disso, com essa experiência ela adquiriu
um vasto conhecimento sobre as espécies florestais da região. Para Milene, ser
coletora significa fazer a diferença no seu meio. Ela incentiva outros jovens a
se tornarem coletores de sementes florestais.
Confira a entrevista que Milene concedeu:
ARSX – O que significa pra você ser uma coletora?
Significa fazer a diferença. Significa uma porta
que Deus abriu para mim e minha família. O que me satisfaz é saber que, o que
eu faço hoje, provavelmente será o futuro de amanhã, que o tempo que passo
manejando qualquer tipo de espécie não é perdido, pois com todo esse
desequilíbrio da natureza, as sementes chegam para dar uma nova esperança de
que ainda há uma solução e, pensando dessa forma, sinto-me feliz por ser uma
coletora.
ARSX – Como surgiu o interesse pela atividade?
Bom, tudo começou quando minha mãe conheceu o
Santino, que é o elo do grupo aqui de Nova Xavantina. Com o passar do tempo,
nós começamos a ajudar no beneficiamento de algumas sementes para ele e, como a
gente tinha muito interesse pelas sementes, ele nos convidou a participar da
ARSX. Foi assim que cada vez mais fui me envolvendo na coleta de sementes.
ARSX – Além de você e sua mãe, alguém mais de sua
família coleta sementes?
ARSX meio que contaminou minha família. Primeiro a
minha mãe, depois eu, meu irmão com a esposa dele e, neste ano, meu pai.
ARSX – Quais espécies que vocês mais coletam?
São várias, como o cajazinho da mata, baru, jatobá,
murici, jatobá de brinco, copaíba, garapa, etc.
ARSX – Você também faz a coleta de sementes em
locais distantes e de difícil acesso?
Sim, sempre estou na companhia de minha mãe e, com
toda segurança, coletamos em diferentes lugares dentro e fora da cidade, sendo
alguns deles em áreas alagadas e de difícil acesso.
ARSX – Qual a maior dificuldade em ser um coletor?
No começo, pra gente foi muito difícil, pois minha
mãe trabalhava de doméstica e a gente coletava de bicicleta. Era muito corrido.
Ela saía do serviço e eu da escola para coletar e beneficiar as sementes.
Também coletávamos nos finais de semana e nas férias. Talvez a maior
dificuldade seja conciliar a escola com a parte de coleta, porque é frequente
minha mãe fazer a coleta de sementes no meio da semana e, como estudo na parte
da manhã e pelo menos três vezes na parte da tarde, só me sobra os finais de
semana para coletar. Pra quem pensa que ser coletor é tudo um mar de rosas,
está enganado, pois como tudo na vida, sempre há momentos bons e os momentos
ruins. Ser coletor exige muita responsabilidade e dedicação. Pelo menos comigo,
muitas das vezes vêm o cansaço, o desânimo, mas procuro sempre me lembrar do
verdadeiro significado de estar ali e, sempre que há uma reunião ou uma coleta
em grupo, recarrego minhas forças e vejo como é maravilhoso tudo isso que estou
vivendo e o quanto ainda posso viver na Rede de Sementes do Xingu.
ARSX – É possível obter uma boa renda coletando
sementes florestais?
Com certeza! Só com o dinheiro das sementes, hoje
minha mãe possui uma moto e um carro próprio, fez a habilitação dela e parte da
construção de nossa casa foi paga com essa renda. Para se ter noção de como a
vida da minha família mudou, minha mãe, que sempre trabalhou como empregada
doméstica, hoje trabalha para si mesma e nunca nos faltou nada.
ARSX – Além de sementes, vocês coletam outros
produtos?
Quando começamos a ter uma intimidade maior com as
sementes, vimos que havia algumas espécies de fruta com polpa. E, para não
desperdiçar, começamos a aproveitar não só a semente, como também a polpa
delas. A primeira que comercializamos foi a de murici, na feira de domingo, e,
depois, tamarindo. Hoje extraímos a polpa de mais de dez frutas e entregamos
para alguns restaurantes aqui da região. Assim, além da renda que vem da venda
das sementes, temos a renda da venda de polpas e também da castanha de baru.
ARSX – Que tipos de conhecimento você tem adquirido
depois que se tornou coletora?
Bom, acho que o conhecimento que mais adquiri foi o
reconhecimento de espécies florestais. Quando iniciei na Rede, não tinha a
menor noção dos nomes das árvores. Parecia que tudo era a mesma coisa. Já hoje,
vejo uma grande diferença. Quando me deparo com uma espécie, automaticamente, a
reconheço. Também aprendi a cultivar algumas espécies de sementes em viveiro e
a utilizar seus valores medicinais. Desta forma, tento sempre passar o que
aprendi na Rede em alguns trabalhos de escola, como feira de ciências ou que
tenha tema livre.
ARSX – O que mais a Rede proporcionou a você?
Essas sementes foram tão importantes em minha vida
que, hoje, quando olho para traz, não consigo compreender como tudo aconteceu.
Coisa que nunca imaginei fazer, a ARSX me proporcionou, como uma viagem para
São Paulo e outra para São Felix do Araguaia no Mato Grosso. Algo inédito que
marcou minha vida, além de várias outras coisas.
ARSX – A maioria dos coletores são adultos e até
idosos, com poucos jovens. Qual o seu recado para os jovens?
Primeiramente, se você jovem que lida com sementes
gosta do que faz, continue neste caminho. Você que ainda não participa, comece,
pois a Rede de Sementes do Xingu veio abrir portas para uma vida melhor. Como a
ARSX tem em sua maioria adultos e idosos, todo o conhecimento que eles adquirem
tem que ser passado adiante. Aí que os jovens entram em ação: Aprendemos com
eles e damos continuidade na Rede. Desta forma, convido vocês, nova geração, a
fazer parte dessa grande iniciação em favor da natureza.
ARSX – Pretende continuar na atividade?
Sim e se tudo der certo, pretendo cursar uma
faculdade de agronomia aqui em minha cidade pela Unemat. Mas na verdade,
gostaria mesmo é de fazer engenharia florestal. Entretanto, esse curso pela
Unemat só se encontra em Alta Floresta-MT.
ARSX – O que um jovem precisa para se tornar
coletor?
É um privilégio estar na ARSX pelo fato de que para
poder participar, você não precisar ser doutor ou algo parecido. Basta ter
força de vontade e perseverança. Assim, o mais vem como resultado do seu
trabalho.
ARSX – Para concluir, qual seu recado?
Bom, para concluir, tudo isso que eu disse é para
que as pessoas vejam que se pode viver bem sem degradar a natureza.
* Rafael Govari é jornalista de Canarana-MT.
Fonte: Sementes do Xingu
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