Em 10 anos, Sabesp aumenta 92
vezes oferta de água com desconto.
por
Maurício Moraes e Natalia Viana, da Agência Pública
Em 2005, Sabesp reservou 266 milhões de litros para
oito clientes. No ano passado, já foram 24 bilhões de litros, destinados a 526
grandes consumidores. Foto: Diogo Moreira/ A2 Comunicação.
Apesar da crise, 42 contratos especiais foram
assinados em 2014 com grandes empresas, que recebiam incentivos para consumir
mais.
O volume de água garantido a empresas que assinaram
contratos de demanda firme
com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) aumentou
92 vezes em dez anos. Segundo dados revelados a partir do pedido de acesso à informação feito
pela Agência Pública, em 2005 foram reservados 266 milhões de litros para oito
clientes. Em 2014 foram 24 bilhões de litros, destinados a 526 grandes
consumidores. Os contratos estabelecem uma tarifa reduzida para aqueles que se
comprometerem a pagar por um determinado volume mensal mínimo.
Os 24 bilhões de litros que a Sabesp reservou para
empresas no ano passado são equivalentes ao consumo de 404.040 pessoas em um
ano. O cálculo leva em conta o consumo médio de 166,3 litros por dia e cada
brasileiro, identificado em 2013 pelo Sistema Nacional de Informações sobre
Saneamento (SNIS), do Ministério das Cidades. É uma população um pouco maior do
que a da cidade de Jundiaí (397.965 habitantes), de acordo com a estimativa
populacional para 2014 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE). Outros grandes clientes, que assinaram seus contratos antes de 2005,
estão fora dessa estimativa por não constarem na tabela.
A quantidade de empresas que assinaram contratos de
demanda firme com a Sabesp aumentou rapidamente a partir de 2007. Entre 2005 e
2007, a companhia conseguiu 23 clientes. Na época, era necessário pagar por
pelo menos 5 milhões de litros mensais. Com o objetivo de aumentar o número de
consumidores, esse limite foi baixado para 3 milhões de litros mensais em 2007.
A medida resultou em 40 assinaturas de contrato só em 2008, quase o dobro da
soma dos três anos anteriores.
Em 2010, a Sabesp baixou o volume mínimo para 500
mil litros, com a anuência da Arsesp, a Agência Reguladora do Saneamento e
Energia do Estado de São Paulo. Isso levou o número de novos contratos a
disparar em 2011 e 2012, com 106 e 129 assinaturas, respectivamente. Houve
retração em 2014 (69 clientes), mas os contratos continuaram a ser renovados.
Consequência da política adotada, uma
característica do sistema é a concentração do uso. Em 2014, as 10 empresas que
mais consumiram água foram responsáveis por uma demanda de 5 bilhões de litros.
Juntas, essas 10 empresas consumiram mais que outras 367 empresas com menor
consumo. Esses dados revelam uma concentração no consumo de água. O gasto de 1%
das empresas mais consumidoras é equivalente ao gasto de 60% das empresas que
menos consomem.
Os 24 bilhões de litros que a Sabesp reservou para
empresas no ano passado são equivalentes ao consumo de 404 mil pessoas em um
ano.
Contratos assinados mesmo com crise
Ainda se sabe muito pouco sobre os controversos
contratos de demanda firme, que estão no centro do debate sobre a gestão da
Sabesp sobre os recursos hídricos do estado. A companhia se nega a dar
detalhes, chegando a descumprir uma determinação do Corregedor Geral da
Administração Gustavo Ungaro para que divulgasse a íntegra dos contratos.
Porém, os dados parciais obtidos pela reportagem
após a decisão de Ungaro são eloquentes. Revelam, por exemplo, que a Sabesp não deixou de assinar tais
contratos no ano passado, como informou ao jornal Estado de S Paulo.
Foram 42 contratos assinados em 2014, 30 deles a partir de março. Juntos, eles
se referem ao consumo de 1,8 bilhão de litros de água e foram os maiores
responsáveis pelo aumento de 5,4% no consumo anual de água reservado a empresas
com desconto nos preços.
Em março, quando a crise no abastecimento de água
já era uma realidade, a Sabesp suspendeu duas condicionantes importantes desse
tipo de contrato: a exigência de que as empresas consumam um volume mínimo de
água por mês (elas eram obrigadas a pagar por esse mínimo, usassem ou não a
água) e de que se “fidelizassem” ao sistema Sabesp, abandonando o investimento
em reuso ou em fontes alternativas de água. “Acreditamos que este esquema de
tarifas ajudará a impedir que nossos clientes comerciais e industriais optem
por passar a recorrer ao uso de poços privados”, explicou a companhia no último relatório a investidores.
Todos os contratos assinados a partir de março,
porém, mantiveram os descontos que resultaram em tarifas menores do que as
cobradas de clientes comerciais e industriais que não possuem esses acordos.
Entre eles, dois contratos com vigência de 5 anos para fornecimento de 20
milhões de litros mensais: assinados em 30 de abril e em 11 de agosto. Em
novembro, quando a presidente da Sabesp já havia reconhecido a severidade da crise
no abastecimento de água em depoimento à CPI da Câmara Municipal de São Paulo,
foram assinados três novos contratos. O maior deles, para o fornecimento de 3,8
milhões de litros de água por mês, com vigência de 5 anos, foi assinado logo no
dia primeiro de novembro. O valor do contrato é de R$ 4,4 milhões. Outro
contrato, de R$ 145 mil para o fornecimento de 1 milhão e 100 mil litros de
água, foi assinado no dia 5/11; e o último foi no dia 11/11, para o
fornecimento de 500 mil litros de água, no valor de R$ 140 mil.
Além dos novos contratos, a Sabesp renovou todos os
cerca de 500 contratos que já existiam – a maioria deles tem vigência de um
ano. São tão vantajosos para as empresas que, segundo os dados obtidos, apenas
uma delas suspendeu o contrato desde 2005. A quantidade de água usada, no
geral, por esses consumidores desde 2005 jamais deixou de aumentar.
Consumo em Alta
Apesar da falta de água nas casas dos paulistas,
41% das 526 empresas com contratos de demanda firme tiveram o mês de mais alto
consumo registrado em 2014. A empresa recordista no ano passado gastou 126
milhões de litros em abril, o triplo do volume mínimo requerido pela Sabesp.
O maior contrato de demanda firme assinado pela
Sabesp entre 2005 e 2014 é de R$ 40,3 milhões, pelo fornecimento de 54 milhões
de litros mensais. O documento foi firmado em 1º de junho de 2011 e cobre um
período de dez anos, ou seja, vai até 2021. Já o contrato com maior quantidade
de água reservada para uma empresa, 59,5 milhões de litros mensais, com
vigência anual, tem valor de R$ 2,4 milhões. Foi assinado em 18 de dezembro de
2006. Nenhum dos dois foi descontinuado.
Dentre os contratos assinados nos últimos dez anos,
as dez maiores consumidoras, juntas, usaram 25,2 bilhões de litros de água. A
maior parte dos contratos foi assinada a partir de 2008, e a tendência foi de
aumento de consumo a cada ano, como se vê no gráfico abaixo. Em 2014, seis das
dez empresas reduziram seu consumo de água após a suspensão da obrigatoriedade
de consumir uma quantidade mínima de água – prova que a “demanda firme” de fato
alavancava o consumo.
Considerando o valor do contrato dividido pela água
disponibilizada por mês, as tarifas dos dez maiores consumidores vão de R$ 3,43
a R$ 10,35. Mas nem sempre é possível descobrir a tarifa aplicada a cada
empresa. Isso ocorre porque o preço do metro cúbico é calculado a partir de uma
fórmula matemática, que leva em conta a média consumida nos doze meses
anteriores pelo cliente – dado que só está disponível nos contratos, que não
foram fornecidos pela companhia. Procurada pela reportagem, a assessoria de
imprensa da Sabesp afirmou apenas que “cada contrato tem sua característica
própria” e “as informações são confidenciais”.
Segundo reportagem do El País,
entre os maiores consumidores da capital paulista estão empresas como os
shoppings Eldorado, Pátio Higienópolis e Villa Lobos, a TV Globo e os clubes
Pinheiros e Hebraica, que recebem um desconto de 55% no valor pago por cada mil
litros de água (R$ 6,27), enquanto o clientes comerciais pagam R$ 13,97 a cada
mil litros.
Não foi possível, ainda, descobrir a identidade das
empresas que mantêm esses contratos a partir de uma comparação com a tabela
publicada pelo jornal espanhol. Os volumes de demanda firme contratados por mês
são completamente diferentes em cada um dos documentos. Há também uma diferença
no número de consumidores com contratos assinados a partir de 23 de junho de
2010. Na tabela do El País, são 294. Na que foi enviada para a Pública, 404
contratos.
Os dados usados nesta reportagem foram obtidos
através de um pedido feito pela Lei de Acesso à Informação em dezembro do ano
passado. Falta, ainda, a divulgação dos contratos segundo decisão do Corregedor
Geral da Administração Gustavo Ungaro. Agora, a Agência Pública vai recorrer à
Comissão Estadual de Acesso à Informação.
Como é um contrato de demanda firme
Em vez de divulgar os contratos assinados com
empresas, a Sabesp enviou à reportagem um modelo de contrato de demanda firme.
Uma rápida leitura permite ver como esses contratos impulsionaram o consumo de
água tratada da Sabesp nos últimos anos. (Veja como é um contrato de demanda
firme).
Uma das cláusulas deixa claro que as empresas
teriam que abandonar qualquer busca por fontes alternativas ou complementares
de água, se quisessem obter os descontos dados pela Sabesp: “Os imóveis que são
abastecidos por fontes alternativas não se beneficiarão das condições deste
contrato”.
A conta é cobrada da seguinte maneira: a água
utilizada é faturada através de medidor. Essa fatura é enviada à empresa, que
paga o valor. Porém, explica o contrato “Quando o volume medido for inferior ao
contratado, será faturada a demanda contratada”. Isso é feito através de uma
“conta mensal complementar”, paga no mês seguinte.
O contrato determina ainda uma sanção para quem
usar menos água do que o previsto. “A unidade usuária que apresentar consumo de
água e/ou coleta mensal inferior a 500m³/mês, por três meses consecutivos, será
excluída do contrato”, diz o documento.
Assim, usando ou não o valor mínimo de água
acordado, a empresa pagava por esse volume. Isso, até março do ano passado,
quando essa exigência foi suspensa pela Sabesp.
No caso do esgoto, o contrato estabelece que “onde
o esgoto for caracterizado como não doméstico, incidirá a cobrança de carga
poluidora, com aplicação de fator K, sobre a tarifa contratada de esgotos”.
Fonte: Agência Pública
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