Especial Mulher – O lar é um
campo de batalha para as mulheres da Ásia.
por Kanya
D’Almeida, da IPS
Em quase toda Ásia, os homens ficam praticamente
impunes diante da violência que exercem contra as mulheres, as quais têm poucos
âmbitos aos quais recorrer em busca de ajuda, o que permite que continue o
círculo vicioso. Foto: Mallika Aryal/IPS.
Nações Unidas, 6/3/2015 – As mulheres são cerca de
metade dos quatro bilhões de pessoas que vivem na Ásia Pacífico, mas constituem
dois terços da população mais pobre. Milhões delas vivem reclusas em suas casas
ou trabalham em empregos precários, sem segurança social nem benefícios, por
magros salários.
Milhões são vítimas do tráfico e obrigadas a se prostituírem
ou serem escravas sexuais.
Mas há muitas outras que devem enfrentar um inimigo
interno. De fato, para muitas mulheres, a maior ameaça está dentro de suas
casas, onde a violência que sofrem diariamente é exercida por seus companheiros
ou familiares homens. A ONU Mulheres destaca que na Ásia Pacífico a população
feminina está sujeita aos maiores graus de violência de gênero, a maioria nas
mãos de seus cônjuges ou companheiros.
Em Papua Nova Guiné, por exemplo, 58% das mulheres
consultadas disseram ter sofrido violência física, sexual ou emocional em suas
relações de casal, enquanto 55% reconheceram que foram obrigadas a manter
relações sexuais contra sua vontade. No pequeno país insular de Fiji, 66% das
mulheres entrevistadas disseram ter sofrido violência por parte de seus
parceiros e 44% inclusive quando estavam grávidas.
São várias as causas dessa desanimadora realidade.
Segundo o Fórum Ásia Pacífico, “as mulheres da região têm uma das mais baixas
taxas de representação política, de emprego e de propriedade do mundo”. Mesmo
as que trabalham ganham menos do que os homens. A desigualdade salarial na
região oscila entre 54% e 90% para uma mesma tarefa, apesar de existirem leis
garantindo “igual remuneração para igual trabalho”.
A ausência total de normas sobre o assédio sexual
no local de trabalho faz com que entre 30% e 40% das trabalhadoras na Ásia
Pacífico sofram abusos verbal, físico e sexual, segundo o Fórum Ásia Pacífico.
Esta organização afirma que metade dos países da Ásia meridional e 60% da Ásia
Pacífico não têm leis sobre violência de gênero.
Diante deste vazio legal, os homens não sofrem
quase nenhuma consequência por suas ações, e as mulheres não têm muitos lugares
aos quais recorrer, o que alimenta o círculo vicioso. Também significa que os
dados oficiais são, no melhor dos casos, extremamente conservadores, pois a
maioria das mulheres não denuncia os casos de violência, seja por medo de
represálias ou por não acreditarem que o sistema legal lhes dará uma solução.
Na Índia, por exemplo, a última pesquisa de
famílias mostra que 40% das mulheres sofreram abusos no lar. Mas um estudo independente,
realizado com apoio da Comissão de Planejamento, eleva essa proporção para 84%.
Na Indonésia, onde a polícia registrou 150 mil casos de violência doméstica em
2009, dos quais 96% entre parceiros casados, os ativistas estimam que só é
denunciado um em cada dez episódios. Ou seja, o número de sobreviventes é, pelo
menos, nove vezes maior do que os dados oficiais.
Referindo-se a estatísticas da Pesquisa Nacional de
Demografia e Saúde de 2008, a Comissão afirma que 14,4% das mulheres casadas e
37% das separadas ou viúvas sofreram abusos por parte de seus cônjuges.
Das
mulheres que estiveram grávidas, 4% sofreram episódios violentos em mãos de
seus companheiros, enquanto três em cada cinco das vítimas disseram sofrer
consequências físicas e psicológicas devido à violência e às agressões. As
autoridades afirmam que uma melhor implantação das leis é em parte responsável
pelo aumento das denúncias, pois houve aumento de 49,5% desde 2012.
É possível que o mesmo ocorra em breve na China,
onde a divulgação do rascunho do primeiro projeto de lei contra a violência
doméstica foi elogiado pela sociedade civil como uma medida para frear o abuso
generalizado, físico, sexual e psicológico, vivido em milhões de lares. Dados
da estatal Federação de Mulheres Toda China mostram que 40% da população
feminina sofre violência física ou sexual em suas relações, enquanto apenas 7%
denunciam os maus tratos às autoridades.
Agências da Organização das Nações Unidas (ONU)
concordam que a falta de leis punindo a violação marital na região avivou a
sensação de impunidade dos homens. Em 2012, a ONU Mulheres revelou que apenas
oito países da Ásia Pacífico tinham leis penalizando a violação marital, o que
fez muitas pessoas pensarem, inclusive as mulheres, que os abusos dos maridos contra
suas mulheres eram justificados.
A justiça é quase inacessível para as mulheres
rurais. Além disso, as despesas legais e o custo dos exames forenses são
proibitivos para elas, que não têm controle do dinheiro. E a tendência machista
da polícia faz com que a maioria dos policiais sejam indiferentes diante das
poucas que se atrevem a denunciar o abuso.
Além disso, é lamentável a representação feminina
no sistema legal. A ONU Mulheres diz que “um em cada quatro juízes e um em cada
cinco funcionários da promotoria no sudeste da Ásia e na Ásia Pacífico são
mulheres”, mas a Ásia meridional está ainda longe dessa proporção. As juízas
constituem apenas 9% dos magistrados e 4% do pessoal da promotoria.
Esses números são ainda piores na polícia, que tem
apenas 3% de mulheres na Ásia meridional, número que sobe para 9% no sudeste da
Ásia e Ásia Pacífico. A Ásia reúne quatro das cinco economias de maior
crescimento no mundo, mas sua luz de desvanece com o sofrimento das mulheres em
suas casas.
Devido à falta de implantação de leis e sem um
esforço sustentado para melhorar a representação feminina em todos os âmbitos
de governos, nem medidas reais que lhes deem possibilidade de alcançar uma
posição econômica estável em todos os países da região, os especialistas dizem que
é pouco provável que diminua a violência contra a mulher.
* Esta reportagem faz parte de uma série de artigos
elaborados pela IPS por ocasião do Dia Internacional da Mulher.
Fonte: ENVOLVERDE
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