quinta-feira, 12 de março de 2015

Especial Mulher – O lar é um campo de batalha para as mulheres da Ásia.
por Kanya D’Almeida, da IPS
Em quase toda Ásia, os homens ficam praticamente impunes diante da violência que exercem contra as mulheres, as quais têm poucos âmbitos aos quais recorrer em busca de ajuda, o que permite que continue o círculo vicioso. Foto: Mallika Aryal/IPS.

Nações Unidas, 6/3/2015 – As mulheres são cerca de metade dos quatro bilhões de pessoas que vivem na Ásia Pacífico, mas constituem dois terços da população mais pobre. Milhões delas vivem reclusas em suas casas ou trabalham em empregos precários, sem segurança social nem benefícios, por magros salários. 

Milhões são vítimas do tráfico e obrigadas a se prostituírem ou serem escravas sexuais.

Mas há muitas outras que devem enfrentar um inimigo interno. De fato, para muitas mulheres, a maior ameaça está dentro de suas casas, onde a violência que sofrem diariamente é exercida por seus companheiros ou familiares homens. A ONU Mulheres destaca que na Ásia Pacífico a população feminina está sujeita aos maiores graus de violência de gênero, a maioria nas mãos de seus cônjuges ou companheiros.

Em Papua Nova Guiné, por exemplo, 58% das mulheres consultadas disseram ter sofrido violência física, sexual ou emocional em suas relações de casal, enquanto 55% reconheceram que foram obrigadas a manter relações sexuais contra sua vontade. No pequeno país insular de Fiji, 66% das mulheres entrevistadas disseram ter sofrido violência por parte de seus parceiros e 44% inclusive quando estavam grávidas.

São várias as causas dessa desanimadora realidade. Segundo o Fórum Ásia Pacífico, “as mulheres da região têm uma das mais baixas taxas de representação política, de emprego e de propriedade do mundo”. Mesmo as que trabalham ganham menos do que os homens. A desigualdade salarial na região oscila entre 54% e 90% para uma mesma tarefa, apesar de existirem leis garantindo “igual remuneração para igual trabalho”.

A ausência total de normas sobre o assédio sexual no local de trabalho faz com que entre 30% e 40% das trabalhadoras na Ásia Pacífico sofram abusos verbal, físico e sexual, segundo o Fórum Ásia Pacífico. Esta organização afirma que metade dos países da Ásia meridional e 60% da Ásia Pacífico não têm leis sobre violência de gênero.

Diante deste vazio legal, os homens não sofrem quase nenhuma consequência por suas ações, e as mulheres não têm muitos lugares aos quais recorrer, o que alimenta o círculo vicioso. Também significa que os dados oficiais são, no melhor dos casos, extremamente conservadores, pois a maioria das mulheres não denuncia os casos de violência, seja por medo de represálias ou por não acreditarem que o sistema legal lhes dará uma solução.

Na Índia, por exemplo, a última pesquisa de famílias mostra que 40% das mulheres sofreram abusos no lar. Mas um estudo independente, realizado com apoio da Comissão de Planejamento, eleva essa proporção para 84%. Na Indonésia, onde a polícia registrou 150 mil casos de violência doméstica em 2009, dos quais 96% entre parceiros casados, os ativistas estimam que só é denunciado um em cada dez episódios. Ou seja, o número de sobreviventes é, pelo menos, nove vezes maior do que os dados oficiais.

Referindo-se a estatísticas da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde de 2008, a Comissão afirma que 14,4% das mulheres casadas e 37% das separadas ou viúvas sofreram abusos por parte de seus cônjuges. 

Das mulheres que estiveram grávidas, 4% sofreram episódios violentos em mãos de seus companheiros, enquanto três em cada cinco das vítimas disseram sofrer consequências físicas e psicológicas devido à violência e às agressões. As autoridades afirmam que uma melhor implantação das leis é em parte responsável pelo aumento das denúncias, pois houve aumento de 49,5% desde 2012.

É possível que o mesmo ocorra em breve na China, onde a divulgação do rascunho do primeiro projeto de lei contra a violência doméstica foi elogiado pela sociedade civil como uma medida para frear o abuso generalizado, físico, sexual e psicológico, vivido em milhões de lares. Dados da estatal Federação de Mulheres Toda China mostram que 40% da população feminina sofre violência física ou sexual em suas relações, enquanto apenas 7% denunciam os maus tratos às autoridades.

Agências da Organização das Nações Unidas (ONU) concordam que a falta de leis punindo a violação marital na região avivou a sensação de impunidade dos homens. Em 2012, a ONU Mulheres revelou que apenas oito países da Ásia Pacífico tinham leis penalizando a violação marital, o que fez muitas pessoas pensarem, inclusive as mulheres, que os abusos dos maridos contra suas mulheres eram justificados.

A justiça é quase inacessível para as mulheres rurais. Além disso, as despesas legais e o custo dos exames forenses são proibitivos para elas, que não têm controle do dinheiro. E a tendência machista da polícia faz com que a maioria dos policiais sejam indiferentes diante das poucas que se atrevem a denunciar o abuso.

Além disso, é lamentável a representação feminina no sistema legal. A ONU Mulheres diz que “um em cada quatro juízes e um em cada cinco funcionários da promotoria no sudeste da Ásia e na Ásia Pacífico são mulheres”, mas a Ásia meridional está ainda longe dessa proporção. As juízas constituem apenas 9% dos magistrados e 4% do pessoal da promotoria.

Esses números são ainda piores na polícia, que tem apenas 3% de mulheres na Ásia meridional, número que sobe para 9% no sudeste da Ásia e Ásia Pacífico. A Ásia reúne quatro das cinco economias de maior crescimento no mundo, mas sua luz de desvanece com o sofrimento das mulheres em suas casas.

Devido à falta de implantação de leis e sem um esforço sustentado para melhorar a representação feminina em todos os âmbitos de governos, nem medidas reais que lhes deem possibilidade de alcançar uma posição econômica estável em todos os países da região, os especialistas dizem que é pouco provável que diminua a violência contra a mulher.

* Esta reportagem faz parte de uma série de artigos elaborados pela IPS por ocasião do Dia Internacional da Mulher.


Fonte: ENVOLVERDE

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