Clima quente ameaça geração em
hidrelétricas no Brasil.
por
Claudio Angelo, do Observatório do Clima
Mapas do governo indicam que Sudeste e Centro-Oeste
ficarão mais secos em 25 anos; vazões de rios na Amazônia poderão ter
redução.
As estiagens em série que vêm secando os
reservatórios das usinas hidrelétricas podem virar regra no Centro-Sul do
Brasil nos próximos 25 anos. É o que indicam modelos climáticos produzidos pelo
Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) sob encomenda da Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
Os modelos foram reproduzidos nos mapas que
ilustram este texto. Eles mostram que, em 2040, boa parte do Brasil estará, em
média, mais quente e mais seca do que no período anterior a 1990. As áreas mais
claras correspondem a regiões onde a redução de precipitação no verão pode
ultrapassar os 5,4 milímetros por dia.
O cruzamento entre os mapas de chuva e a
localização das usinas hidrelétricas do país, que pode ser feito por meio de
uma base de dados do IBGE de acesso aberto, mostra um quadro delicado para a
geração de energia no país: grande parte das usinas do Sudeste e do
Centro-Oeste (traços pretos na imagem), que geram a maioria da
hidroeletricidade brasileira, estão justamente na região com a maior redução média
na quantidade de chuva.
Localização das hidrelétricas brasileiras (traços
pretos) sobreposta a mapa de variação da precipitação no verão em 2040 em
relação a 1961, segundo modelo britânico HadGEM-2 regionalizado, cenário
intermediário de emissões.
Uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal
do Ceará está usando os modelos para tentar prever como a vazão dos rios poderá
variar em função da redução nas chuvas. Resultados preliminares do trabalho
foram mostrados ao secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do
Ministério de Minas e Energia, Altino Ventura Filho, e sugerem que várias
usinas podem ter redução de capacidade geradora – inclusive na Amazônia, onde
está centrada a expansão do parque hidrelétrico brasileiro.“Temos indicações
razoavelmente seguras de que teremos reduções de vazão no Norte e no Nordeste e
aumentos de vazão na região Sul”, afirmou o secretário ao Observatório do
Clima.
Os mapas de precipitação fazem parte do estudo
“Brasil 2040: Cenários de Adaptação à Mudança do Clima”, coordenado pela SAE
(Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República). O trabalho,
encomendado a vários grupos de pesquisa do país, é o mais completo já feito
para embasar políticas públicas de adaptação no médio prazo, em quatro áreas:
energia, agricultura, recursos hídricos e infraestrutura. O estudo deve ficar
pronto até o mês que vem.
Localização das hidrelétricas brasileiras (traços
pretos) sobreposta a mapa de variação da precipitação no verão em 2040 em
relação a 1961, segundo modelo japonês Miroc-5 regionalizado, cenário
intermediário de emissões.
Segundo Natalie Unterstell, diretora de Programas
da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável da SAE, incluir critérios de risco
e adaptação às mudanças climáticas tornou-se fundamental no planejamento do
desenvolvimento no país. “Os próprios gestores do Programa de Aceleração de
Crescimento já entenderam que terão de definir perfis de risco climático”,
afirmou. Quando, por exemplo, as projeções futuras de chuva eram aplicadas ao
mapa de municípios do Plano Nacional de Gestão de Risco e Respostas a Desastres
Naturais, a lista das cidades sob maior risco mudava.
Regionalização
Para tentar entender como o calor e a chuva poderão
variar no país até 2040 e 2070 e no final do século, o Inpe fez um exercício de
regionalização de modelos climáticos. Foram usados dois modelos adotados para
fazer cenários do clima global pelo IPCC, o painel do clima das Nações Unidas.
Esses modelos são grandes simulações da Terra, onde são incluídas variáveis
como vento, oceanos e florestas. Alimentando-os com dados sobre a taxa de
emissões de gases de efeito estufa, eles conseguem estimar como o clima vai
variar nas próximas décadas ou séculos.
Os modelos do IPCC têm a vantagem de enxergar o planeta
inteiro, porém são “míopes”: eles dividem o mundo em células de 200 km x 200
km, grandes demais para permitir investigar variações climáticas dentro de uma
região geográfica menor ou um país. O que o Inpe fez foi usar dois desses
modelos e aumentar sua resolução para 20 km x 20 km, dando um zoom na América
do Sul. Isso permitiu montar pela primeira vez cenários detalhados de chuva e
temperatura para as próximas décadas no Brasil.
Dois modelos foram utilizados: o britânico HadGEM-2
e o japonês Miroc-5. Por uma questão de personalidade matemática, por assim
dizer, ambos “enxergam” o clima no futuro de jeitos diferentes: o britânico
tende a apontar um mundo mais seco no futuro, enquanto o japonês vê um mundo
mais chuvoso. O IPCC usa mais de 20 modelos, então consegue fazer uma média
realista das projeções climáticas descontando os extremos de cada um.
O Inpe traçou, a partir dos dois modelos, diversos
cenários de chuva para inverno e verão, considerando várias estimativas
diferentes para as emissões de carbono até 2040. Os mapas que ilustram este
texto mostram um mundo com emissões seguindo a tendência atual. No Miroc-5,
Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e os Andes (onde nascem os grandes rios da
bacia amazônica) ficam mais secos no verão. No HadGEM-2, a região de chuvas
escassas se amplia para a maior parte do Sudeste, Paraná, Amazonas e Mato
Grosso do Sul.
Os modelos regionais carregam uma boa dose de
incerteza. “É preciso muito cuidado em generalizar os resultados”, afirma o
climatologista Carlos Nobre, do Cemaden (Centro de Monitoramento e Alertas de
desastres Naturais). Segundo ele, modelos regionais usam dados atmosféricos e
oceânicos de modelos globais – as chamadas “condições de borda”, e isso pode
introduzir um viés próprio em cada um. Os climatologistas não ousam fazer
previsões para regiões menores que 1.000 quilômetros quadrados – quase a área
da cidade de São Paulo.
Mesmo assim, e mesmo com diferenças, os dois
modelos apontam na mesma direção de um Centro-Sul mais seco e mais quente: as
temperaturas no Centro-Sul do país no verão podem ficar até 5o C mais altas na
simulação do HadGEM-2.
Segundo Roberto Schaeffer, professor da Coppe-UFRJ
e coautor de um estudo pioneiro de 2008 sobre o impacto das mudanças climáticas
na produção de energia, o que os novos dados reforçam, com muito mais precisão,
indicações anteriores de que as hidrelétricas devem ser negativamente afetadas.
“Na sua concepção, as hidrelétricas nacionais foram
projetadas para operar, no futuro, segundo uma hidrologia que repetisse a hidrologia
do passado”, diz Schaeffer. “Mas o conhecimento científico de hoje aponta para
uma não repetição, num futuro relativamente próximo se comparado à vida média
esperada das hidrelétricas brasileiras, do histórico hidrológico anterior.”
Segundo ele, isso torna o problema “sério” para o Brasil, que ainda depende
fortemente de hidrelétricas para gerar energia.
Sem mudanças
O secretário Altino Ventura afirmou que, mesmo
diante das previsões dos modelos, o planejamento de hidrelétricas do país, que
inclui uma forte expansão de usinas na Amazônia, não deve mudar. “Nós não vamos
deixar de fazer hidrelétricas no Brasil por causa do nível de informação neste
ponto”, disse.
Segundo Ventura, há duas razões para crer que o
sistema elétrico brasileiro tenha resiliência às mudanças no clima. A primeira
é a diversidade hidrológica: os rios das diversas bacias sofrem influências
diferentes e têm regimes diferentes. Como o sistema é interligado, a energia de
uma região pode ser usada para suprir a falta em outra. “Se eu aumento as
vazões no Sul e reduzo no Nordeste, eu uso as usinas do Sul para gerar
energia”, afirmou.
A outra razão é a chamada diversificação da matriz.
A geração hidrelétrica vem perdendo fatias do total da matriz elétrica para as
termelétricas e hoje também para as eólicas. Segundo Ventura, a participação da
energia hídrica caiu de 80% para 70% e pode chegar a 60% em 15 ou 20 anos “Hoje
o sistema é hidrotérmico-eólico, e vai ser fotovoltaico também, não por causa
de mudanças climáticas, mas porque esta é a maneira certa de fazer”, disse o
secretário.
Além disso, prosseguiu, as projeções dos
climatologistas falam em impactos em 30 anos – o mesmo tempo de vida útil de
uma hidrelétrica construída hoje. “O mais importante são os dez primeiros anos
de uma usina”, diz. “Temos mecanismos para acompanhar os 30 anos das
hidrelétricas e a evolução. Na medida que essas hidrelétricas passem a produzir
menos ao longo do tempo, e isso é um processo lento, vamos tomar as medidas
para garantir a confiabilidade do sistema.”
Apesar do sistema interligado, diz Schaeffer, o
país tem outras fragilidades. Como a Amazônia não comporta grandes
reservatórios, por ter rios de planície, as novas usinas são em sua maioria a
fio d’água e possuem pouca capacidade de armazenar água – ou seja, usar energia
do Sul para compensar o que falta no Norte é uma operação que tem limites.
“Mesmo a maior diversificação recente da matriz
elétrica nacional, com maior presença de renováveis e, principalmente, de
térmicas a combustíveis fósseis, pode não ser suficiente para lidar com o
problema de maneira custo-efetiva, na medida em que as térmicas que vêm sendo
instaladas não foram projetadas para atender a carga de base, por terem custos
de combustível e de operação proibitivos. Isto pode fragilizar a operação
futura do sistema interligado nacional, a menos que o setor passe a incorporar,
no seu planejamento a partir de agora, a variável climática.”
Na base de dados Inde, do IBGE, você pode gerar mapas que mostram como a
infraestrutura no Brasil pode ser afetada pelo clima no futuro.
Um guia para o uso da Inde pode ser encontrado aqui.
Fonte: Observatório do Clima
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