A técnica do avestruz não detém a
mudança climática.
por
Roberto Savio*
Foto: Oxfam.
Roma, Itália, 17/3/2015 – Está claro que não será
atingida a meta de controlar a mudança climática. É preciso recordar, antes de
tudo, que o objetivo de o aquecimento global não passar de dois graus
centígrados antes de 2020 foi adotado em 2009 como fórmula de consenso pela 15ª
Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança
Climática, realizada em Copenhague.
Na comunidade científica muitos reclamam medidas
imediatas, mas em favor do realismo político aceitou-se um objetivo pouco
ambicioso. Resumindo, o acordo era deter o aumento do aquecimento global antes
de 2020 e a partir desse ano dar início a um processo destinado a reverter
gradualmente a mudança climática até níveis seguros, para ser concluído antes
de 2050.
Entretanto, nos últimos quatro anos já foi
registrado aumento de um grau na temperatura, e resta apenas outro grau até
2020. A Agência Europeia de Meio Ambiente, que publica um informe a cada cinco
anos, alerta que a Europa precisa de “metas muito mais ambiciosas” para poder
alcançar os objetivos declarados.
A União Europeia programou a redução de suas
emissões de gases-estufa entre 80% e 90% antes de 2050. Em lugar de uma
redução, a Alemanha registrou aumento de 20 milhões de toneladas de emissões de
carbono entre 2012 e 2013. Para alcançar a meta, a Alemanha deveria reduzir
anualmente as emissões em 3,5% nos próximos seis anos, um objetivo difícil, que
aumentará os custos da energia e provocará reações no sentido de bloquear as
medidas que possam ser prejudiciais à economia.
Precisamente, essa posição é a mesma do opositor
Partido Republicano nos Estados Unidos: rechaçar toda proposta para preservar o
ambiente.
Atualmente, os efeitos da mudança climática são
evidentes, não só para os especialistas em clima. No ano passado, as pessoas
deslocadas em razão de desastres climáticos, como furacões, deslizamentos,
secas, inundações e incêndios florestais, chegaram ao alarmante número de 11
milhões.
O Centro de Pesquisa sobre a Epidemiologia de Desastres,
que registra desastres naturais há 110 anos, publicou um informe conjunto com o
Instituto de Energia e Recursos, que comprova um aumento exponencial de
aproximadamente 50 desastres naturais em 1975 para 525 em 2002.
Em 2011, o custo dos desastres naturais subiu às
nuvens, chegando a US$ 350 bilhões. E entre 1900 e 2009, os desastres
hidrometeorológicos aumentaram de 25 para 3.526. Segundo o informe, em
conjunto, esses fenômenos e as situações geológicas e biológicas extremas
aumentaram de 72 para 11.571 no mesmo período.
Não há dúvidas de como a atividade humana tem um
impacto dramático no clima e, em geral, no planeta, o que afeta a vida das
pessoas. As universidades de Chicago, Yale e Harvard calculam que na Índia os
que vivem em áreas contaminadas perdem, em média, 3,2 anos de expectativa de
vida.
E, como sempre, o mundo avança por dois caminhos,
desvinculados e opostos.
O principal debate é sobre a quantia a ser
investida na mudança climática. A solicitação original foi de US$ 15 bilhões,
mas os países industrializados a reduziram para US$ 10 bilhões, distribuídos ao
longo de alguns anos entre os países em desenvolvimento que não têm que
realizar investimentos. Até agora foram reunidos US$ 7,5 bilhões.
Na conferência de Copenhague os países ricos
disseram que o investimento no Fundo Verde para o Clima chegará aos US$ 100
bilhões em 2020. As contribuições registravam apenas US$ 110 milhões em 2013.
Esse é o caminho para a redução das emissões
fósseis. Vejamos o que os países ricos estão gastando nesse item.
O informe do britânico Instituto para o
Desenvolvimento mostra que os governos do Grupo dos 20 (G-20) países
industrializados e emergentes também está financiando com US$ 88 bilhões anuais
a exploração de combustíveis fósseis, mediante fundos públicos, subsídios
nacionais e investimentos das empresas estatais.
Os governos do G-20 gastam mais do que o dobro do
que gastam as 20 maiores empresas privadas para encontrar novas reservas de
petróleo, gás e carvão. Isso demonstra que, sem os investimentos públicos, o
setor privado não poderia expandir a produção de combustíveis fósseis.
A Agência Internacional de Energia estima que os
governos do G-20 deveriam reorientar US$ 49 bilhões anuais – pouco mais da
metade do que gastam para apoiar a exploração de combustíveis fósseis – para
impulsionar o acesso universal à energia, substituindo o sistema atual, baseado
em fontes de energia não renovável.
Como de costume, o sistema espalha declarações
atraentes, mas às vezes faz o contrário.
O novo é que a campanha contra a mudança climática
está perdendo força e credibilidade. É um fato que, nos Estados Unidos, os
republicanos são financiados pelas grandes corporações de energia, que farão
todo o possível para boicotar qualquer acordo que o presidente Barack Obama
possa conseguir na definitiva Conferência das Partes sobre a Mudança Climática,
em dezembro deste ano em Paris.
Até agora só alguns cientistas discordam das
conclusões do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança
Climática, integrado por 2.200 especialistas, sobre a relação entre as
atividades humanas e a deterioração climática. As posturas negativas dos poucos
cientistas dissidentes obtêm eco desproporcional nos meios conservadores.
Mas agora se revela que um dos principais
dissidentes, Willie Soon, é financiado pela indústria dos combustíveis fósseis.
Na última década, Soon recebeu pelo menos US$ 409 mil da empresa
norte-americana Southern Company Service, uma das maiores companhias de
serviços públicos, com grandes investimentos em centrais elétricas alimentadas
a carvão.
Roberto Savio. Foto: IPS.
Os multimilionários norte-americanos Charles e
David Koch, patrocinadores de organizações de extrema direita e que doarão ao
partido Republicano US$ 980 milhões para as próximas eleições presidenciais,
proporcionaram a Soon pelo menos US$ 230 mil por meio da Fundação Beneficente
Charles G. Koch.
O que está em jogo é nada menos do que a vida de
nosso planeta. Mas o sistema governamental não está agindo com a urgência
necessária. Para alcançar os objetivos indicados pela comunidade científica
faltam investimento muito maiores do que os atualmente disponíveis.
Esconder a cabeça, como o avestruz, não serve para
evitar o desastre que se avizinha. Envolverde/IPS
* Roberto Savio é fundador da agência de
notícias IPS e editor do boletim Other News.
Fonte: ENVOLVERDE
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