Serviços de saúde em Cuba não
atendem as lésbicas de maneira igual.
por Ivet
González, da IPS
Duas mulheres se abraçam durante uma jornada contra
a homofobia, organizada na capital de Cuba pelo coletivo de Lésbicas, Gays,
Bissexuais e Transexuais (LGBT). Foto: Jorge Luis Baños/IPS.
Havana, Cuba, 17/3/2015 – Mulheres lésbicas e
bissexuais de Cuba se somam a outras discriminações que sofrem na área médica,
que tornam óbvias as vulnerabilidades de sua saúde sexual e reprodutiva e as
deixam invisíveis nas campanhas de prevenção e atenção nesses temas.
Muitas costumam temer os instrumentos de
diagnóstico ginecológico como uma agressão especial à sua condição sexual,
desconhecem seus riscos diante das infecções por transmissão sexual e não vão
ao ginecologista para se esquivar das perguntas sobre sua conduta erótica,
disseram à IPS ativistas e especialistas da área de saúde.
A pedagoga Dayanis Tamayo, de 36 anos e moradora em
Santiago de Cuba, a 862 quilômetros de Havana, sente distanciamento por parte
dos profissionais da saúde quando sabem que sua companheira é mulher, pois
fazem comentários homofóbicos e lançam olhares de reprovação. “Às vezes passo
despercebida porque não sigo os estereótipos da lésbica masculina, mas quando
não é assim sinto que me julgam”, contou a pesquisadora da Universidade do
Oriente.
Estudos recentes corroboram o testemunho de Tamayo,
ao alertar para preconceitos e desconhecimento pelo pessoal médico do país das
particularidades da saúde sexual em mulheres lésbicas e bissexuais. O texto Saúde,
Mal-Estar e Direitos Sexuais das Lésbicas, apresentado pela psiquiatra
cubana Ada Alfonso durante a Jornada Cubana Contra a Homofobia de 2014,
assegura que, ao ir ao médico, essas mulheres são perguntadas mais sobre
aspectos relacionados com suas experiências sexuais do que pela doença
específica.
“Se olharmos a saúde feminina com lentes de
desigualdade, a brecha entre lésbicas e heterossexuais no uso dos serviços da
saúde contém subtextos lesbofóbicos que se escondem por trás dos discursos das
carências sociais”, afirmou a especialista do Centro Nacional de Educação
Sexual (Cenesex). A seu ver, a pressão social sobre as não heterossexuais lhes
causa mal-estar psicológico e sexual distintos, baseados na homofobia.
Após entrevistar mulheres de várias províncias do
país, a pesquisadora descobriu que a falta de ética faz com que adiem exames
clínicos até encontrarem médicos recomendados ou que compartilhem da mesma
orientação sexual. Os exames mais rejeitados por elas são os ginecológicos
devido aos instrumentos utilizados e à agressividade de procedimentos como o
toque vaginal.
Cuba registra 925.549 consultas externas de
ginecologia para uma população de 4,7 milhões de mulheres com mais de 15 anos,
segundo dados do Escritório Nacional de Estatísticas e Informação. Pessoas
encarregadas de serviços para detectar o câncer de colo uterino disseram à
pesquisadora que as pacientes lésbicas procuram o serviço tardiamente, quando
pouco se pode fazer.
“No geral, pensamos que não fazer sexo com homens
nos exime de sofrer esses transtornos, porque quando se informa sobre eles na
imprensa só aparecem casais heterossexuais”, disse à IPS uma contadora
residente no município 10 de Outubro, em Havana, que preferiu não se
identificar. Com 39 anos, esta trabalhadora estatal nunca fez exame de
citologia, recomendado a mulheres maiores de 25 anos para prevenir o câncer de
colo uterino, que em Cuba é realizado de forma maciça e gratuitamente a cada
três anos. “Embora saiba de sua importância, este exame é difícil
psicologicamente para eu fazer porque me sinto muito exposta, agredida e no meu
caso não me agrada a penetração”, acrescentou.
Cada habitante de Cuba é atendido em um consultório
médico de família que se encarrega de avisar as mulheres no período em que
devem fazer esse exame. No entanto, muitas o adiam. Em 2013, foram 765.822
cubanas de 25 anos ou mais que fizeram o exame de citologia, o que representa
195,8 mulheres para cada mil, segundo os dados mais recentes divulgados pelo
Anuário Estatístico de Saúde de Cuba.
O sistema de saúde cubano é completamente gratuito
e cobre todo tipo de atenção sem discriminações institucionais, mas os
preconceitos em relação aos não heterossexuais continuam acontecendo. “O
pessoal da saúde é parte da sociedade e a sociedade rejeita as lésbicas”,
afirmou à IPS o médico José E. Martínez González. Para este médico da província
de Granma, a formação médica é muito biologicista e pouco inclui determinantes
psicossociais da saúde.
“Se uma lésbica vai ao ginecologista, é provável
que o especialista entenda que seus riscos são menores por não ter penetração,
porque lhe ensinaram isso”, acrescentou González. A epidemiologista e
higienista Yenis Milanés reclamou que “a sexualidade nem mesmo conta com uma
cadeira obrigatória no curso de medicina”.
A percepção de riscos tende a ser escassa entre as
mulheres que amam outras e existem poucos hábitos de proteção durante o coito
lésbico, afirmaram os dois especialistas. Eles participaram de um estudo com 30
mulheres lésbicas e bissexuais de Granma, em 2013, e descobriram que elas
negavam ser propensas a adquirir uma DST (doença sexualmente transmissível).
Outra pesquisa, de 2014, realizada por Martínez e
Milanés, confirma que os programas de saúde de Cuba geralmente excluem os
riscos específicos das lésbicas perante as DST e o vírus HIV, causador da aids.
Elas recebem menos informação sobre a prevenção das infecções transmitidas
sexualmente do que outros grupos de população e contam com menos espaços
institucionais amigáveis para a socialização e o debate de seus problemas,
afirmam os autores do informe ao qual a IPS teve acesso.
A pesquisa desmente o mito de que sexo lésbico não
tem perigos de contágio, embora sejam muito menores do que em outras condutas
eróticas. Dependendo das práticas sexuais mantidas por duas mulheres, o contato
desprotegido com as secreções vaginais e o sangue menstrual da outra pode
contagiar com HIV, vírus da herpes simples, vaginose bacteriana, gonorréia,
sífilis, parasitas vaginais, entre outros problemas.
As mulheres foram 18,5% dos 2.156 novos casos de
HIV detectados em Cuba em 2013, que elevaram para mais de 16.400 o número de
pessoas com o vírus, segundo o Ministério de Saúde Pública.
Formar profissionais da saúde sensíveis à
sexualidades diversas é uma cobrança de grupos de mulheres lésbicas apoiados
pelo Cenesex nas províncias de Camagüey, Ciego de Ávila, Cienfuegos, Granma,
Havana, Santiago de Cuba, Trinidad e Villa Clara. A partir do ativismo
comunitário, esses coletivos promovem seu direito a uma saúde sexual prazerosa
e responsável que inclua tratamento igualitário nos serviços médicos e acesso à
reprodução assistida.
Fonte: ENVOLVERDE
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