Em busca de lanterna para novos
caminhos.
por
Washington Novaes*
Foto: Reprodução/Internet.
Não faria sentido ser pessimista, otimista,
visionário – a gravidade do momento não comporta. Também seria insensato não
sentir profunda inquietação com os rumos do País, diante do inconformismo
manifestado nas ruas. Mas como transformar o desejo social em realidade, por
que caminhos?
Não há dúvida quanto aos desejos de “reforma
política” e de proibição de financiamentos de empresas a campanhas eleitorais,
de “combate à corrupção”, de maior proteção às camadas sociais de menor renda –
todos eles evidenciados com clareza nas ruas de todo o País. Mas desse ponto em
diante estamos ante enormes interrogações.
Pode-se começar pela reforma política: qual será?
Que se propõe, fora a defesa – por cientistas da área e por uns poucos
políticos – do voto distrital, para aproximar o candidato dos eleitores em cada
município, cada bairro? Será esse o desejo da sociedade, que até aqui não se
evidencia com clareza? Ainda que seja, quem proporá a “reforma política”? Os
atuais partidos? As bancadas no Congresso, todos sob ataques? Quem quer mudar a
realidade política brasileira, caracterizada na maior parte pela troca de
favores entre candidatos e votantes, pelo progresso material de eleitos e
eleitores?
No terreno do combate à corrupção – em que tem
havido alguns avanços, graças principalmente ao Ministério Público – também
será muito difícil daqui por diante, dada a evidência de um sistema consolidado
de troca de favores, principalmente entre grandes empreiteiras, administradores
públicos, governantes, legisladores. Que se propõe? Com que instrumentos
legislativos e operacionais? E que acontecerá – com que consequências – no
mundo empresarial, já atolado nas evidências apuradas e divulgadas?
Também na área do trabalho e da renda a equação é complicadíssima. Vai-se esbarrar na distribuição da renda no País e na legislação que a circunda, na resistência dos que se hoje se beneficiam do “sistema”, no intrincado que é a legislação trabalhista (e os vários fóruns que a cercam). Sem falar que o chamado “equilíbrio fiscal” poderá ser chamuscado no embate entre beneficiários e pagadores com as eventuais mudanças – e tudo com fortes repercussões políticas e eleitorais. E sem falar que eventuais propostas terão de envolver os partidos, inclusive os que hoje têm maiores fatias no bolo.
Na verdade, tudo teria de partir de uma nova
estratégia nacional que definisse linhas mestras capazes de indicar rumos para
o que se deseja mudar. Mas como fazer se hoje, em termos de “estratégia”, só se
considera fundamental o chamado “crescimento do produto interno bruto”, o PIB,
sem considerar que nesse conceito não se discutem, além do crescimento
econômico, muitas das mais importantes variáveis sociais, principalmente as
questões relacionadas com a renda e sua concentração, o desemprego, a falta de
equidade com as mulheres, questões fundamentais como educação, saúde,
saneamento, etc.?
Convém lembrar que o Brasil continua a ser apontado
pela ONU e outras organizações como um dos países com maior concentração da
renda; que ainda temos, incluídos os beneficiários do Bolsa Família e os que
nem renda têm, cerca de 50 milhões de pessoas no limite da pobreza ou abaixo
dele. Não se considera que para mudar esse panorama será decisiva nossa relação
com o mundo, onde a renda continua a concentrar-se em poucos países e poucas
pessoas; ou que as nações ricas continuam a consumir 80% dos recursos atuais,
embora tenham pouco mais de 20% da população total, – e controlam os preços
para mais se beneficiarem.
Como trataremos esse panorama nas novas caminhadas
, lembrando ainda que são cada vez mais insistentes as análises de cientistas
políticos segundo os quais a “crise global” está em forte aceleração – nem a
economia chinesa tem escapado a certos recuos? Pretendemos continuar retornando
à condição de exportadores de produtos primários, com preços declinantes –
ainda uma vez para benefício dos “grandes” do mundo -, e por isso nos tornando
deficitários no comércio exterior, com graves implicações internas?
Já passou há muito da hora de uma estratégia que
coloque no centro e no início os fatores que mais poderiam beneficiar-nos: a
nossa rica biodiversidade, a possibilidade de matriz energética “limpa” e
renovável, a relativa abundância de recursos hídricos (que vai sendo atingida
por questões como as do desmatamento, do mau uso, do desperdício, etc.).
Continuamos aferrados ao sonho de fazermos do petróleo um componente decisivo
na balança comercial – deslembrando que a “crise do clima” questiona
radicalmente as emissões de poluentes derivadas de combustíveis fósseis;
esquecendo que isso já levou a uma queda brutal no preço do petróleo – e coloca
também um ponto de interrogação na questão do pré-sal.
Em lugar dessas prioridades, o governo desmantela,
na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, o quadro
técnico que coordenava “o maior estudo já feito sobre adaptação às mudanças
climáticas” (Amazônia.or.br, 15/3). Mesmo sabendo (16/3) que mudanças
climáticas poderão deixar mais de 400 mil pessoas no País expostas a enchentes
fluviais até 2030, segundo estudo do World Resources Institute. E na hora em
que o Acre se encontrava debaixo da maior enchente da História e regiões pouco
mais a norte enfrentavam seca terrível, da mesma forma que o Semiárido. O
Brasil é o 11.º país mais ameaçado pelo clima.
Tudo isso tem de ser posto na mesa. Mas quem o
fará, se hoje a mobilização é feita por redes sociais, sem conexão, sem
integração? Grandes instituições nacionais – CNBB e demais igrejas,
organizações de advogados, cientistas e outras categorias – precisam trabalhar
em conjunto. Para que se chegue pelo menos a uma primeira pauta que, em
discussões posteriores, nos aproxime dos grandes temas mobilizadores e de
propostas abrangentes – enquanto isso ainda é possível.
* Washington Novaes é jornalista.
Fonte: O Estado de S. Paulo
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