O mundo perde muito ao excluir
metade da população.
por
Thalif Deen, da IPS
A 57ª sessão da Comissão da Condição Jurídica e
Social da Mulher. Foto: Rick Bajornas/ONU.
Nações Unidas, 9/3/2015 – A ocasião é considerada
uma das maiores reuniões de mulheres ativistas em um mesmo espaço. Mais de
1.100 organizações não governamentais e mais de 8.600 representantes se
inscreveram para participar da sessão da Comissão da Condição Jurídica e Social
da Mulher, que começa hoje na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) em
Nova York.
O principal órgão internacional intergovernamental
dedicado exclusivamente à promoção da igualdade de gênero e ao empoderamento da
mulher, também conhecido como CSW, por sua sigla em inglês, realizará sua 59ª
sessão até o dia 20. Cerca de 200 atividades paralelas, organizadas pelos
governos e pelas agências da ONU, estão planejadas junto às reuniões oficiais
da CSW, além de 450 eventos das organizações da sociedade civil, tanto dentro
quanto fora da sede das Nações Unidas.
A missão principal é fazer um balanço dos êxitos e
fracassos da Plataforma de Ação aprovada em setembro de 1995 na histórica
Quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pequim. Os êxitos são limitados,
segundo representantes da sociedade civil e funcionários da ONU, mas as
promessas não cumpridas são incontáveis.
O motivo é simples, segundo o secretário-geral da
ONU, Ban Ki-moon. “Não podemos cumprir com 100% do potencial do mundo quando
excluímos 50% da população mundial”, afirmou referindo-se às mulheres.
O alto Comissário das Nações Unidas para os
Direitos Humanos, o jordaniano Zeid Ra’ad Al Hussein, afirma que os 193 Estados
membros do fórum mundial devem fazer mais do que “defender apenas de boca” a
igualdade de gênero. “Devem desafiar e desmantelar seriamente as estruturas e
as dinâmicas de poder que perpetuam a discriminação contra as mulheres”,
afirmou.
Mas vão fazer?
Mavic Cabrera-Balleza, coordenadora internacional
da Rede Mundial de Mulheres Construtoras da Paz, alegra-se pelo fato de o
último rascunho da Declaração Política de Pequim +20, apresentado pela
secretaria da CSW, expressar “preocupação pelo fato de o progresso ser lento e
desigual e restarem brechas e obstáculos importantes na aplicação das 12
esferas de especial preocupação da Plataforma de Ação de Pequim”.
“O rascunho reconhece que, vinte anos depois da
conferência de Pequim, nenhum país conseguiu a igualdade para mulheres e
meninas, persistem níveis importantes de desigualdade entre as mulheres e os
homens, e algumas mulheres e meninas experimentam maior vulnerabilidade e
marginalização devido a formas múltiplas e inter-relacionadas de
discriminação”, detalhou Cabrera-Balleza.
Segundo a ativista, “trata-se de um banho de
realidade por parte dos Estados membros, que é bem recebido pela Rede Mundial
de Mulheres Construtoras da Paz e pelo restante da sociedade civil”.
Sobre saúde reprodutiva, Joseph Chamie, ex-diretora
da Divisão de População da ONU, disse à IPS que o trabalho da CSW é importante
e que contribuiu para melhorar a vida das mulheres. Quando a CSW foi criada, em
1946, a esperança média de vida ao nascer de uma menina era de aproximadamente
45 anos, enquanto hoje é de 72, o que representa um êxito notável, afirmou.
Segundo Chamie, em matéria de saúde reprodutiva,
foram obtidos grandes progressos. Além de melhor saúde em geral e da redução
das taxas de mortalidade materna, a maioria das mulheres pode decidir quantos
filhos terá e quando.
Porém, “concentrar a atenção, as políticas e os
programas nas desigualdades e nos preconceitos que enfrentam mulheres e
meninas, e ignorar em grande parte aquelas que enfrentam os homens e os
meninos, obstruirá e retardará os esforços para conseguir uma verdadeira
igualdade de gênero e o desenvolvimento socioeconômico necessário para todos”,
pontuou Chamie.
Segundo a ONU Mulheres, apenas 20% dos cargos
legislativos no mundo são ocupados por mulheres. Aproximadamente 50% das
mulheres têm emprego remunerado, 40% mais do que em 1995, embora persista a
desigualdade salarial. No ritmo atual, as mulheres demorarão 81 anos para
alcançar a paridade no emprego, calcula a ONU Mulheres.
Em 2000, a inovadora resolução 1325 do Conselho de
Segurança da ONU, referente a mulher, paz e segurança, reconheceu a necessidade
de reforçar o papel das mulheres na construção da paz nos países que saíram de
conflitos armados. Porém, entre 1992 e 2011, apenas 4% dos signatários dos
tratados de paz e 9% dos negociadores nas mesas de negociação de paz eram
mulheres.
Persistem as leis matrimoniais que limitam os
direitos das mulheres, afirmou Hassan, como aquelas que não lhes permitem
contrair ou terminar o matrimônio nas mesmas condições que o homem, nomeiam o
homem como chefe de família, exigem a obediência da esposa, permitem a
poligamia ou fixam diferentes idades para o casamento, de acordo com o gênero.
Também há leis que dão às mulheres status
pessoal inferior e menos direitos como cidadãs. Por exemplo, aquelas que não
permitem que elas transmitam sua nacionalidade ao seu marido e filhos, as que
consideram que a evidência apresentada pelas mulheres não é igual à do homem, e
as que limitam sua possibilidade de viajar.
Além disso, persistem as leis que tratam as
mulheres de maneira economicamente desigual em relação aos homens, com menos
direitos à herança ou à propriedade de bens e restrições ao emprego, outras que
promovem a violência, dando ao homem o direito de violar sua esposa, eximindo
os violadores de castigo por estarem casados com suas vítimas, e permitindo aos
homens castigar suas esposas.
“Que essas leis continuem existindo demonstra que
muitos governos não consideram as mulheres cidadãs de pleno direito e, como
tal, não é possível avançar nos objetivos estabelecidos há 20 anos”, enfatizou
Hassan.
Cabrera-Balleza acrescentou que a declaração
política da CSW também estabelece que os Estados membros reafirmam sua “vontade
política e se comprometem firmemente a abordar as brechas fundamentais que
restam e a realizar ações concretas para transformar as normas sociais
discriminatórias e os estereótipos de gênero” entre outras muito boas
promessas. É aí que radica o xis da questão, ressaltou.
* Esta reportagem faz parte de uma série de artigos
elaborados pela IPS por ocasião do Dia Internacional da Mulher.
Fonte: ENVOLVERDE
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