terça-feira, 17 de março de 2015

Soja coloca a agricultura argentina diante de vários dilemas.
por Fabiana Frayssinet, da IPS
Pequenas produtoras rurais elaboram farinha de algarroba, graças ao apoio de um projeto do governo da Argentina para incentivar a agricultura familiar, na localidade de Guanaco Sombriana, na província de Santiago del Estero, ao norte. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS.

Buenos Aires, Argentina, 11/3/2015 – A soja avança sobre o campo argentino, desalojando pequenos produtores e substituindo gado e outros cultivos. Uma encruzilhada para um país cuja alimentação depende em 70% da agricultura familiar, mas que igualmente requer as divisas procedentes do chamado “ouro verde”.

Em 2013, as exportações de grãos, óleo e farinha de soja geraram US$ 23,208 bilhões, equivalentes a 26% das vendas ao exterior, segundo a Câmara da Indústria de Óleos – Centro de Exportadores de Cereais. Isso converte a soja de variedade transgênica na principal fonte de divisas, ao mesmo tempo em que a cadeia produtiva da oleaginosa representa 5,5% do produto interno bruto e 10% da arrecadação fiscal.

“Além dos termos fiscais ou do valor agregado, sem dúvida a soja é o maior aporte na cadeia de oleaginosas, nas exportações e no superávit de dólares que dá à economia”, disse à IPS o economista Luciano Cohan. Atualmente, “sem os dólares da soja, a economia do país teria que fazer tremendo ajuste, acrescentou o autor do livro A Contribuição da Cadeia da Soja à Economia Argentina.

Com 20,2 milhões, de um total de 31 milhões de hectares plantados, a soja é o principal cultivo argentino, frente aos 4,8 milhões que representava em 1990, segundo a Associação da Cadeia da Soja.

Cohan explicou que sua expansão começou em 1996, quando foi implantada a semente geneticamente modificada, tendo se acelerado a partir de 2008, quando os produtores se voltaram a esse cultivo em detrimento de outros, como o trigo, depois de uma crise na área rural devido a um conflito entre empresários do setor e o governo.

“Por várias razões a soja (geneticamente modificada) pode ser vista como um cultivo de menos riscos do que outras atividades. Por exemplo, é muito mais barato produzir soja do que milho, carne ou leite, que tem menores riscos regulatórios”, acrescentou Cohan.

“A expansão da soja entendida como monocultura não é positiva. Mas se o produtor não vê melhores condições para semear outros cultivos, e por parte do Estado a soja é a que lhe permite melhor arrecadação, nos encontramos em um círculo vicioso altamente perigoso para a sustentabilidade de nossos sistemas produtivos”, alertou à IPS o acadêmico e engenheiro agrônomo Carlos Toledo.

“O crescimento da superfície de soja e, em geral, de commodities (mercadorias comercializáveis) transgênicas significa o deslocamento de produções locais e aumento da criação de gado em feedlots (currais de engorda)”, afirmou à IPS um integrante da organização camponesa internacional Grain, Carlos Vicente. Como exemplo, ele citou o fechamento de milhares de tambos, como são chamados na América do Sul os pequenos estabelecimentos de pecuária leiteira. “Somente na província de Buenos Aires fecharam 300”, destacou, lembrando que “isso implica a paralisação da produção e a concentração em grandes produtores”, que passam a atuar como um oligopólio.
Terra desmatada para o cultivo da soja transgênica em uma área rural na província de Córdoba, centro da Argentina. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS.

Um estudo de Miguel Teubal, pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisas Cientificas e Técnicas, expõe outros dados. Enquanto entre 1997 e 2005 a produção de soja aumentou quase 20 milhões de toneladas, a de girassol caiu dois milhões e a de arroz 500 mil.

Só na província de Córdoba, o auge da soja significou a perda de 17% em cabeças de gado. E também reduziu a produção de frutas e hortaliças ao redor das grandes cidades, “incidindo na alta dos preços de produtos básicos de consumo popular, como tomate e batata”, apontou Teubal.

Por outro lado, concentrou e encareceu a terra, segundo a Grain. Em 2010, mais de 50% do cultivo de soja era controlado por 3% dos produtores, com mais de cinco mil hectares. Isso gerou “um êxodo rural sem precedentes, que em 2007 já representava a expulsão de mais de 200 mil agricultores e trabalhadores rurais com suas famílias”, afirmou Vicente.

“A soja é importante em termos de renda para planos sociais. Mas o grande paradoxo é que esses planos deverão cobrir necessidades básicas dos expulsos do campo por esse modelo”, ressaltou Vicente. “Vi o êxodo de muitos produtores da bacia leiteira e de corte que não necessariamente passaram pelo ‘modelo de soja’. Foram para a cidade porque suas atividades produtivas eram fortemente deficitárias e não viam futuro para suas famílias”, rebateu Toledo.

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a Argentina ainda tem disponíveis para cultivo 14,4% de seu território, quase um hectare por habitante. Por isso, Toledo afirmou que a segurança alimentar e a soja “seguem caminhos opostos”. Destacou que a questão é se “estão dando aos produtores, basicamente pequenos e médios, melhores condições para que diversifiquem sua produção”.

Para fortalecer o setor, o governo da presidente Cristina Fernández criou em 2008 a agora chamada Secretaria de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Rural. No dia 20 de janeiro, promulgou uma lei cujo título é uma declaração de intenções: “Reparação histórica da agricultura familiar para a construção de uma nova ruralidade na Argentina”, e que qualifica de “interesse público” por sua contribuição à segurança e à soberania alimentar.

Dados do Registro Nacional de Agricultura Familiar indicam que o setor representa 20% do PIB agropecuário e das terras cultivadas, 65% dos produtores e 53% do emprego rural. Além disso, fornece 70% dos alimentos consumidos no país. Porém, 66% desses produtores vivem na pobreza, destaca a FAO.

Entre os objetivos da Secretaria está reverter a migração para as cidades, criando um milhão de unidades agropecuárias, que englobariam cinco milhões de pessoas. “Precisamos de 50 anos de um processo de investimento no setor agropecuário para recuperar tudo o que foi destruído”, afirmou seu titular, Emilio Pérsico, para quem “o tema não é a soja, mas o agronegócio”.

“Os conflitos mais importantes que temos não são com a soja. Em Santiago del Estero temos problemas com pecuaristas, em Rio Negro com os produtores de alfafa, em Misiones com os exportadores de abacaxi, em Mendoza com os produtores de vinho”, explicou o funcionário.

Miguel Fernández, presidente do Fórum Nacional de Agricultura Familiar, mencionou outras causas do êxodo, como o desmatamento (parcialmente impulsionado pela soja), a mudança climática (que com inundações e secas extremas castiga os camponeses pobres), e os meganegócios imobiliários, turísticos e agropecuários. “Estão reduzindo nossas possibilidades de produzir mais ou de sermos donos da terra. Os que têm dinheiro correram com os pequenos, como se fôssemos cães, nos encurralando”, afirmou à IPS.

Para reverter o processo, assegurou Vicente, é preciso combater outras questões essenciais, como o monopólio das empresas transnacionais das sementes dos cultivos transgênicos ou como estes “deslocam e contaminam outros cultivos”. “Esses agroquímicos e essas sementes vão deixando os solos devastados. Nos preocupa termos o solo e depois não podermos produzir”, concluiu Fernández. Envolverde/IPS

Números da soja

A Argentina é o primeiro exportador mundial de óleo e farinha de soja e o terceiro exportador do grão. Com 31 milhões de hectares cultivados, o país ocupa o décimo lugar, depois de Estados Unidos (162,7 milhões de hectares), Índia (157,9 milhões), Rússia (121,7 milhões), China (109,9 milhões), 

Brasil (61 milhões), Austrália (47,1 milhões), Canadá (45,1 milhões), Nigéria (34 milhões), Ucrânia (32,4 milhões).


Fonte: ENVOLVERDE

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