sexta-feira, 13 de março de 2015

Empresas latino-americanas estão longe dos princípios de direitos humanos.
por Emilio Godoy, da IPS
Ativistas de comunidades vizinhas bloqueiam a construção da represa El Zapotillo, no Estado de Jalisco, no México. Os conflitos entre as populações próximas a projetos de empresas de diversos setores se repetem na América Latina. Foto: Cortesia de Ação Solidária.

Cidade do México, México, 11/3/2015 – “Eu diria às instituições e empresas para terem consciência do grande dano que causam ao solo, à flora, ao ambiente, que respeitem a decisão da gente. Estão realizando um atentado contra a saúde e a vida”, afirmou o indígena mexicano Taurino Rincón. Este nahua integra o Conselho Indígena pela Defesa do Território de Zacualpan, localidade do ocidente do país, que luta contra a empresa mexicana Gabfer SA de CV, e seu projeto de explorar uma mina a céu aberto em suas terras comunitárias.

“Queremos que a concessão seja anulada. Estamos firmes em não aceitá-la de forma alguma. Defendemos o direito à vida, à água e à natureza”, destacou Rincón à IPS. Ele assegura que a exploração da mina contaminaria o manancial que fornece água aos quatro mil habitantes da comunidade, situada a 660 quilômetros da Cidade do México, no município de Comala, no Estado de Colima.

A Gabfer tem concessão para explorar a céu aberto ouro, cobre, prata e manganês, em uma área de cem hectares, e seus representantes afirmam que o projeto não danificará as fontes de água, mas ainda não foi apresentado o estudo de impacto ambiental a respeito.

Este caso ilustra os diversos conflitos entre empresas e as comunidades onde operam e que se repetem em muitos setores da América Latina, onde há escassa acolhida dos Princípios Reitores sobre os Direitos Humanos e as Empresas, estabelecidos em 2011 pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

Os três eixos dos 40 princípios incorporam o dever dos Estados de proteger os direitos humanos, a obrigação das empresas de respeitá-los e as vias de reparação para as vítimas das violações. Entre eles se destaca que “os Estados devem proteger contra as violações dos direitos humanos cometidas em seu território e/ou sua jurisdição por terceiros, incluídas as empresas”. Também se ressalta que devem “enunciar claramente que se espera de todas as empresas domiciliadas em seu território e/ou jurisdição o respeito a esses direitos em todas suas atividades”.

Os princípios são voluntários, não vinculantes nem executáveis fora do território onde ocorre o dano, mas representam um primeiro instrumento para a defesa dos direitos humanos nas atividades econômicas dos setores privado e público.

O atraso na aplicação na América Latina acontece enquanto o Atlas Global de Justiça Ambiental, coordenado pelo Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha, identificou 99 disputas ambientais na Colômbia, 64 no Brasil, 49 no Equador, 36 na Argentina, 35 no Chile, 33 no Peru e 32 no México.

Trata-se de conflitos relacionados com a mineração e a exploração de combustíveis fósseis, a gestão de resíduos e da água, o acesso à terra e o desenvolvimento da infraestrutura.
Fábrica em construção da Monsanto, a corporação norte-americana de biotecnologia que os moradores de Malvinas Argentinas, uma localidade da província de Córdoba, na Argentina, conseguiram paralisar provisoriamente. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

“É algo muito novo, não há linhas claras para os governos e para que os princípios se tornem uma realidade nacional”, disse o norte-americano Benjamín Cokelet, diretor-executivo do não governamental e regional Projeto sobre Organização, Desenvolvimento, Educação e Pesquisa, com base no México. Mas, destacou à IPS, “se não os aplicarmos será um marco jurídico cooptado por outros interesses e provocará práticas de simulação”.

Desde 2013, Argentina, Chile, Colômbia, Guatemala e México expressam sua intenção de instrumentar os Princípios Reitores, segundo dados do Conselho de Direitos Humanos, mas nenhum a concretizou.

O Chile – com conflitos sociais vinculados a criação de salmão em piscinas-fábricas, mineração e grandes plantações florestas e também a outros setores –, elabora um plano nacional para identificar a situação atual, vazios e boas práticas, segundo explicou a delegação do governo no Terceiro Fórum Anual de Direitos Humanos e Empresas, realizado em Genebra, na Suíça, no mês de dezembro.

Além disso, incluiria medidas efetivas de reparação para as vítimas, especial atenção aos grupos vulneráveis, ações trabalhistas e de respeito ao ambiente, bem como disposições anticorrupção e de fomento à transparência, segundo foi informado no Conselho.

Mas, para José Aylwin, codiretor do não governamental Observatório Cidadão chileno, o ritmo em seu país é lento. “Só a Colômbia avançou no desenvolvimento desse plano, enquanto o Chile não mostra, além dos anúncios, avanços nessa matéria, menos ainda em abrir um debate amplo com participação de organismos da sociedade civil e de povos indígenas para sua elaboração”, afirmou à IPS.

Para ativistas com Aylwin, uma preocupação maiúscula é a continuidade das práticas que violam direitos humanos por parte das corporações e a impunidade que prevalece. “Na região, o discurso da responsabilidade social empresarial continua sendo muito repetitivo e há uma negativa em entender a situação em termos de direitos humanos”, denunciou a colombiana Amanda Romero, do não governamental e internacional Centro de Informação sobre Empresas e Direitos Humanos.

Apesar dos Princípios Reitores e de outras iniciativas, na América Latina “há cada vez mais impunidade”, afirmou essa pesquisadora do Centro, com sede em Londres e que em 2013 lançou o primeiro informe sobre a região.

Romero deu como exemplo o caso da Colômbia, onde há um aumento dos conflitos relacionados a concessionárias de mineração e construção de infraestrutura. “Constatamos que há um aumento de ataques, coincidindo com mobilizações e demandas de comunidades que não desejam essas obras”, afirmou.

Isso apesar de esse país ter construído, em 2009, mecanismos para abordar a ligação entre direitos humanos e empresas, e em julho de 2014 o governo publicou as Diretrizes Para Uma Política Pública de Direitos Humanos e Empresas. Esse guia aborda a gestão de riscos e impactos, transparência, relação com comunidades, assuntos trabalhistas e ambientais, bem como segurança, consumidores e terras.

Em seu 26º período de sessões, em junho de 2014, o Conselho de Direitos Humanos formou um grupo de trabalho intergovernamental de composição plural para desenhar um tratado vinculante que abrigue os agora voluntários Princípios Reitores. Entre os países latino-americanos, a iniciativa contou com apoio de Bolívia, Cuba, Equador e Venezuela, e encontrou oposição em um bloco liderado por Colômbia, México e Peru.

No dia 25 de fevereiro, o Centro de Informação divulgou duas plataformas interativas para avaliar o desempenho de companhias e governos, com base em um questionário enviado a cem governos e 180 corporações. Entre as empresas que responderam estavam Falabella (Chile), Ecopetrol (Colômbia), Grupo México, Petróleos Mexicanos e Petróleos da Venezuela. Todas enviaram como resposta suas políticas de responsabilidade social corporativa.

Os governos de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador e México responderam com menções aos seus planos de desenvolvimento, programas de direitos humanos e políticas ambientais, enquanto Bolívia, Equador, Guatemala, Honduras e Peru não responderam, pelo menos até agora.

Diante da gravidade da situação, várias organizações latino-americanas idealizaram a criação de um observatório para acompanhamento do tema. Romero propõe a conversão dos Princípios Reitores em lei nacional, o apoio ao tratado vinculante e manter o ativismo junto aos órgãos garantidores dos tratados de direitos humanos.

Para Aylwin, é urgente que os Estados adotem medidas políticas e legislativas “para garantir a coerência de sua atuação na matéria e para permitir que seja efetiva a responsabilidade das empresas pela violação de direitos humanos”.

Fonte: ENVOLVERDE

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