Empresas latino-americanas estão
longe dos princípios de direitos humanos.
por
Emilio Godoy, da IPS
Ativistas de comunidades vizinhas bloqueiam a
construção da represa El Zapotillo, no Estado de Jalisco, no México. Os
conflitos entre as populações próximas a projetos de empresas de diversos
setores se repetem na América Latina. Foto: Cortesia de Ação Solidária.
Cidade do México, México, 11/3/2015 – “Eu diria às
instituições e empresas para terem consciência do grande dano que causam ao
solo, à flora, ao ambiente, que respeitem a decisão da gente. Estão realizando
um atentado contra a saúde e a vida”, afirmou o indígena mexicano Taurino
Rincón. Este nahua integra o Conselho Indígena pela Defesa do Território de
Zacualpan, localidade do ocidente do país, que luta contra a empresa mexicana
Gabfer SA de CV, e seu projeto de explorar uma mina a céu aberto em suas terras
comunitárias.
“Queremos que a concessão seja anulada. Estamos
firmes em não aceitá-la de forma alguma. Defendemos o direito à vida, à água e
à natureza”, destacou Rincón à IPS. Ele assegura que a exploração da mina
contaminaria o manancial que fornece água aos quatro mil habitantes da
comunidade, situada a 660 quilômetros da Cidade do México, no município de
Comala, no Estado de Colima.
A Gabfer tem concessão para explorar a céu aberto
ouro, cobre, prata e manganês, em uma área de cem hectares, e seus
representantes afirmam que o projeto não danificará as fontes de água, mas
ainda não foi apresentado o estudo de impacto ambiental a respeito.
Este caso ilustra os diversos conflitos entre
empresas e as comunidades onde operam e que se repetem em muitos setores da
América Latina, onde há escassa acolhida dos Princípios Reitores sobre os
Direitos Humanos e as Empresas, estabelecidos em 2011 pelo Conselho de Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Os três eixos dos 40 princípios incorporam o dever
dos Estados de proteger os direitos humanos, a obrigação das empresas de
respeitá-los e as vias de reparação para as vítimas das violações. Entre eles
se destaca que “os Estados devem proteger contra as violações dos direitos
humanos cometidas em seu território e/ou sua jurisdição por terceiros,
incluídas as empresas”. Também se ressalta que devem “enunciar claramente que
se espera de todas as empresas domiciliadas em seu território e/ou jurisdição o
respeito a esses direitos em todas suas atividades”.
Os princípios são voluntários, não vinculantes nem
executáveis fora do território onde ocorre o dano, mas representam um primeiro
instrumento para a defesa dos direitos humanos nas atividades econômicas dos
setores privado e público.
O atraso na aplicação na América Latina acontece
enquanto o Atlas Global de Justiça Ambiental, coordenado pelo Instituto de
Ciência e Tecnologia da Universidade Autônoma de Barcelona, na Espanha,
identificou 99 disputas ambientais na Colômbia, 64 no Brasil, 49 no Equador, 36
na Argentina, 35 no Chile, 33 no Peru e 32 no México.
Trata-se de conflitos relacionados com a mineração
e a exploração de combustíveis fósseis, a gestão de resíduos e da água, o
acesso à terra e o desenvolvimento da infraestrutura.
Fábrica em construção da Monsanto, a corporação
norte-americana de biotecnologia que os moradores de Malvinas Argentinas, uma
localidade da província de Córdoba, na Argentina, conseguiram paralisar
provisoriamente. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
“É algo muito novo, não há linhas claras para os
governos e para que os princípios se tornem uma realidade nacional”, disse o
norte-americano Benjamín Cokelet, diretor-executivo do não governamental e
regional Projeto sobre Organização, Desenvolvimento, Educação e Pesquisa, com
base no México. Mas, destacou à IPS, “se não os aplicarmos será um marco
jurídico cooptado por outros interesses e provocará práticas de simulação”.
Desde 2013, Argentina, Chile, Colômbia, Guatemala e
México expressam sua intenção de instrumentar os Princípios Reitores, segundo
dados do Conselho de Direitos Humanos, mas nenhum a concretizou.
O Chile – com conflitos sociais vinculados a
criação de salmão em piscinas-fábricas, mineração e grandes plantações florestas
e também a outros setores –, elabora um plano nacional para identificar a
situação atual, vazios e boas práticas, segundo explicou a delegação do governo
no Terceiro Fórum Anual de Direitos Humanos e Empresas, realizado em Genebra,
na Suíça, no mês de dezembro.
Além disso, incluiria medidas efetivas de reparação
para as vítimas, especial atenção aos grupos vulneráveis, ações trabalhistas e
de respeito ao ambiente, bem como disposições anticorrupção e de fomento à
transparência, segundo foi informado no Conselho.
Mas, para José Aylwin, codiretor do não
governamental Observatório Cidadão chileno, o ritmo em seu país é lento. “Só a
Colômbia avançou no desenvolvimento desse plano, enquanto o Chile não mostra,
além dos anúncios, avanços nessa matéria, menos ainda em abrir um debate amplo
com participação de organismos da sociedade civil e de povos indígenas para sua
elaboração”, afirmou à IPS.
Para ativistas com Aylwin, uma preocupação
maiúscula é a continuidade das práticas que violam direitos humanos por parte
das corporações e a impunidade que prevalece. “Na região, o discurso da
responsabilidade social empresarial continua sendo muito repetitivo e há uma
negativa em entender a situação em termos de direitos humanos”, denunciou a
colombiana Amanda Romero, do não governamental e internacional Centro de
Informação sobre Empresas e Direitos Humanos.
Apesar dos Princípios Reitores e de outras
iniciativas, na América Latina “há cada vez mais impunidade”, afirmou essa
pesquisadora do Centro, com sede em Londres e que em 2013 lançou o primeiro
informe sobre a região.
Romero deu como exemplo o caso da Colômbia, onde há
um aumento dos conflitos relacionados a concessionárias de mineração e
construção de infraestrutura. “Constatamos que há um aumento de ataques,
coincidindo com mobilizações e demandas de comunidades que não desejam essas
obras”, afirmou.
Isso apesar de esse país ter construído, em 2009,
mecanismos para abordar a ligação entre direitos humanos e empresas, e em julho
de 2014 o governo publicou as Diretrizes Para Uma Política Pública de Direitos
Humanos e Empresas. Esse guia aborda a gestão de riscos e impactos,
transparência, relação com comunidades, assuntos trabalhistas e ambientais, bem
como segurança, consumidores e terras.
Em seu 26º período de sessões, em junho de 2014, o
Conselho de Direitos Humanos formou um grupo de trabalho intergovernamental de
composição plural para desenhar um tratado vinculante que abrigue os agora
voluntários Princípios Reitores. Entre os países latino-americanos, a iniciativa
contou com apoio de Bolívia, Cuba, Equador e Venezuela, e encontrou oposição em
um bloco liderado por Colômbia, México e Peru.
No dia 25 de fevereiro, o Centro de Informação
divulgou duas plataformas interativas para avaliar o desempenho de companhias e
governos, com base em um questionário enviado a cem governos e 180 corporações.
Entre as empresas que responderam estavam Falabella (Chile), Ecopetrol
(Colômbia), Grupo México, Petróleos Mexicanos e Petróleos da Venezuela. Todas
enviaram como resposta suas políticas de responsabilidade social corporativa.
Os governos de Argentina, Brasil, Chile, Colômbia,
El Salvador e México responderam com menções aos seus planos de
desenvolvimento, programas de direitos humanos e políticas ambientais, enquanto
Bolívia, Equador, Guatemala, Honduras e Peru não responderam, pelo menos até
agora.
Diante da gravidade da situação, várias
organizações latino-americanas idealizaram a criação de um observatório para
acompanhamento do tema. Romero propõe a conversão dos Princípios Reitores em
lei nacional, o apoio ao tratado vinculante e manter o ativismo junto aos
órgãos garantidores dos tratados de direitos humanos.
Para Aylwin, é urgente que os Estados adotem
medidas políticas e legislativas “para garantir a coerência de sua atuação na
matéria e para permitir que seja efetiva a responsabilidade das empresas pela
violação de direitos humanos”.
Fonte: ENVOLVERDE
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