O carvão queima o futuro da
Austrália.
por
Suganthi Singarayar, da IPS
A produção mundial de carvão e a energia extraída
do mesmo representam 44% das emissões de dióxido de carbono por ano. Foto:
Bigstock.
Sidney, Austrália, 18/3/2015 – Enquanto se aproxima
a decisiva conferência climática agendada para dezembro em Paris, organizações
da sociedade civil pressionam os governos para que cumpram os compromissos
assumidos por seus países e reduzam as emissões de carbono a fim de frear o
aquecimento do planeta.
As políticas comerciais, ambientais e de
investimento dos países industrializados estão sob lupa, já que as emissões de
gases-estufa por habitante de Austrália, Canadá e Estados Unidos superam, em
cada um, as 20 toneladas anuais de dióxido de carbono (CO2), o dobro das
emitidas pela China por habitante.
Mas, apesar dos temores de que um aumento da
temperatura mundial superior a dois graus Celsius possa levar a uma mudança
climática catastrófica, os governos continuam aplicando uma estratégia de “aqui
nada acontece” e investem milhões de dólares em indústrias “sujas” e empresas
insustentáveis que esquentam o planeta.
Entre 30 de novembro e 11 dezembro deste ano
acontecerá na capital da França a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da
Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, na qual deverá ser
acordado um novo tratado universal e vinculante sobre o fenômeno.
Na Austrália, a mineração do carvão e a sua
combustão para gerar eletricidade, por exemplo, se transformaram em temas
extremamente decisivos. Os políticos defendem a indústria como resposta à pobreza
e ao desemprego, enquanto os cientistas e os cidadãos preocupados lutam por
alternativas energéticas menos prejudiciais ao ambiente.
Outros denunciam as consequências negativas dessas
indústrias para a saúde, bem como o custo gerado pela energia suja para as
economias locais e estatais. Em nível mundial, a produção de carvão e a energia
extraída do mesmo representam 44% das emissões de CO2 ao ano, segundo o
independente Centro por Soluções do Clima e da Energia, com sede nos Estados
Unidos.
A dependência que a Austrália tem do carvão para
exportação e geração de eletricidade explica seu péssimo histórico na redução
de emissões de gases-estufa. A Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE) informou, em 2014, que este país emitiu em
2010 o equivalente a 25 toneladas de carbono por pessoa, mais do que os outros
membros da organização, integrada por 34 países.
Estudos realizados este ano indicam que os custos
sanitários associados às cinco centrais elétricas a carvão localizadas em Hunter
Valley, no Estado de Nova Gales do Sul, 120 quilômetros ao norte de Sidney,
chegam a US$ 456 milhões por ano.
Um informe publicado em fevereiro pela Aliança pelo
Clima e a Saúde (Caha), integrada por 28 organizações australianas, chegou à
conclusão de que os “custos estimados dos danos à saúde associados à combustão
de carvão para eletricidade no conjunto da Austrália chegam a US$ 1,97 bilhão
ao ano”.
A coordenadora da Caha, Fiona Armstrong, disse à
IPS que a aliança busca chamar a atenção para a forte dependência dos
combustíveis fósseis da política sanitária e energética da Austrália. “Sem
mudar nossas opções de energia, não poderemos atuar de maneira eficaz sobre a
mudança climática”, ressaltou.
Armstrong afirmou que a região de Hunter Valley, um
dos maiores vales fluviais da costa de Nova Gales do Sul, é uma das regiões com
maior atividade mineira do país. “Responde por dois terços das emissões” de
carbono, acrescentou. “Assim é um bom exemplo para ver quais são os impactos
sobre as pessoas e qual é a contribuição do carvão dessa comunidade em nível
mundial”, ressaltou.
Hunter Valley produziu 145 milhões de toneladas de
carvão em 2013. Como cada tonelada desse mineral emite 2,4 toneladas de dióxido
de carbono, os especialistas dizem que a produção mineral de Hunter Valley esse
ano gerou o equivalente a 348 milhões de toneladas de CO2.
O Conselho de Minerais de Nova Gales do Sul
informou que a mineração na região de Hunter Valley emprega 11 mil operários,
proporciona US$ 1,135 bilhão em salários e US$ 3,33 bilhões à comunidade
mediante gastos diretos em bens e serviços. Mas essas riquezas têm um preço
alto. Hunter Valley é conhecido por seus vinhedos, criações de cavalos e suas
fazendas, para os quais a mineração é uma ameaça.
John Lamb, ativista contra a mineração e presidente
da Associação do Progresso de Bulga Milbrodale, se referiu ao problema em uma
reunião da comunidade do subúrbio de Glebe, próximo a Sidney, em fevereiro. O
pó das minas de carvão cobre os telhados das casas e se infiltra nos tanques de
água de chuva, contaminando o fornecimento hídrico da comunidade, pontuou,
acrescentando que o barulho constante das minas também é um problema.
Lamb destacou o impacto que a mineração tem sobre o
valor da terra. Por exemplo, o povoado de Camberwell, em Hunter Valley, está
rodeado por minas e só possui quatro casas de propriedade privada. O restante
está ocupado por mineradores ou abandonado. A Yancoal, empresa proprietária da
mina de Ashton, 14 quilômetros a noroeste da cidade de Singleton, em Hunter
Valley, é dona de 87% das moradias da região.
Para Wendy Bowman, uma das últimas habitantes de
Camberwell, que pratica a agricultura na região desde 1957, a mineração é uma
preocupação. Ela vive em uma fazenda em Rosedale, entre as localidades de
Muswellbrook e Singleton, e se nega a partir. Deixou seu estabelecimento
anterior quando o pó e a contaminação da água causada pela mina a céu aberto de
Ravensworth South se tornaram insuportáveis.
A agricultora afirma em um vídeo que perdeu 20% de
sua capacidade pulmonar devido ao pó das minas. Mas o que mais a preocupa é a
saúde das meninas e dos meninos da região e as consequências para o
Departamento de Saúde dentro de 20 ou 30 anos.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a mineração
e a queima de carvão para geração de eletricidade se associam com altas
emissões de dióxido de enxofre e óxidos de nitrogênio, os quais reagem para
formar partículas secundárias na atmosfera. Contaminantes complexos como este
são conhecidos por aumentarem o risco de transtornos respiratórios crônicos e
de doenças como câncer de pulmão, e gerarem riscos adicionais às crianças e
mulheres grávidas.
Segundo a Caha, a maior parte das pesquisas médicas
sobre a contaminação relacionada com o carvão se concentra nas partículas finas
que medem entre 2,5 e dez micrômetros de diâmetro, que são particularmente
prejudiciais à saúde. A organização adverte que as emissões de partículas de
dez micrômetros aumentaram 20% entre 1992 e 2008 na área metropolitana de
Sidney, o que é atribuído ao aumento da mineração do carvão em Hunter Valley.
Fonte: ENVOLVERDE
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