Estudo vincula guerra na Síria
com mudança climática.
por
Thalif Deen, da IPS
Uma fazenda afetada pela seca na Síria, em dezembro
de 2010. Foto: Caterina Donattini/IPS.
Nações Unidas, 5/3/2015 – É possível que a guerra
na Síria, que em seus quatro anos já custou a vida de mais de 200 mil pessoas,
se deva, ao menos em parte, à mudança climática? Um estudo realizado pelo
Observatório da Terra Lamont-Doherty, da Universidade de Columbia, nos Estados
Unidos, considera “provável que uma seca sem precedentes que assolou a Síria
entre 2006 e 2010, avivada pela mudança climática provocada pela atividade
humana, pode ter ajudado a impulsionar o levante sírio em 2011”.
Descrita como a pior registrada na história da
região, afirma-se que a seca destruiu a agricultura no que é conhecido como o
celeiro da Síria, no norte do país, e expulsou os produtores da área para as
cidades, onde a pobreza, a má gestão governamental e outros fatores provocaram
o mal-estar social que explodiu em março de 2011.
“Não estamos dizendo que a seca provocou a guerra”,
alertou Richard Seager, cientista especializado no clima e coautor do estudo
publicado no dia 2. “Dizemos que, somado aos demais fatores, ajudou as coisas a
passarem para o conflito aberto. E uma seca dessa gravidade se fez muito mais
provável pela aridez atual dessa região, induzida pelo homem”, acrescentou.
Doreen Stabinsky, professora de política ambiental
na Universidade do Atlântico, dos Estados Unidos, apontou à IPS que,
evidentemente, a guerra na Síria é uma situação complexa que não pode ser
explicada unicamente pela seca e pelo colapso dos sistemas agrícolas. “Mas
sabemos que a produção agrícola será uma das primeiras vítimas da catástrofe
climática que está se desenvolvendo”, afirmou.
Na verdade, a mudança climática não é uma ameaça
distante, com consequências que ocorrerão em 2050 ou 2100, acrescentou
Stabinsky. “O que essa pesquisa demonstra é que os efeitos do clima sobre a
agricultura estão acontecendo agora, com consequências devastadoras para
aqueles cujo meio de vida se baseia na agricultura”, destacou.
“Podemos, inclusive, esperar no curto prazo mais
desse tipo de impacto nos sistemas agrícolas que conduzirá a migrações em
grande escala, dentro dos países e entre os países, com um custo humano,
econômico e ecológico importante”, previu Stabinsky. O que a pesquisa demonstra
antes de tudo é que a comunidade mundial deve levar a crise climática, e suas
repercussões para a produção agrícola, muito mais a sério do que tem levado até
agora, recomendou a especialista.
Segundo o novo estudo da Universidade de Columbia,
a mudança climática também fez com que seagravasse a tensão militar na zona
denominada Crescente Fértil, que inclui partes da Turquia, Síria e Iraque. De
acordo com a pesquisa, um número crescente de pesquisadores sugere que os
extremos climáticos, como as temperaturas altas e as secas, aumentam as
possibilidades de violência, que incluem desde ataques individuais até guerras
em grande escala.
Alguns especialistas projetam que o aquecimento
global provocado pela atividade humana acentuará os conflitos futuros. Outros
afirmam que isso já está ocorrendo. Notícias recentes publicadas na imprensa e
outros informes vinculam a guerra na Síria, no Iraque e em outros lugares a
problemas ambientais, especialmente à falta de água.
O estudo da Universidade de Columbia, que combina
dados climáticos, sociais e econômicos, possivelmente é o primeiro a investigar
de forma detalhada e quantitativamente essas questões em relação a uma guerra
em curso. A pesquisa também assinala que a recente seca afetou a região do
Crescente Fértil, onde a agricultura e o pastoreio teriam começado há cerca de
12 mil anos e que sempre experimentou altos e baixos climáticos naturais.
Mas os autores, recorrendo a estudos existentes e à
sua própria investigação, demonstraram que, desde 1900, a região teve
aquecimento de um a 1,2 grau Celsius, e redução de 10% em suas precipitações.
“Demonstraram que a tendência coincide perfeitamente com os modelos de
aquecimento global influenciado pela atividade humana e, portanto, não podem
ser atribuídos à variabilidade natural”, segundo o estudo.
A pesquisa acrescenta que o aquecimento global teve
duas consequências. Primeiro, indiretamente teria debilitado os padrões do
vento que trazem ar carregado de chuva do Mar Mediterrâneo, o que reduziu as precipitações
durante a temporada de chuvas, de novembro a abril. Em segundo lugar, a
elevação das temperaturas aumentou a evaporação da umidade dos solos durante os
verões.
A região experimentou secas importantes nas décadas
de 1950, 1980 e 1990. No entanto, a seca de 2006 a 2010 foi a pior e a mais
longa desde que começaram os registros confiáveis. Os pesquisadores concluem
que um episódio com essa severidade e duração teria sido improvável sem as
mudanças de longo prazo.
Outras pesquisas observaram uma tendência de longo
prazo da seca em todo o Mediterrâneo, atribuída, ao menos parcialmente, ao
aquecimento global, como afirma um estudo prévio da Administração Nacional
Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos.
O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre
Mudança Climática (IPCC) projetou que a região do Oriente Médio secará mais nas
próximas décadas, na medida em que avançar o aquecimento induzido pela
humanidade. Os autores do estudo dizem que a Síria é especialmente vulnerável
devido a outros fatores, como o drástico crescimento demográfico, que passou de
uma população de quatro milhões de pessoas, em 1950, para 22 milhões nos
últimos anos.
Além disso, os governos de Hafez al Assad
(1970-2000) e de seu filho, o atual presidente Bashar al Assad, fomentaram o
cultivo de produtos de exportação que exigem alto consumo de água, como o
algodão, explicaram os investigadores.
A perfuração ilegal de poços para irrigação esgotou
as reservas de água subterrânea que poderiam ter servido para os anos de seca,
destacou Shahrzad Mohtadi, uma das autoras do estudo, encarregada dos
componentes econômicos e sociais da pesquisa. Segundo o estudo, os efeitos da
seca foram imediatos. A produção agrícola, que em geral constitui 25% do
produto interno bruto do país, caiu um terço.
Na área do nordeste, o gado praticamente
desapareceu, o preço dos cereais duplicou e cresceram drasticamente as doenças
derivadas da má nutrição entre as crianças. Cerca de 1,5 milhão de pessoas
fugiram das zonas rurais para a periferia das cidades, por si só já ressentidas
pela chegada de refugiados da guerra no vizinho Iraque. O governo de Assad não
fez muito para melhorar o emprego ou os serviços nesses subúrbios, segundo
Mohtadi. O levante de 2011 começou em grande parte nessas áreas.
Segundo os autores, “as rápidas mudanças
demográficas fomentam a instabilidade. É impossível saber se foi um fator
principal ou substancial, mas a seca pode ter consequências devastadoras quando
acompanhadas de uma forte vulnerabilidade persistente”, ressaltaram os autores.
Fonte: ENVOLVERDE
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